A Agenda 2030 é um plano global para promover o desenvolvimento sustentável, erradicar a pobreza e garantir uma vida digna para todos até 2030. Criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a Agenda estabelece 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), entre eles está o ODS 5, que fala sobre “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”.
A Agenda foi criada em 2015, mesmo ano que em a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) estabeleceram o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. O objetivo é claro: fortalecer o compromisso global com a igualdade de direitos entre homens e mulheres, principalmente do ponto de vista da educação.
De acordo a ONU e Unesco, as mulheres representam apenas 30% de pesquisadores no mundo. O que significa que ainda existem muitas barreiras a serem superadas para que mais mulheres e meninas exerçam seu potencial em áreas como ciências, tecnologia, engenharia e matemáticas (STEM, na sigla em inglês).
Mulheres e meninas ainda enfrentam desafios que vão desde a participação e acesso até permanência e avanço nessas áreas em que são frequentemente sub-representadas. “Ocupar espaços na ciência ainda é um grande desafio, especialmente para as mulheres. Historicamente, os discursos sempre reforçaram papéis e lugares específicos para elas, limitando suas possibilidades de atuação”, reforça a mestranda Lethicia Castilho, que atua com pesquisa desde a graduação no Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT).

Ao longo da história, a divisão do trabalho foi estruturada com base na separação das funções desempenhadas por homens e mulheres e na atribuição de valores desiguais a essas atividades. Enquanto a separação define quais tarefas são consideradas masculinas e femininas, a hierarquização confere maior reconhecimento social e econômico ao trabalho realizado pelos homens em comparação ao desempenhado pelas mulheres.
Na prática, homens tem mais acesso a cargos de liderança, tecnologia e engenharia e costumam ser bem remunerados e valorizados socialmente. Já as mulheres são mais comuns em profissões ligadas ao cuidado, à educação e aos serviços, que geralmente possuem salários menores e menos reconhecimento.
Países como Finlândia, Noruega e Suécia avança em relação a equidade de gênero em áreas de ciências e tecnologia, bem como humanidades e artes. Enquanto isso, países da África, sul da Ásia e Oriente Médio mulheres e meninas enfrentam barreiras como pobreza, casamento infantil, normas culturais, restrições legais, violência e vários outros. No Brasil, as mulheres representam a maioria em áreas de ensino e saúde, mas em áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemáticas, ainda há muito que conquistar.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é uma instituição de apoio financeiro para fomentar a pesquisa científica, tecnológica e de inovação no Brasil. Uma pesquisa realizadas nas universidades federais de Santa Catarina, Alagoas e Pernambuco revelou desigualdade de gênero na modalidade de apoio que recompensa cientistas com desempenho destacado. Contatou-se que 63% eram homens e apenas 37% mulheres. E a tendência é que esses números se intensifiquem em níveis mais altos de hierarquia de bolsistas.
“Durante minha trajetória acadêmica, enfrentei diversos desafios, mas, sem dúvida, o mais marcante ocorreu durante o doutorado. Em 2003, engravidei enquanto cursava minha pós-graduação. Naquela época, o governo não concedia licença-maternidade para alunas de pós-graduação com bolsa de estudos. Tive meu filho e, apenas sete dias depois do parto, precisei retornar à universidade para não perder minha bolsa. Lembro que o coordenador me ligou e deixou claro que, se eu não voltasse, perderia o financiamento da pesquisa”, relata a professora doutora em Ciências Biológicas na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Geane Brizzola.
Para ela, esse foi um período extremamente difícil. Conciliar a produção acadêmica com os cuidados de um recém-nascido exigia muito esforço, impossibilitando-a de se concentrar plenamente na tese, ao mesmo tempo em que sentia que não conseguia oferecer ao filho toda a atenção e cuidado de que ele precisava. Essa experiência de Geane revela uma realidade dura vividas por mulheres cientistas, de não apenas enfrentarem as dificuldades inerentes à ciência, mas também os desafios impostos pelas estruturas acadêmicas às mães pesquisadoras.
As bolsas, que variam conforme categoria e instituição de apoio financeiro, são fundamentais para fazer pesquisa, pois elas ajudam na manutenção e custeio do trabalho, que requer muitas horas de dedicação. “Os incentivos e fomentos à pesquisa nem sempre chegam a todos de forma equitativa, além disso, quando uma mulher decide romper com esses paradigmas e construir uma carreira na ciência, ela frequentemente se depara com inúmeros obstáculos. Muitas vezes, suas pesquisas são descredibilizadas, sua competência é questionada e seu trabalho pode não receber o devido reconhecimento”, relata Lethicia, que pesquisou sobre a temática de gênero nas aulas de Educação Física.
Para Geane, professora e pesquisadora na área de ciências biológicas, a pesquisa de campo, por sua natureza, apresenta desafios significativos, especialmente quando há uma dinâmica de poder desigual entre orientadores e alunas. “Esse cenário se torna ainda mais complexo quando o orientador é um homem, o que pode gerar situações problemáticas. O histórico de assédio, por exemplo, permanece como uma questão não resolvida dentro do ambiente acadêmico, dificultando a inclusão plena das mulheres na ciência”.

No entanto, ela relata que, além dessa questão estrutural, não há grandes diferenças entre meninos e meninas no que diz respeito à capacidade de se dedicar a uma área específica. O que realmente faz a diferença é o empenho e o esforço individual. “De modo geral, as meninas demonstram um desempenho superior, dedicando-se mais aos estudos e se destacando em comparação aos meninos”, relata ela, com base na observação de anos de licenciatura acadêmica.
Para romper as barreiras da desigualdade no acesso e na permanência na pesquisa científica no Brasil, é preciso esforços contínuos, desde incentivos institucionais até políticas que promovam a inclusão feminina no campo acadêmico e garantam sua segurança e bem-estar no fazer ciência. A presença de mais mulheres não é apenas uma questão de equidade, mas um fator essencial para o avanço do conhecimento.
“Muitas mulheres enfrentam jornadas duplas ou triplas de trabalho, o que impacta diretamente sua trajetória acadêmica e profissional. Até mesmo o direito à cidade se torna um desafio, pois a estrutura urbana nem sempre oferece segurança e acessibilidade para que possamos nos dedicar plenamente às nossas atividades. Essas são questões que, muitas vezes, não são vistas como desafios diretos à ciência, mas que influenciam diretamente nossa capacidade de avançar na carreira e ocupar espaços historicamente negados às mulheres. São paradigmas que ainda precisamos superar’, finaliza Lethicia.
Além de tudo, a busca por soluções para os grandes desafios da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável exige o talento e a criatividade de todos. Para isso, é essencial garantir a inclusão de mais mulheres nessas áreas. A diversidade na pesquisa fortalece o campo científico, trazendo novas perspectivas, habilidades e abordagens inovadoras. Neste Dia, celebramos o papel fundamental das mulheres e meninas na ciência e tecnologia, reforçando a importância de ampliar sua participação e importância de suas contribuições.