Produzir alimentos em grande escala, mas utilizando apenas um prédio ou galpão no meio da cidade para que vegetais sejam cultivados em camadas – e com o menor impacto ambiental possível. Basicamente, essa é a proposta de uma fazenda vertical.
O modelo inovador, pensado principalmente para os grandes centros urbanos, tem sido visto como um dos mais promissores para alimentar as próximas gerações.
Embora ainda se discuta viabilidade financeira, uso de energia e outros pontos, motivos para apostar no potencial dessa moderna prática agrícola não faltam.
Como funcionam as fazendas verticais
Na agricultura vertical, as condições climáticas são 100% controladas, em um sistema automatizado que garante o melhor ambiente que cada planta necessita. Além de não ocupar novas áreas rurais para o plantio, esse modelo indoor nem terra usa. Geralmente, os vegetais são cultivados no sistema hidropônico.
Essa combinação aumenta consideravelmente a produtividade, sem uso de agrotóxico, já que o cultivo não depende do clima nem do solo: é possível produzir 365 dias por ano, faça chuva ou faça sol.
O consumo de água é outro ponto importante. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a agricultura é responsável por 70% da exploração global de água doce. Em contrapartida, no cultivo vertical utiliza-se até 95% menos do recurso em comparação com as lavouras convencionais.
Após a colheita, a proximidade com o mercado consumidor traz outros benefícios relevantes. Um deles é a redução das perdas no trajeto até o ponto de venda. Estima-se que algumas hortaliças, por exemplo, por serem produtos frágeis e facilmente perecíveis, registram perdas de até 50%.
A localização no perímetro urbano também gera menores custos logísticos, produz menos gases de efeito estufa com o transporte, reduz os riscos de contaminação, além de os alimentos chegarem mais frescos para o consumidor.
A maior fazenda vertical do mundo
Na Pensilvânia (EUA), a empresa Upward Farms está construindo a maior fazenda urbana indoor do mundo. Com 23.200 m², a sua construção deve ser concluída no ano que vem.
O sistema usado é o de aquaponia, inspirado nas práticas indígenas, em que os peixes fertilizam naturalmente as lavouras ao nadar abaixo das plantas. Com estruturas de recirculação de água e nutrientes, o esterco do peixe colabora para tornar o solo mais fértil.
Com isso, no fim das contas, a Upward Farms comercializa tanto a produção de vegetais como a de robalos, ambos com certificação que garante a ausência de pesticidas, antibióticos e hormônios.
A estimativa é que, por ano, a nova fazenda (a terceira da empresa nos Estados Unidos) conserve quase 380 milhões de litros de água e mais de 48 hectares de terra, além de cortar 2,7 milhões de quilômetros de transporte.
Produção vertical da empresa americana Upward Farms: empresa está construindo a maior fazenda urbana indoor do mundo (Upward Farms/Divulgação)
A tendência já chegou por aqui
No Brasil, um dos grandes produtores agrícolas do planeta, as fazendas verticais urbanas também já estão surgindo. A Pink Farms, que opera desde 2019 na Zona Oeste de São Paulo, é a maior da América Latina.
“Em um ambiente controlado, analisamos e monitoramos vários fatores – como temperatura, intensidade da luz, umidade, pH – e, depois de muita pesquisa, encontramos as condições ideais para cultivar hortaliças perfeitas para o visual, o paladar, e, é claro, a saúde”, explica Geraldo Maia, CEO e fundador da empresa.
Para ele, esse modelo de plantio une as vantagens da agricultura tradicional com a saudabilidade e sustentabilidade da agricultura orgânica.
“Mantemos o que sobrou da natureza intocada, criando torres de cultivo em área já urbana, não utilizamos agrotóxicos, economizamos 95% de água e 60% de fertilizantes. Tudo isso com zero desperdício (tudo que é produzido é vendido, não há estoque), menos poluição com logística e oferecendo um produto com muito mais sabor e durabilidade”, destaca.
Ao mesmo tempo, quando comparados ao campo, a Pink Farms é impressionantemente 170 vezes mais produtiva por metro quadrado de solo.
O “pink” do nome da Pink Farms se deve às luzes led cor-de-rosa usadas nas torres de cultivo, com diversos andares. (Dan Magatti/Pink Farms/Divulgação)
Para completar o ciclo, as embalagens da empresa, além de recicláveis, são compensadas com o selo Eureciclo: a cada embalagem vendida, uma equivalente é reciclada.
E o consumidor nem precisa lavar os produtos. Como são cultivados em ambiente 100% controlado, não sofrem intempéries com insetos, pragas, chuva ou toque humano sem luvas. Os fazendeiros urbanos da empresa realizam ainda um intenso processo de higiene e usam máscaras, luvas, toucas, uniforme e até botas especiais para entrar na área de cultivo.
Segmento promissor
As fazendas verticais devem triplicar seu mercado em cinco anos, saltando de US$ 3,31 bilhões em 2021 para US$ 9,7 bilhões em 2026, conforme relatório do MarketsandMarkets, e Brasil começa a entender o potencial dessa nova agricultura.
Nos seus 750 m², a fazenda paulistana produz hoje mais de 70 plantas, entre folhosas, ervas e PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais). Os próximos passos estão no desenvolvimento de outros cultivares de frutas, legumes e cogumelos.
A expectativa é chegar a mais de 450 itens nos próximos cinco anos, com foco inicial em tomate-cereja, morangos e outras frutas vermelhas.
Além de já serem encontrados em supermercados, hortifrútis e empórios, os produtos da Pink Farms – maior fazenda vertical urbana do país – também são vendidos diretamente para o consumidor por meio de planos de assinatura. Basta escolher os vegetais e quantas vezes por mês quer receber em casa – tudo fresco, colhido em menos de 24h antes da entrega.
Pink Farms: ambiente totalmente controlado faz com que os vegetais possam ser produzidos o ano todo e sem agrotóxicos. (Dan Magatti/Pink Farms/Divulgação)
Segundo o CEO, o avanço da tecnologia tem tornado o custo de implantação e operação cada vez mais barato, fazendo com que este não seja mais o grande desafio do setor. “Os maiores desafios de expansão estão em realizar a pesquisa e desenvolvimento para alcançar um portfólio extenso e que seja economicamente viável em competir no mercado”, diz.
A categoria Fazenda Vertical Urbana é nova no Brasil, por isso ainda não é regulamentada. “Apesar de nossos produtos não terem agrotóxicos, não recebem o selo de orgânico, por exemplo, pois não são plantados em solo, que é um requisito para ser considerado orgânico”, pontua Geraldo Maia.
Mesmo ainda iniciante, no entanto, a agricultura vertical já está ganhando seu mercado no país. “Hoje já temos uma demanda muito maior do que a oferta. Precisamos de mais espaço para produzir e, por isso, estamos com uma nova rodada de investimento coletivo, via SMU, em que, com lance mínimo de R$ 3 mil, é possível ser sócio da nossa fazenda”, diz Maia.