Embora existam empresas, setores e até governos que sejam grandes responsáveis pela situação na qual nos encontramos, apontar dedos sem oferecer soluções viáveis é contraproducente
Escrevo este artigo às 20h da noite de uma quarta-feira. Os termômetros marcam 32ºC, onze acima da média histórica para esta data e horário. Neta semana vivenciamos em São Paulo, onde resido, uma quebra de recorde histórico de temperatura, enquanto no Rio a sensação térmica atingiu impressionantes 58,6ºC – uma experiência cuja intensidade ainda me escapa.
Em face do calor extremo, o trânsito nestes últimos dias foi terrível – provavelmente, fruto de pessoas evitando andar a pé neste calor ou gente evitando o home office para usufruir do ar-condicionado dos escritórios. Por falar em ar-condicionado, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) registrou uma demanda recorde no Sistema Interligado Nacional, resultando em interrupções pontuais de energia e na ativação plena de fontes emergenciais, notoriamente as usinas térmicas a carvão, um dos principais contribuintes para a crise climática.
Há apenas 10 dias, a região Sudeste do Brasil foi impactada por um temporal devastador, com ventos de até 100 km/h, deixando mais de 2 milhões de pessoas sem luz e água por dias, incluindo o condomínio onde resido. A normalidade foi restaurada apenas cinco dias depois, evidenciando a vulnerabilidade de nossa infraestrutura diante das mudanças climáticas.
Telefonei a um climatologista muito respeitado, indagando como deve ser frustrante não ter sido ouvido por 40 anos e ver tudo aquilo que lhe parecia óbvio se materializando. A resposta foi direta: estes eventos representam contundentes alertas a todos de que não podemos abandonar o limite de aquecimento de 1,5ºC estabelecido no acordo de Paris, incluindo a comunidade científica. Sim, você leu certo: há uma corrente entre os cientistas do clima que, desalentados, já vislumbram a urgência de estabelecer um novo limite de aquecimento, abandonando, com pesar, o aspirado grau e meio.
Se antes as mudanças climáticas eram uma certeza científica, agora é impossível negar que o tema está enraizado no consciente coletivo. A ética, como enfatizado pelo filósofo ambiental Peter Singer, torna-se ainda mais crucial nesse contexto, pois, segundo ele, “nossa ética é inseparável do ambiente em que vivemos”.
Diante da emergência em que estamos, vale a pena dispender esforços apontando os culpados? Ou nossa energia seria mais bem utilizada na construção de uma solução?
Diversas montadoras de automóveis competem entre si no mercado global. No entanto, diante dos desafios ambientais e da necessidade de reduzir as emissões de carbono, várias empresas automotivas concorrentes decidiram colaborar no desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, como no notável caso da Ionity, uma joint-venture entre várias montadoras, incluindo a BMW, a Ford, a Mercedes-Benz, a Hyundai e o Grupo Volkswagen.
A Ionity foi criada para construir uma rede de estações de carregamento de veículos elétricos de alta potência em toda a Europa. Essa improvável aliança evidencia que a superação de desafios pode surgir de cooperações inovadoras, em vez de uma competição prejudicial.
Embora existam empresas, setores e até governos que sejam grandes responsáveis pela situação na qual nos encontramos, apontar dedos sem oferecer soluções viáveis é contraproducente. Escorraçar os culpados só os levaria a se fecharem em copas, agravando o problema. Não temos mais tempo para enfrentamentos não construtivos; sendo essencial um olhar empático parte a parte para termos alguma chance de mitigar o que ferozmente se apresenta.
Li agora em um grupo de WhatsApp uma pergunta devastadora: “Mãe, eu viverei até ficar adulto?”. Essa indagação, típica de épocas de guerra, me toca profundamente. Talvez esse adolescente tenha compreendido que estamos, de fato, em uma guerra contra as consequências de nossas próprias ações. Contudo, enquanto nos enfrentarmos, o único vencedor será nosso inimigo comum: as adversidades climáticas.
Precisamos, coletivamente, reconhecer que o modelo econômico vigente nos colocou nesta situação, sendo necessário e urgente que pensemos em novos modelos que incentivem mais o coletivo em detrimento do individual, condenando práticas que visam a maximização dos lucros às custas do sofrimento dos stakeholders.
Nossa responsabilidade enquanto empresários ou investidores deve ser regida pela mesma ética de nossa responsabilidade enquanto pais ou cidadãos.
A ética, ao ser promovida em todos os setores da sociedade, não apenas ilumina o caminho para soluções construtivas, mas também fomenta um entendimento coletivo de que a preservação do planeta é uma responsabilidade que transcende fronteiras e interesses individuais.
A questão climática, com seu potencial de destruição econômica e social, excede qualquer ameaça enfrentada pela humanidade. O reconhecimento desse fato é essencial, abandonando a visão restritiva de que se trata de um “mero” problema ambiental.
A mudança de modelo não pode ser imposta à revelia, mas requer uma solução construída, possível e viável, com cada organização, seja pública ou privada, assumindo sua responsabilidade e contribuindo para uma transformação coletiva.
Diante do desafio monumental, a humanidade precisa despertar para a necessidade premente de agir com empatia, cooperação e, acima de tudo, ética.
De início, basta um pouco de humanidade.
Fonte: Época Negócios