Que a tecnologia mudou nossas vidas todos nós já sabemos, mas o que às vezes passa batido é que essa transformação é contínua; eu mesmo sou a prova viva desse progresso. Quando vendia cartões de visita no Rio de Janeiro, o e-commerce despontou. Ali eu senti que uma revolução no varejo estava prestes a acontecer e eu precisava fazer parte.
A intuição se concretizou com o sucesso da Xtech Commerce, e-commerce que fundei e que movimentou R$ 547 milhões em três anos, sendo comprado pela VTEX no final de 2017. Falando assim, parece que tudo aconteceu num piscar de olhos, mas o trecho acima condensa anos de experiência e destaca uma das lições mais valiosas que aprendi: para empreender é preciso ter atitude, caso contrário, você corre o risco de perder a onda que pode mudar o jogo.
Do mesmo jeito que as compras online revolucionaram o mercado anos atrás, uma tendência que surgiu na China em 2016 e explodiu nos últimos anos está movimentando o mar, prometendo transformar o mundo do varejo mais uma vez.
Live Shopping: a evolução do e-commerce?
Com a ascensão do e-commerce, os consumidores passaram a ter mais conveniência e conforto na hora da compra, mas à medida que tornou-se uma prática comum no mercado, problemas começaram a surgir, entre eles checkouts repletos de atritos e sites pouco intuitivos.
Com a navegação ruim, focar na experiência do cliente era uma ótima estratégia para se destacar da concorrência. No entanto, as expectativas dos consumidores não diminuíram. Nesse cenário, a luta pela atenção tornou-se acirrada e o acesso a novas tecnologias deram vida a uma abordagem inovadora de vendas: o live shopping.
Também chamado de live commerce, essa abordagem de vendas inclui uma transmissão ao vivo que permite que os consumidores assistam e comprem simultaneamente. Isso deve movimentar US$ 600 bilhões até 2027.
A iniciativa pioneira foi criada pelo Alibaba através da própria plataforma de streaming chamada Taobao Live. A abordagem integrou as campanhas do Singles Day, um feriado chinês não oficial que se tornou uma importante oportunidade comercial, e entregou resultados expressivos com o passar do tempo.
Além de movimentar US$ 200 bilhões na China em 2020, no mesmo ano, os primeiros 30 minutos da campanha de pré-vendas do Singles Day no Taobao Live geraram US$ 7,5 bilhões para o Alibaba.
Isso enviou uma mensagem clara para marcas de todo o mundo: os consumidores estavam prontos para ainda mais interação, envolvimento e relacionamento na hora de consumir.
O fenômeno do “shopstreaming”
Ao combinar a compra instantânea e a participação do público por meio de uma função de bate-papo ou botões de reação, o live shopping é um um evento virtual apresentado por influenciadores ou até mesmo celebridades que estimulam a interação e o envolvimento do público com a marca.
A abordagem também reforça o vínculo entre empresa e cliente. Além de tirar dúvidas, os participantes podem dar feedbacks em tempo real durante a transmissão, sentindo que são mais do que apenas espectadores.
Além de responder a demandas de consumo atuais, o live shopping baseia-se em duas premissas que já fazem parte do comportamento de compra: FOMO e uma busca cada vez maior por entretenimento.
Enquanto o “Fear of Missing Out” é explorado em forma de ofertas únicas que existirão somente durante aquela transmissão, o entretenimento é um dos fundamentos do sucesso: não pode ser maçante.
Embora o produto seja importante, deve ser combinado com estratégias que chamem a atenção, como bate-papo entre os participantes e interação através do chat. Em outras palavras, a venda é uma consequência, não a causa. A live precisa prender o espectador, ser dinâmica e vibrante.
Quando a compra encontra o entretenimento
Em abril de 2022, a influenciadora Virginia Fonseca e a sócia Samara Pink faturaram, em apenas 13 horas, R$ 22 milhões para a marca de cosméticos WePink, colocando o live shopping em destaque no país.
Durante a transmissão, mais de 194 mil produtos foram vendidos, provando que o método de vendas também havia conquistado o público brasileiro. Apesar do destaque, a WePink não é a única marca a utilizar essa estratégia em solo nacional.
Gigantes do mercado como Magazine Luiza e Mercado Livre também investiram nessa tática de vendas. O Magalu, inclusive, foi a primeira do varejo a realizar uma live no YouTube ainda em 2014, quando a mídia social nem possuía essa funcionalidade.
O live shopping ganhou visibilidade não apenas por atender as necessidades de comunicação da audiência, mas por gerar mais vendas. As marcas podem se beneficiar em duas áreas essenciais:
- Conversão: por seu formato imersivo, as transmissões tendem a manter a atenção do público por mais tempo. Além de contemplar a jornada de compra do awareness à decisão, ofertas únicas e por tempo limitado geram um senso de urgência que acelera a conversão.
- Diferenciação: quando feito com a dose ideal de entretenimento, o live commerce fortalece o posicionamento da marca e pode atrair tráfego adicional, conquistando principalmente consumidores da geração Z e millennials, cada vez mais interessados no ambiente digital.
Em 2020, a Samsung optou pelo live commerce para promover o novo smartphone dobrável Galaxy Z Fold 2 5G. Focando na geração Z e nos millennials, criou o programa interativo Samsung Live, onde especialistas da marca interagiam com o público.
A live atraiu cerca de 1.000 usuários em tempo real e 4x mais espectadores após a transmissão, com as taxas de conversão superando as expectativas em +127%, ilustrando que mesmo após o evento ao vivo, a prática continua gerando valor para as empresas.
Live Commerce: a estratégia de vendas que fala com o consumidor moderno
A cultura digital se renova constantemente, mudando a maneira como vivemos, nos relacionamos, e, principalmente, compramos. Conforme a tecnologia avança e novos hábitos são criados, as marcas que não estiverem atentas podem deixar muito dinheiro na mesa.
Segundo dados do Statista, no terceiro trimestre de 2022, os usuários da plataforma de vídeo ao vivo Twitch assistiram 5,71 bilhões de horas de conteúdo e a tendência é que esse número continue crescendo. Ou seja, mesmo que o conceito de live commerce não seja 100% novo, ganhou novas proporções com as mudanças de comportamento do consumidor.
Ao explorar o conceito de loja física, as transmissões ao vivo recriam um ambiente imersivo onde quem vende são influenciadores e personalidades admiradas pelo cliente ideal, potencializando algumas características importantes para o público, entre elas autenticidade e relevância.
Assim como o e-commerce reconfigurou o mercado anos atrás, essa abordagem vem deixando seu próprio legado. O Instagram e o Instagram Live incluíram recursos de compra e o Walmart fez uma parceria com o TikTok para oferecer produtos através de transmissões ao vivo.
O que realmente diferencia uma estratégia de vendas que converte daquela que nunca bate a meta é o quanto ela considera o comportamento dos clientes. Nosso dever enquanto empreendedores é potencializar o valor da nossa solução considerando não apenas as necessidades do público, mas também onde ele está e o que consome.
Antes de pensar no que o seu cliente quer, pense em quem ele é, criando iniciativas nas quais ele enxergará valor em vez de apenas preço – e ele pode enxergar ao vivo, com o perdão do trocadilho, por meio do live shopping.
Por: Alfredo Soares