Neuralink fez testes com “maus procedimentos” em que animais tinham pouca chance de sobrevivência, diz ex-funcionário
Uma das várias empresas de Elon Musk, a Neuralink promete comercializar chips cerebrais que possam reverter condições hoje incuráveis, como paralisia e cegueira. Enquanto a empresa se prepara para fazer seus primeiros testes em seres humanos, os registros de uma etapa anterior dos preparativos, em macacos que em muitos casos morreram em meio aos procedimentos, estão sendo mantidos longe do alcance do público, como mostra reportagem recém-publicada pelo portal Wired.
Em um processo que corre na justiça americana, o Comitê de Médicos para Medicina Responsável dos EUA tenta fazer com que a Universidade da Califórnia-Davis, que foi parceira da Neuralink na testagem dos macacos com o chip em seus cérebros, torne disponíveis as fotos e vídeos existentes dos testes realizados. A universidade, que é parcialmente financiada por dinheiro público e por isso sujeita às leis locais de transparência, nega a divulgação, ou mesmo que seja obrigada a fazê-lo.
A Wired aponta que a universidade divulgou centenas de páginas de e-mails, documentos contratuais, memorandos e outros registros veterinários detalhando o trabalho feito para a Neuralink entre 2018 e 2020. As descrições de cirurgias malsucedidas e o sofrimento das cobaias foram suficientes para provocar investigações da mídia e suscitar preocupação em congressistas americanos. “Mas centenas de arquivos permanecem trancados a sete chaves – incluindo fotografias dos danos neurológicos resultantes do trabalho da Neuralink com os macacos”, diz o veículo.
Testes resultando em morte e “maus procedimentos”
Os experimentos envolveram fazer um buraco do tamanho de uma moeda pequena nos crânios dos macacos, colocar eletrodos dentro de seus cérebros e aparafusar placas de titânio em seus crânios. Sabe-se que, em alguns casos, o experimento deu errado e trouxe grande sofrimento aos animais, inclusive resultando na sua morte.
A reportagem da Wired cita o caso de um macaco de 7 anos de idade que teve o cérebro mutilado pelos experimentos da Neuralink. Tonturas e vômitos eram constantes, até que os membros começaram a atrofiar e o animal não conseguia mais se manter em pé. Após a eutanásia do animal, a autópsia descobriu que “um adesivo tóxico ao redor do implante Neuralink aparafusado em seu crânio vazou internamente”, e a pressão crescente dentro de seu crânio deformou e rompeu seu cérebro.
Este episódio, que aconteceu em 2018, foi uma violação da Lei de Bem-Estar Animal dos EUA, diz a reportagem. Mas não houve nenhuma consequência legal para a empresa de Musk ou para a Universidade da Califórnia, com base em normas do Departamento de Agricultura dos EUA sobre o tratamento de animais como cobaias em “momentos educativos”.
A Wired ainda entrevistou pessoas envolvidas nos testes, sob condição de anonimato. Macacos foram treinados meses e até anos antes de serem submetidos às cirurgias, essas fontes afirmam, mas a perspectiva de sobrevivência era péssima para alguns devido em parte a “mau planejamento e maus procedimentos”. “Não tínhamos nenhum técnico cirúrgico. Na época, nem tínhamos um patologista veterinário na equipe”, diz um ex-pesquisador da Neuralink ao veículo.
Embora financiada publicamente, e portanto sujeita à lei de registros abertos da Califórnia, a UC Davis tem lutado contra a divulgação das fotografias há mais de um ano. Divulgá-los, diz, “não serviria ao interesse do público”. Já a Neuralink, cuja parceria com a escola terminou há três anos, teve permissão para armazenar suas próprias filmagens e guardá-las consigo. Porém, e-mails internos analisados pela Wired mostram que a empresa de Elon Musk tinha controle rígido sobre o que a UC Davis tinha permissão para divulgar sobre os experimentos.
Em outubro de 2022, o Comitê de Médicos para Medicina Responsável dos EUA processou a UC Davis na tentativa de obter acesso aos registros do trabalho da Neuralink. A organização visa promover alternativas aos testes em animais, mas encontra oposição entre seus pares, como a Associação Médica Americana, que apoia o uso de animais em pesquisas biomédicas.
Posições dos envolvidos
A Neuralink não comenta o caso. Já o porta-voz da UC Davis, Andy Fell, afirma que a universidade cumpriu a Lei de Registros Públicos da Califórnia, tendo fornecido a “grande maioria dos registros” solicitados pelo Comitê de Médicos. “Alguns itens solicitados não foram fornecidos porque estão isentos de divulgação nos termos da lei por diversos motivos expostos em autos”, afirma.
A UC Davis afirma que as imagens dos testes devem ser guardadas em segredo e servir apenas para “informar futuras pesquisas e práticas clínicas”, ou “o refinamento das técnicas cirúrgicas”.
O Comitê de Médicos, que processa a universidade, argumentou no tribunal estadual da Califórnia que o público tem o direito de saber sobre qualquer sofrimento resultante de testes em animais financiados pelos contribuintes. “A divulgação das imagens é particularmente importante porque o Neuralink engana ativamente o público e minimiza a natureza horrível dos experimentos”, disse Corey Page, advogado que representa o Comitê de Médicos no processo, à Wired
O processo segue em andamento no tribunal californiano.
Texto: Redação, Um Só Planeta