Com o objetivo declarado de “possibilitar o acesso de familiares e advogados” às pessoas envolvidas nos lamentáveis ataques à democracia e às instituições brasileiras em 8 de janeiro, a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal divulgou lista com nome completo e data de nascimento de, até então, mais de 600 pessoas detidas em flagrante.

Em sequência, no último dia 14, a Vara de Execuções Penais do DF autorizou a publicização de nova lista, desta vez contendo o nome das pessoas beneficiadas com alvará de soltura. As listas circulam nos principais portais jornalísticos do país e nas redes sociais desde então.

No último dia 28 de janeiro, celebramos o Dia Internacional da Proteção de Dados Pessoais. Recentemente alçada ao status de garantia constitucional, a proteção de dados pessoais, assim como as liberdades de informação e de imprensa, são pilares que sustentam um Estado Democrático e a livre formação de opinião, pensamento e diálogo. Como se espera de uma democracia guiada por preceitos constitucionais, eventuais radicalismos devem ser balizados e limitados pelo próprio ordenamento jurídico, por meio de uma análise de razoabilidade.

Esse embate de garantias nos provoca a refletir sobre a legitimidade técnica da exposição de nomes e detalhes das pessoas detidas em flagrante nos atos antidemocráticos. Ao mesmo tempo em que assegura a liberdade de informação, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) tem como fundamento a proteção da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, os efeitos nocivos da persecução penal brasileira sabidamente extrapolam a esfera do indivíduo, não raro alcançando famílias e círculos sociais.

Ora, se uma das razões de existência da LGPD é coibir o tratamento irregular ou excessivo de dados pessoais, é indispensável a apresentação de fundamentos e ponderações que caracterizam a publicização da lista como excepcional. Havendo conflito de garantias constitucionais, necessária a presença de ponderação precisa e justificada, pela própria proteção da ratio decidendi.

Naturalmente, há espaço para arguir a não aplicação da LGPD em virtude do disposto no artigo 4º, inc. III. Mesmo assim, o parágrafo 1º do mesmo artigo dita que, ainda que estejamos diante de caso de não aplicação da integralidade da LGPD, o tratamento dos dados será proporcional e estritamente necessário ao atendimento do interesse público, bem como deverá ser mantido o dever onipresente de observação aos princípios gerais previstos na própria lei.

Dentre os princípios consagrados pela LGPD, encontra-se o da finalidade, que determina que dados pessoais serão tratados apenas para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados. Muito embora possa se considerar que a decisão apresenta a sua finalidade, é indispensável a realização de um juízo de valor. Em outras palavras, ainda que a finalidade exista, ela é legítima? Não obstante, a publicação livre e desprotegida atende aos princípios da necessidade e adequação, ou os extrapola?

No mais, ainda que a publicação inicial tenha ocorrido em site oficial da Secretaria de Administração Penitenciária, previsível que a listagem circularia por todos os meios digitais, inclusive com a configuração de novas atividades de tratamento de dados, como publicação conjunta de fotografias, detalhes pessoais ou classificação dos nomes a partir de determinados critérios. Nesse sentido, não há como desconsiderar as extensas discussões a respeito dos impactos negativos da exploração midiática para a persecução penal. Ao mesmo tempo, é importante relembrar que o Plenário do STF já decidiu pela incompatibilidade do direito ao esquecimento com o ordenamento jurídico brasileiro. Assim, independentemente de sentença transitada em julgada, os nomes que figuram nas respectivas listas estão, desde já, condenados sumariamente à exposição indefinida e indiscriminada na longevidade da Internet.

Em um Estado democrático de Direito orientado por garantias constitucionais não deve haver espaço para revanchismos. Os lamentáveis ataques às instituições brasileiras não podem servir como pretexto para atos autoritários ou relativizações desacompanhadas de justa ponderação, sob pena de perdermos aquilo que há de mais valioso em uma democracia: o respeito aos direitos fundamentais e ao devido processo legal.

Fonte: Consultor Jurídico

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui