Empresas preparam-se para entrar em uma nova área, na qual as máquinas vão se movimentar com desenvoltura no mundo físico

A chegada da IA física será decisiva para o futuro da tecnologia – e a representará uma grande oportunidade para que as big techs finalmente recuperem parte dos bilhões investidos na tecnologia. Para quem assistiu aos painéis sobre IA e robótica realizados no SXSW 2025 até agora, essa parece ser uma das conclusões mais importantes.

Explica-se: embora o assunto nem sempre esteja na ordem do dia, os últimos tempos foram de intensa movimentação para criar as tecnologias que vão permitir à inteligência artificial interagir com o mundo real de maneira mais efetiva. Traduzindo, teremos carros que realmente se dirigem sozinhos (além dos modelos da Waymo, quer dizer), drones cada vez mais precisos (uma das áreas mais avançadas até agora) e trilhões de robôs trabalhando ao lado dos seres humanos em casas e fábricas de todo o mundo.

Da esqueda para a direita, Jenny Stojkovic, da Joyful VC; Anirudh Devgan, da Cadence; Tim Berners-Lee, criador da WWW; Tye Brady, da Amazon; e Andrea Thomaz, da Diligent Robotics — Foto: Marisa Adán Gil
Da esqueda para a direita, Jenny Stojkovic, da Joyful VC; Anirudh Devgan, da Cadence; Tim Berners-Lee, criador da WWW; Tye Brady, da Amazon; e Andrea Thomaz, da Diligent Robotics — Foto: Marisa Adán Gil

Para quem não sabe, produzir esse tipo de interação é uma das tarefas mais complexas que um engenheiro de software pode enfrentar. A inteligência artificial, por definição, é algo abstrato. Ensiná-la a navegar por situações físicas imprevisíveis, que se transformam o tempo todo, ou a entender o modo como os seres humanos se movimentam e se comunicam no dia a dia são tarefas hercúleas, que requerem plataformas específicas. Mas é isso que empresas como Nvidia – como revelou Jensen Huang no CES – estão fazendo neste momento.

“A IA física já está entre nós”, disse Tye Brady, Chief Technologist da Amazon, durante o painel “From cages to the real world: the dawn of physical AI”, nesta terça-feira (11), durante o South By Southwest. O painel também contou com a participação de Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web.

“Hoje 75% de todos os produtos que são entregues pela empresa passaram por um de nossos sistemas de validação robótica”, disse Brady, dando início às discussões. Segundo o executivo, a Amazon Robotics é responsável por colocar em atividade 750 mil robôs, ou “a maior frota do mundo”. “Essa sinfonia de pessoas e máquinas trabalhando juntas ajuda a ampliar o potencial humano e permite que os funcionários foquem no que interesse.”

Ambição mundial

A Amazon não pretende parar nas grandes máquinas instaladas no chão de fábrica, nem se contentar com os robozinhos que percorrem as calçadas de Austin e muitas outras cidades americanas, distribuindo pacotinhos de mercadorias. A empresa quer colocar robôs em todas as áreas, da exploração espacial à agricultura, passando pelas tarefas domésticas.

Mas Brady sabe que é um objetivo complexo. “Queremos que as máquinas realmente facilitem a vida dos seres humanos. A responsabilidade de fazer com que isso aconteça está nas nossas mãos. Os fabricantes de robôs precisam torná-los simples e fáceis de usar”, disse o executivo da Amazon.

O sonho de robôs que se adaptam a qualquer situação é bastante antigo, e nunca se realizou. Por que seria diferente agora? “Pode-se dizer que estamos percorrendo essa estrada por 50 anos, desde o advento do PC”, disse Brady. Depois disso, lembrou, houve o surgimento da web, dos sensores de baixo custo e dos sistemas de machine learning. E agora, acredita, o mundo está pronto para a invasão dos robôs.

“Já vi muitas tecnologias na minha vida, mas o que estamos fazendo com a IA física é a coisa mais transformadora que já testemunhei”, disse, em momento de puro hype. O executivo se referia mais especificamente aos sistemas que permitem ensinar aos robôs a fazer pequenas tarefas, como ‘reconhecer’ objetos ou reagir à presença dos seres humanos.

Retorno de trilhões

“Essa nova fase da IA irá finalmente trazer o retorno que o setor espera”, disse Anirudh Devgan, CEO da Cadence, empresa de chips que tem entre seus parceiros a Nvidia e trabalha atualmente em simulações de IA física para companhias aéreas e de Fórmula 1. “Estamos falando de trilhões de dólares.”

Segundo o executivo, a virada da IA física pode acontecer entre 2 e 7 anos – tempo em que suas aplicações já estarão disponíveis para o grande público. Na sua opinião, o primeiro impacto já aconteceu com os drones, usados amplamente na área militar. O próximo virá dos carros autônomos, que vão “transformar completamente a indústria automobilística e multiplicar os lucros”.

“Já há muitas companhias próximas de conseguir, como Tesla e Rivian, nos Estados Unidos, e BYD, na China”, acredita. Sem falar na Waymo, do Google, com carros autônomos circulando em diversas cidades americanas. “Se funcionar, a direção autônoma será o trunfo que trará à tona todos os sistemas de IA física”, diz.

Competição atrapalha

Silencioso durante a maior parte do tempo, Tim Berners-Lee, o criador da World Wide Web, fez intervenções pontuais, mas poderosas. Ao comentar as semelhanças – e diferenças – entre a época do surgimento da internet e o momento atual, ele apontou uma distinção fundamental.

“As primeiras empresas que criaram a internet se juntaram para definir juntas como seria a rede, como funcionaria o browser, quais seriam os protocolos. Fizemos isso como uma comunidade”, afirmou. Berners-Lee não vê nada parecido com isso acontecendo nos dias de hoje. “As companhias de hoje são muito competitivas”, afirmou.

Para ele, é tolice achar que uma companhia vai ser capaz de fazer tudo. A atitude da DeepSeek, lançando seu modelo de IA com código aberto, é louvável, mas dificilmente será replicada nos EUA, acredita. “E isso é uma pena. Com a colaboração, um time de engenharia de um país pode ser capaz de resolver os problemas de outro, em estágio anterior de desenvolvimento. O progresso é mais rápido.”

IA ganha corpo

Outro painel a abordar o tema da IA física e da robótica foi “Artificial Presences”, realizado na manhã de quarta-feira (11). Nesse caso, porém, a discussão foi mais leve, com direito à presença da robozinha Mirokaï no palco, respondendo perguntas da plateia. A máquina é uma criação da Enchanted Tools, empresa criada por Jérome Monceaux, que ficou conhecido do público por ter criado os robôs humanoides Nao e Pepper.

A robô Mirokaï, da Enchanted Tools, subiu ao palco do SXSW — Foto: Marisa Adán Gil
A robô Mirokaï, da Enchanted Tools, subiu ao palco do SXSW — Foto: Marisa Adán Gil

O objetivo da empresa fundada em 2022 é criar robôs “sociais”, capazes de interagir com crianças e idosos em hospitais, clientes nas lojas e funcionários nas fábricas: para isso conta com cerca de 120 especialistas, que ele chama de “encantadores”. “Queremos que nossos robôs sejam tão divertidos e acolhedores quanto os personagens de um filme de animação”, disse Monceaux, que trabalha com robótica há cerca de 20 anos.

No começo, diz, os robôs se pareciam mais com marionetes animados. Muitas coisas mudaram de lá para cá – mais notadamente a criação de chips avançados e a popularização da IA generativa. “A tecnologia tornou mais fácil para os robôs reagirem à presença humana, e isso fez toda a diferença, pois criou o efeito da empatia”, diz. “Nunca vou esquecer quando entrei em uma sala e todos olharam para mim ao mesmo tempo.”

Nos primeiros dias do SXSW, a nova “existência física” da IA também havia sido tema das palestras dos futuristas Neil Redding e Amy Webb. Para Redding, que gosta de tratar os robôs como “uma nova espécie”, o desenvolvimento de suas habilidades no mundo real deve ser visto como uma “evolução”. Sua sugestão é que as empresas e as pessoas se relacionem mais com os agentes de IA para se acostumar a lidar com sistemas autônomos. Já Web citou em sua palestra expressões como “Inteligência Viva” e “IA Incorporada”, como que dizendo: os robôs vêm aí. É bom ficar de olho.

Por: Marisa Adán Gil