A automação da atividade de manejo florestal é uma tendência na Amazônia. De acordo com estudos de impacto realizados pela Embrapa, com a participação de empresas do setor florestal e instituições ligadas ao meio ambiente, o Modeflora é adotado em seis estados da Amazônia (Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Amazonas e Pará). Desde 2008, já foram manejados 415 mil hectares de floresta com uso da tecnologia na região. Análises confirmam redução de 31,5% nos custos da atividade florestal, em relação ao manejo convencional. Somente em 2021, a aplicação da ferramenta digital no manejo de 40 mil hectares de florestas rendeu uma economia de, aproximadamente, R$ 11 milhões ao setor florestal amazônico.
O pesquisador da Embrapa Marcus Vinício Neves d’Oliveira (foto à direita) explica que o Modeflora representa um salto qualitativo no manejo de florestas tropicais, por possibilitar informações precisas sobre a topografia do terreno e a localização exata das árvores na área a ser manejada, entre outros aspectos essenciais para planejar a atividade com segurança. A tecnologia ajudou a garantir maior eficiência e competitividade ao manejo florestal madeireiro e tornou o negócio mais rentável, com menor impacto ambiental.
“Antes do modelo digital, o planejamento da atividade de manejo envolvia desenhar a área de forma manual e realizar longas caminhadas na floresta, para marcação e localização física das árvores. A ausência de informações precisas ocasionava equívocos, como a abertura de pátios de estocagem em área de baixa densidade de árvores e de estradas em áreas de proteção ambiental. As ferramentas digitais possibilitam agilidade no inventário florestal e a definição de locais adequados para os pátios de estocagem e estradas na floresta, de acordo com as condições do ambiente modelado, padrão de distribuição das espécies, concentração de árvores de valor comercial e outros aspectos que influenciam a dinâmica de execução do manejo florestal e conferem sustentabilidade à atividade”, conta o pesquisador.
As geotecnologias nas florestas do Acre
O uso de geotecnologias no manejo de florestas acreanas tem como marco uma resolução conjunta dos então Conselho Estadual de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia (Cemact) e Conselho Estadual de Florestas do Acre, publicada em 2008. De acordo com o engenheiro florestal Renato Mesquita, analista do Instituto do Meio Ambiente do Acre (Imac), órgão responsável por autorizar e acompanhar a atividade florestal, a normativa incentivou o processo de digitalização dos planos de manejo florestal no estado e contribuiu para ampliar o uso do Modeflora por empresas florestais.
“Embora não seja uma exigência para aprovação dos planos de manejo florestal, em função dos ganhos proporcionados, o próprio mercado buscou se adaptar para adoção da tecnologia digital, já que o manejo de florestas nos moldes tradicionais é demorado e oneroso. Por facilitar tanto a elaboração como a execução e acompanhamento do planejamento, o Modeflora melhorou a eficiência da atividade florestal. Hoje, todos os planos de manejo do estado são executados com ferramentas do Modeflora. Além disso, a tecnologia também contribui para a identificação de ilícitos, como o desmatamento ilegal em áreas manejadas”, ressalta o analista.
Dados do Imac mostram que, na última década, foram licenciados 279 planos de manejo no Acre. O engenheiro florestal Igor Agapejev de Andrade, sócio-proprietário da Tecman, empresa de consultoria em projetos florestais e ambientais, um dos empreendimentos licenciados no estado, destaca que as geotecnologias proporcionam maior agilidade ao trabalho de levantamento e rastreamento da produção e tornam mais transparente a execução dos planos de manejo.
“Participei do primeiro curso sobre o Modeflora e percebi que a tecnologia iniciava uma nova era no manejo florestal. Antes, para executar a atividade era preciso ir a campo com grandes equipes. Com o Modeflora reduzimos o número de pessoas envolvidas nesse trabalho e as despesas com mão de obra, especialmente na etapa de abertura de picadas e estradas, um dos aspectos que mais oneram a atividade florestal. Essas vantagens baixaram os custos do processo produtivo e despertaram o interesse de empresas do setor”, destaca Andrade.
Para adoção da tecnologia foi necessário implementar uma extensa agenda de capacitação, envolvendo conhecimentos sobre geoprocessamento, cartografia, sistema de informação geográfica, modelagem de dados espaciais e georreferenciados e elaboração de mapas. “Já treinamos mais de mil profissionais do setor florestal e órgãos fiscalizadores do Acre e outros estados, além de estudantes de graduação e pós-graduação que hoje atuam no manejo de florestas, em diferentes localidades da Amazônia. Em função do cenário de inovação tecnológica, que requer novos conhecimentos e habilidades com as geotecnologias, a demanda por capacitações tem sido contínua”, diz o analista da Embrapa Daniel Papa.
Drones e inteligência artificial para manejar a floresta
Lançado em 2007, o Modeflora reuniu inovações tecnológicas como o uso do Sistema de Posicionamento Global (GPS), Sistema de Informação Geográfica (SIG) e Sensoriamento Remoto (SR), para fornecer informações de alta precisão sobre a floresta. Com o tempo, o modelo se renovou e agregou geotecnologias como o Lidar (Light Detection and Ranging) – sistema de perfilamento a laser que fornece imagens da floresta em 3D – e os drones, ferramentas que utilizam princípios de inteligência artificial (algoritmos), redes neurais e aprendizagem profunda. Essas tecnologias se alinham ao “Manejo Florestal 4.0”, conceito de produção florestal baseado na automação, geração, transmissão e tratamento de dados de alta precisão.
Para d’Oliveira, esse “upgrade” tecnológico tem contribuído para aprimorar continuamente o Modeflora e aumentar a sua eficiência. A associação de novas geotecnologias ampliou a capacidade do sistema de gerar informações que facilitam a tomada de decisões mais assertivas no manejo florestal. “A partir de imagens de alta resolução, conseguimos ampliar o conhecimento sobre aspectos do relevo e hidrografia das áreas manejadas e desenvolver modelos que permitem verificar a dinâmica de crescimento da floresta e estimar com mais precisão o volume de madeira e os estoques de biomassa e carbono existentes nesses locais”, enfatiza.
Na avaliação do pesquisador Evandro Orfanó, um dos principais desafios do inventário em florestas tropicais nativas ainda é a localização de árvores de importância econômica, devido a dificuldades como a transposição de cursos hídricos e visualização dessas espécies em função da densa vegetação.
“No manejo tradicional era preciso percorrer grandes distâncias a pé, para identificar cada árvore na floresta e verificar o potencial de produção da área. Com os drones, mapeamos previamente a copa das árvores e coletamos informações que facilitam essa localização e uma avaliação precisa da área a ser explorada, questão essencial para uma produção sustentável”.
O pesquisador também lembra que, com as técnicas tradicionais de manejo, uma equipe de planejamento mapeia apenas 20 hectares de floresta por dia, enquanto hoje, com uso de um drone, é possível mapear aproximadamente mil hectares diariamente, um ganho fantástico em desempenho na atividade. “A combinação de diferentes ferramentas tecnológicas proporciona, ainda, outros ganhos na atividade florestal, incluindo a cubagem (medição) de madeira em pátios de estocagem, atividade que otimizou o monitoramento pós-exploratório, essencial para avaliar, de forma efetiva, o impacto ambiental da atividade florestal”, reforça Orfanó.
Informações integradas
Outro ganho proporcionado pelas tecnologias digitais foi a integração dos planos de manejo com o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), plataforma on-line do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) utilizada por órgãos ambientais do Acre e outros estados para aprovar projetos de manejo florestal. Mesquita explica que contar com informações automatizadas e georreferenciadas no sistema agilizou as avaliações e o licenciamento, tanto do plano de manejo como do plano operacional anual de exploração. Antes, o processo era físico e toda comunicação com o requerente, e com o responsável técnico, se dava de forma presencial, fator que tornava moroso o processo de licenciamento.
“Essa integração também possibilita informações sobre a execução dos planos de manejo, que ajudam a identificar se as atividades estão ocorrendo conforme o planejamento, antes das vistorias presenciais, aspecto que representa um avanço no monitoramento da atividade florestal. Além disso, como essa base de dados georreferenciados é permanente, temos parâmetros para retornar a uma área manejada, 10 ou 15 anos depois, e avaliar os impactos da atividade de manejo na dinâmica da floresta. Sem os recursos tecnológicos do Modeflora, isso não seria possível”, completa.
Monitoramento de florestas públicas
Além de conferir maior sustentabilidade à atividade florestal e ganhos para os empreendimentos de manejo em áreas privadas, o Modeflora também contribuiu para aprimorar o trabalho de monitoramento da execução de planos de manejo em florestas públicas na Amazônia. Desde 2015, a adoção de inovações tecnológicas no manejo florestal é um indicador técnico de qualificação e desempenho nos editais de concessões do Serviço Florestal Brasileiro (SFB). O uso do modelo digital por empresas contratadas no âmbito da Política de Concessões de Florestas Públicas ultrapassa um milhão de hectares.
“Nas primeiras licitações, em 2010, observamos que várias empresas já adotavam algumas diretrizes do Modeflora, com ganhos na atividade florestal. Devido às vantagens competitivas e práticas, embora não seja uma exigência dos editais, o Modeflora é adotado em todas as propostas técnicas apresentadas, seja na execução integral das atividades ou de forma parcial”, relata José Humberto Chaves, coordenador-geral de Monitoramento e Auditoria Florestal do SFB.
Chaves pontua, ainda, que os contratos de concessão florestal exigem a adoção de boas práticas na execução do plano de manejo, para reduzir danos à floresta, o que requer o uso de técnicas sustentáveis. Com o planejamento de infraestrutura e arraste da madeira e o inventário florestal georreferenciados, todas as operações ficam muito bem definidas e espacializadas dentro da Unidade de Produção Anual (UPA). Isso minimiza o impacto da extração e facilita o trabalho de acompanhamento das atividades pactuadas nos planos de manejo das concessionárias.
Desafios para o manejo florestal
Segundo Chaves, o atual cenário tecnológico favorece uma atividade florestal mais sustentável. Entretanto, há um descompasso entre a atual legislação florestal e o avanço das geotecnologias. É preciso criar mecanismos para tornar a adoção dessas ferramentas um requisito legal para aprovação e execução de planos de manejo. “Apesar da eficiência comprovada do Modeflora, ainda é possível aprovar e executar propostas de planos de manejo florestal baseadas no uso de técnicas analógicas. Isso mostra a necessidade de revisar aspectos legais que permitam incluir diretrizes e normatizar o uso de informações georreferenciadas no manejo de florestas”, afirma.
Do ponto de vista da pesquisa, as geotecnologias são fundamentais para a construção de uma base de dados ampla e segura sobre a floresta amazônica, que possibilite consolidar novas estratégias para conservação dos recursos florestais existentes e de suas funções vitais para o planeta. “Essas tecnologias têm permitido análises cada vez mais refinadas da floresta, o que mostra que o manejo florestal é uma atividade dinâmica, com desafios que exigem um olhar da pesquisa para o amanhã. Então, atuamos sempre para renovar nosso pacote tecnológico e aprimorar os resultados alcançados”, avalia D’Oliveira.
Um dos resultados desse esforço contínuo da pesquisa, com foco no manejo do futuro, é o projeto Geotecnologias aplicadas à automação florestal e espacialização dos estoques de carbono em uso nativo e modificado da terra na Amazônia Ocidental (Geoflora), executado com recursos do Fundo JBS pela Amazônia, desde julho de 2022, como uma nova etapa do Manejo 4.0. Segundo Orfanó, com o Modeflora foi possível reproduzir o desenho da floresta, com base em imagens de alta resolução, obtidas com ajuda de aeronaves e sensor a laser. Na fase atual, com o amadurecimento da tecnologia, a pesquisa dá um passo adiante.
“Avançamos para o treinamento de algoritmos de inteligência artificial, espécie de modelo matemático que pode ser aplicado para diversas finalidades. O objetivo é tornar essas ferramentas especialistas na realização de inventários florestais totalmente automatizados, em áreas de floresta com espécies como açaí, murumuru, copaíba, castanheira, cumaru-ferro, garapeira, copaíba e cedro. Em um futuro próximo, os algoritmos funcionarão como “mateiros eletrônicos”, capazes de identificar e localizar espécies florestais, por sensoriamento remoto, e estimar tanto o volume de madeira como os recursos florestais não madeireiros, reduzindo significativamente o trabalho de campo”, diz o pesquisador.
O manejo florestal de precisão integra o rol de contribuições tecnológicas da Embrapa para o futuro da Amazônia, bioma que abriga cerca de 40% das florestas tropicais existentes, recursos naturais vitais para a regulação do clima global e para a distribuição de chuvas na região.
A expectativa dos pesquisadores é que empresas do setor florestal, comunidades extrativistas e órgãos de fiscalização possam transformar o conhecimento gerado pela pesquisa em oportunidades para a conservação do meio ambiente e melhoria da renda e do processo de controle ambiental na região.
Todas as informações sobre o Modeflora estão descritas na publicação Manejo de Precisão em Florestas Tropicais: Modelo Digital de Exploração Florestal.
Fonte: Embrapa Acre
Por Portal do Agronegócio