No interior de Mato Grosso, o município de Juína vem construindo um caminho singular para o desenvolvimento sustentável por meio da inovação. A formação de um ecossistema local, ainda em consolidação, nasceu da articulação entre diferentes setores da sociedade que começaram a enxergar a inovação como uma ferramenta estratégica para transformar realidades, reter talentos e diversificar a economia local.

O movimento teve seu início pela participação no edital do Programa Centelha, em 2022 e busca hoje consolidar a cidade como um centro de negócios inovadores. A proposta inicial era ambiciosa: a criação de um centro de inovação ou parque tecnológico.

“A partir da provocação feita ao Sebrae e da solicitação de uma análise de viabilidade técnica, começamos a construir um entendimento local sobre o que seria possível realizar. A proposta evoluiu para um centro tecnológico, mais aderente à nossa realidade”, relembra Thais Bergamin Lima, empresária, pesquisadora e uma das articuladoras iniciais do movimento.

A metodologia ELI (Ecossistemas Locais de Inovação), criada pelo Sebrae e a Fundação CERTI, para promover o desenvolvimento econômico por meio da inovação e do fortalecimento do empreendedorismo também foi aplicada em Juína. Assim a concepção do ecossistema seguiu o modelo das quatro hélices, que envolve a colaboração entre governo, sociedade civil, instituições de ensino e setor produtivo, criando um ambiente colaborativo que favorece o surgimento de startups e o crescimento sustentável.

Em Juína, a aplicação da ELI definiu como setores prioritários a Agropecuária, os Serviços de Saúde, a Indústria de Alimentos e a Madeireira, além de mapear oportunidades em Ciências da Saúde, Agropecuária e Fármacos. O município agora conta com um plano estruturado para impulsionar a inovação alinhada às suas vocações econômicas.

Em junho de 2023, o Sebrae promoveu a primeira reunião de sensibilização sobre o tema. “Foi um momento marcante. Conseguimos reunir atores representativos das quatro hélices, algo essencial para que a governança local ganhasse corpo e legitimidade”, destaca Andréa Costa, coordenadora da agência do Sebrae em Juína.

Logo nos primeiros passos, os integrantes do grupo enfrentaram obstáculos como a falta de dados técnicos, ausência de políticas públicas específicas, carência de infraestrutura institucional e uma cultura que ainda associa inovação apenas à tecnologia.

“Ainda hoje, quando falamos em inovação, muitas pessoas pensam em aplicativos ou máquinas modernas. Mas inovar é também encontrar novas soluções para problemas antigos. É melhorar processos, adaptar práticas e transformar desafios em oportunidades”, explica Andréa.

A diversidade de perspectivas dentro do ecossistema também tem sido um diferencial importante para quem busca se inserir em um mercado ainda em estruturação. É o caso da empreendedora Edilara Sousa, da startup Aricá Sustentabilidade. Ela encontrou nesse ambiente um espaço para crescer profissionalmente e se conectar com outros atores locais.

Ela destaca que o ecossistema de inovação tem sido essencial para seu desenvolvimento. “Participando dos espaços de discussão, do pensar as estratégias do grupo, eu consigo ter acesso a pessoas que têm opiniões diferentes, de diferentes espaços — seja do governo, do meio político, do meio comercial, de N setores. Isso me ajuda a entender onde estou como pessoa, como empresa, o que posso fazer para me encaixar e ganhar espaço, porque a gente está falando de pessoas e de conexões”, afirma.

Além das trocas de experiências, Edilara também ressalta os impactos práticos dessa vivência. “O ecossistema me dá a possibilidade de melhorar minhas vendas, meu posicionamento de mercado. Tive muitas oportunidades. Em alguns espaços, pude conhecer empresas que atuam de forma semelhante à minha, e isso me trouxe a experiência de entender como outras pessoas do mesmo setor atuam em outras regiões.”

Apesar das dificuldades, as primeiras ações foram fundamentais para criar um sentimento de pertencimento. A articulação interinstitucional, a realização de eventos e o envolvimento de lideranças locais criaram um ambiente fértil para o avanço do ecossistema.

Hoje, a governança realiza reuniões, promove eventos de sensibilização e articula parcerias para fortalecer a presença de Juína no cenário estadual de inovação. A iniciativa já rendeu frutos como a articulação da Sala do Empreendedor na Prefeitura Municipal de Juína, que está em fase de obra e breve será implementada, a mobilização para uma Lei Municipal de Inovação e a consolidação de um evento que se tornou símbolo dessa jornada: o Inova Juína.

A partir dessa base, o ecossistema se prepara para avançar sobre os pilares que o sustentam. O setor educacional ocupa uma posição estratégica para trilhar esse caminho. Mais do que formar profissionais, as instituições de ensino de Juína têm atuado como berços de ideias, laboratórios de experimentação e pontos de conexão com a comunidade. O Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), campus Juína, é um dos principais protagonistas dessa frente.

“A gente desenvolve muitos projetos e pesquisas, mas precisamos sair mais dos muros da instituição. O conhecimento só tem sentido se for compartilhado e aplicado”, afirma Gleika Debacker, professora de Administração e gestora do núcleo da incubadora Ativa, vinculada ao IFMT.

A atuação do IFMT é acompanhada por outras instituições de ensino superior como a AJES, a UNOPAR e a FAEL, que, juntas, fazem de Juína um polo educacional regional, atraindo estudantes de municípios vizinhos.

No quinto semestre da graduação no IFMT, os alunos são desafiados a participar de projetos integradores, em que devem criar soluções reais, com planos de comercialização e análise de viabilidade. As ideias mais promissoras seguem para a pré-incubação na Ativa, onde passam por um processo estruturado de amadurecimento. “A gente ajuda o aluno a entender se a ideia é viável, se tem potencial de escala, se faz sentido como negócio. Isso evita que eles invistam em algo sem sustentação”, explica Gleika.

Em 2024, a Ativa passa por uma atualização que deve garantir maior autonomia, orçamento contínuo e ampliação de público, além da abertura da incubadora para ideias da comunidade em geral, e não apenas de alunos do IFMT. “Queremos acolher ideias de escolas públicas, empreendedores locais, qualquer pessoa da cidade com vontade de inovar. Isso amplia o impacto do que fazemos”, diz Gleika.

Em parceria com o ecossistema, o IFMT tem atuado também para desmistificar a ideia de inovação. Eventos como o Inova Juína vêm mostrando à comunidade que inovar não se restringe a tecnologia de ponta, mas envolve melhorar processos, criar soluções locais e adaptar conhecimentos.

Startup Day Juína. Foto: Divulgação.

“Queremos que a população entenda que inovação está no cotidiano, nas pequenas transformações. Por isso temos buscado espaços abertos, como o Sicredi, empresas locais e outras instituições, para realizar essas ações”, explica.

A presença de um polo educacional forte é também uma das estratégias para reter jovens talentos e fomentar o empreendedorismo local. “Queremos que nossos estudantes vejam que podem empreender aqui mesmo. Que Juína tem espaço para suas ideias”, reforça a professora.

Com uma comunidade acadêmica ativa e comprometida, Juína vem provando que a educação não apenas forma profissionais, mas também alimenta um ecossistema em crescimento, que transforma conhecimento em oportunidades concretas de inovação e desenvolvimento.

Edmarcos, gerente de planejamento estratégico do Sicredi em Juína reforça o propósito da instituição em construir uma sociedade mais próspera. “Quando participamos do ecossistema de inovação, nos conectamos de imediato com a proposta, porque entendemos que essas redes valorizam e contribuem ainda mais para o desenvolvimento das nossas comunidades. Como cooperativa de crédito, acreditamos no potencial coletivo e temos atuado não apenas como participantes do ecossistema, mas também como protagonistas, propondo ações internas com o nosso Comitê de Inovação e incentivando colaboradores entusiastas do tema”.

Os integrantes do ecossistema reconhecem que o caminho é longo — e que os primeiros passos são, por vezes, lentos. “Nossa missão continua: fortalecer esses setores, trazer atores, desenvolver ações. A gente está fazendo. Mesmo com equipe reduzida, com recursos limitados, seguimos avançando com o que está ao nosso alcance”, afirma a professora Gleika Debacker.

A estratégia passa também por potencializar cadeias produtivas já existentes, muitas vezes subutilizadas. Juína é considerada um polo regional de saúde, com infraestrutura hospitalar consolidada e previsão de criação de uma escola técnica com foco em enfermagem. Na mineração, destaca-se pelo potencial diamantífero, mapeado desde a década de 1980, e na piscicultura, abriga a maior produção de alevinos do Brasil, com mercado consolidado inclusive em Rondônia.

Na área do turismo, a cidade e sua região despontam como território de belezas naturais e de rica cultura local — um setor que vem ganhando novo impulso com a criação de uma diretoria de Turismo vinculada ao Planejamento municipal.

“O turismo precisa inovar para atrair visitantes. Isso envolve estratégia, infraestrutura, promoção e experiências diferenciadas. Estamos conectando isso com o ecossistema”, aponta Thais Bergamin, assessora de turismo e integrante da governança.

Mais do que impulsionar a economia, os participantes do ecossistema veem a inovação como um instrumento de transformação social. Ao gerar oportunidades, fomentar o empreendedorismo e fortalecer cadeias locais, o ecossistema contribui também para combater vulnerabilidades e evitar que os jovens deixem a cidade ou sejam capturados por realidades adversas.

“Quando você gera oportunidade, você tira um garoto das ruas. Quando você traz investimento, você dá dignidade para uma família. Inovar é também criar alternativas sociais. É dar continuidade a legados e abrir caminhos novos para as próximas gerações”, conclui Thais, reforçando a importância de dar continuidade ao esforço das famílias pioneiras que ajudaram a fundar e desenvolver o município.