Não tem como falar de aquecimento global sem citar a pecuária: no Brasil, esse setor é o segundo que mais emite gases de efeito estufa (GEE), respondendo diretamente por aproximadamente 27% de todas as emissões do país. Já no mundo, um estudo recente de 2021 mostra que as emissões provenientes de produtos de origem animal ficam entre 16,5% e 28,1%.
No entanto, cientistas estão preocupados com o fato da estimativa da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) sobre a contribuição global da pecuária para as emissões estar diminuindo nas últimas décadas: em 2006, um relatório falava em 18% e recentemente o número foi revisto e caiu para 11,2%.
Neste cenário, uma investigação do The Guardian conversou anonimamente com cerca de 20 funcionários e eles admitiram que entre 2006 e 2019, a administração fez inúmeras tentativas para suprimir informações sobre a relação da produção de carne com o agravamento das mudanças climáticas. A organização teria escondido passagens-chave em relatórios sobre o tema, “enterrado” alguns dados e censurado funcionários. Segundo os relatos, eles foram “sabotados, minados e vitimizados” durante mais de uma década após divulgarem a contribuição extremamente prejudicial das emissões de metano causada pela pecuária ao planeta.
Os membros também admitiram que a pressão veio dos estados financiadores favoráveis à agricultura e foi sentida em toda a sede da FAO em Roma. As alegações remontam a anos posteriores a 2006, quando veio à tona o dado de 18% das emissões e o número chocou a indústria, o que teria levado à repressão interna no órgão da ONU.
“Os lobistas obviamente conseguiram influenciar as coisas”, disse um ex-funcionário ao Guardian. “Eles tiveram um forte impacto na forma como as coisas eram feitas na FAO e havia muita censura. Sempre foi uma luta árdua fazer com que os documentos produzidos passassem pelo escritório de comunicações corporativas e era preciso evitar uma boa dose de vandalismo editorial.”
“Houve uma pressão interna substancial e houve consequências para os funcionários permanentes que trabalharam nisso, em termos de carreira. Não era realmente um ambiente saudável para trabalhar”, disse outro ex-funcionário.
Henning Steinfeld, chefe da unidade de análise pecuária da FAO, disse que diplomatas e lobistas da carne conversaram com gestores seniores da FAO e os encorajaram a não investir em trabalhos que lidassem com impactos ambientais.
Os dados da FAO são a principal fonte para relatório do Painel Internacional sobre Alterações Climáticas da ONU sobre silvicultura e agricultura. Anne Mottet, responsável pelo desenvolvimento pecuário da FAO, sublinhou que as alterações nos números refletem as melhores práticas e a evolução das metodologias, em vez de uma suposta redução. “A pecuária faz parte da estratégia da FAO sobre as alterações climáticas e também trabalhamos com governos, agricultores e indústria neste programa”, disse ela. “Não podemos ignorar os principais intervenientes do setor, mas não tem havido nenhuma pressão particular por parte deles.”
Segundo ela, a metodologia do novo relatório produziu números mais precisos porque “temos acesso a melhores dados e ferramentas e os cálculos do IPCC para as emissões também estão a ser melhorados e atualizados regularmente”.
Por outro lado, um artigo recente de Matthew Hayek, professor assistente de ciências ambientais na Universidade de Nova Iorque, afirma que a utilização de modelos pela FAO – em vez de dados de monitorização verificáveis – poderia subestimar as emissões de metano provenientes do gado em até 90% em países como os EUA. “Os modelos são apenas estimativas que precisam de ser constantemente validadas – e tem havido uma alarmante falta de validação ao longo das últimas décadas em que esta investigação [da FAO] foi produzida”, disse.
Texto: Redação Um Só Planeta