Ela sugere estratégias, prepara campanhas, conversa com clientes, entrega insights, resume documentos em minutos e tem animado empreendedores com seu potencial de gerar novas oportunidades de negócio. A inteligência artificial (IA) pode se apresentar de muitas formas, mas todas elas partem de um mesmo ponto: a capacidade das máquinas de executar tarefas que até pouco tempo atrás era privilégio humano.

Nesse cenário, 2023 foi especialmente transformador. Com o lançamento do ChatGPT, da OpenAI, no final de 2022, o ano passado viveu uma espécie de corrida do ouro em torno da inteligência artificial generativa (que cria conteúdos e aprende padrões de comportamento). E mostrou a quem quisesse ver que, enfim, o futuro com robôs chegou.

Além da OpenAI, uma infinidade de gigantes, como Apple, Google, IBM e Nvidia, lançaram ao longo de 2023 produtos e serviços com essa tecnologia. Mas o “boom” está ligado à capilaridade que a IA generativa trouxe: apesar de o desenvolvimento dessas inteligências exigir muito investimento, empresas de todos os portes podem se beneficiar dos produtos derivados dela.

Gustavo Araujo, cofundador e CIO do Distrito, plataforma de tecnologias emergentes, explica que as big techs criaram a infraestrutura para que milhares de startups e pequenas empresas provocassem o que ele chama de três grandes movimentos sísmicos no mercado brasileiro: a integração de camadas de IA generativa nos produtos, tornando-os mais fáceis de interagir por meio de mecanismos conversacionais; maior rapidez na construção de produtos, como o GitHub Copilot, que ajuda programadores a ganhar até 40% de eficiência; e o surgimento de uma safra completamente nova de startups em IA generativa.

“Setores como marketing, mídia, finanças, saúde e educação são os que estão acelerando mais na adoção de IA generativa, com cases já entrando no mercado”, conta Araujo.

“Muita gente encara a IA como um ‘hype’, mas não é. Os maiores investimentos de venture capital no mundo têm sido em empresas de IA e clean-techs. As pessoas já estão utilizando isso em seus negócios com aumento da produtividade, redução de custo, melhoria na experiência do cliente e personalização de ofertas”, diz Diogo Garcia, sócio da consultoria KPMG. Globalmente, esse mercado foi avaliado em US$ 454 bilhões em 2022, e deverá atingir US$ 2,6 trilhões até 2032, segundo relatório da Precedente Research.

Status de estagiário

Garcia chama a atenção para dois pontos: implementar algo muito robusto, que use IA para construir modelos complexos, exige infraestrutura e recursos computacionais. Além disso, é preciso uma equipe que possa, de fato, buscar dados de alta qualidade para alimentar a máquina.

Na outra ponta, para as empresas que querem aplicar esses recursos, o consultor aconselha testar como os clientes reagirão à novidade. Dados de uma pesquisa feita pela KPMG e pela Universidade de Queensland traz boas notícias: a maioria dos brasileiros diz confiar na inteligência artificial e se mostra mais otimista com a tecnologia do que a média dos 17 países consultados.

Se essa barreira já está mais baixa, há outro incentivo: boa parte da oferta de ferramentas de IA conta com versões gratuitas ou com valores que cabem em orçamentos enxutos. “Uma pequena empresa pode e deve usar IA”, indica Sandor Caetano, chief data officer do PicPay e coautor do livro O Cientista e o Executivo, lançado em outubro.

A adoção de inteligência artificial, explica ele, vai gerar um diferencial competitivo relevante em relação àquelas que estão operando “manualmente”. Mas por onde uma pequena empresa deveria iniciar? “Eu começaria por processos internos, como ferramentas de produtividade”, diz. Ele também sugere que a IA funcione a princípio com o status de “estagiário”, que precisa de supervisão sobre o que produz. “Acredite no que ela está fazendo, mas revise.”

Caetano prevê que o maior impacto para as empresas de pequeno porte, no futuro, será na forma como as decisões são tomadas. “Elas serão menos intuitivas”, diz ele, e exemplifica: um fornecedor pode passar a prever exatamente quanto material seus clientes vão precisar e quando. Com isso, tomar decisões fica mais simples, e novas ações, como assinaturas recorrentes ou promoções, podem alavancar o negócio.

Os especialistas ouvidos pela reportagem não escondem o otimismo para os próximos anos. Embalada por essas expectativas, PEGN entrevistou seis empreendedores, de diferentes setores e em distintos estágios de maturação tecnológica, para entender como as empresas brasileiras estão inseridas nesta revolução. Acompanhe nas próximas páginas.

Atenção aos riscos

Enquanto o Congresso se prepara para regular o uso de inteligência artificial no país, cabe às empresas, pequenas ou grandes, estabelecer critérios e cuidados para a aplicação de IA em seus negócios.

“As preocupações legais envolvem, além das questões em torno de proteção de dados de pessoas físicas, também leis digitais, trabalhistas, concorrenciais, proteção do consumidor e das crianças e adolescentes, propriedade intelectual e informações confidenciais”, diz Fabrício Polido, advogado e sócio da área de tecnologia e inovação do escritório L.O. Baptista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais.

Um primeiro passo na redução de riscos, sugere o especialista, é observar atentamente os termos de uso da ferramenta que se deseja utilizar, seja gratuita ou paga. “Elas devem ser bem avaliadas pela empresa e pelos gestores para entender como são desenvolvidas, como os termos de uso abordam questões de privacidade, de respeito aos direitos de clientes e consumidores e do interesse social da própria empresa.”

O treinamento da equipe para a adoção da tecnologia também é essencial, na avaliação de Polido – e essa conversa franca entre empregador e funcionários é bem-vinda mesmo quando ferramentas de IA não são oficialmente adotadas. “Para integração de IA em negócios, é importante que as empresas estabeleçam uma rotina de treinamentos de pessoal, formulem políticas de governança de IA para uso ético, responsável e transparente”, indica.

Um terceiro pilar nesse arcabouço de cuidados está ligado à necessidade de revisão por humanos dos conteúdos gerados por esse tipo de ferramenta, sobretudo quando o resultado afeta tomada de decisão sobre a vida de clientes, consumidores e de empregados. Por fim, é preciso também que a empresa esteja atenta ao risco de plágio ou infração de direitos autorais em materiais de divulgação.

De forma geral, os riscos de uso de IA serão sempre maiores e, por isso, exigem maior atenção, em setores da indústria de tratamento intensivo de dados, como educação, saúde, finanças, varejo/marketplace e segurança pública.

Quanto custa implementar IA no seu negócio?

O ChatGPT e o Midjourney são, de longe, os modelos de IA generativa mais utilizados por startups, segundo estudo da empresa de venture capital ALLVP.

Existe uma versão gratuita do ChatGPT. Ela disponibiliza o GPT 3.5, e o uso de interações é ilimitado. Há dois níveis pagos. Por US$ 16,66 (R$ 82) ao mês, no plano anual, o modelo salta para o GPT 4, mais avançado, e dá acesso a ferramentas da OpenAI, como DALL·E e Browsing. Na versão Team, de US$ 25 (R$ 123) ao mês, a solução passa a ser cobrada por usuário e admite a integração do GPT com o workspace, construindo um ambiente personalizado.

Em agosto de 2023, a OpenAI lançou o GPT Enterprise, voltado para empresas de médio e grande portes. A ferramenta permite que o cliente treine a IA com seus próprios dados para responder a demandas específicas, criptografa as conversas e oferece respostas mais velozes. O preço varia conforme as necessidades do contratante.

Já o Midjourney não conta com versão gratuita, e as assinaturas variam entre US$ 8 (R$ 39) e US$ 96 (R$ 470) ao mês, no plano anual. A variação entre os planos é o número de trabalhos que podem ser feitos simultaneamente e o limite total mensal.

Empresas que usam o pacote Microsoft 365 têm como alternativa ativar a inteligência artificial via Copilot. Ela admite uma diversidade de usos, como fazer análises no Excel sem o uso de fórmulas, responder automaticamente e-mails e resumir em texto chamadas de vídeo, além de contar com bot de conversa e gerar imagens.

A versão Pro custa R$ 192 ao mês por usuário em contratos anuais, para empresas que já contam com Microsoft 365 Business Standard ou Business Premium. A Microsoft oferece cobertura de indenização de propriedade intelectual para o trabalho gerado por seu copiloto.

Para quem sonha em ter uma IA própria, o custo varia em função da complexidade do modelo e da quantidade de dados a ser trabalhados para “formar” a inteligência. A consultoria RisingMax estima que soluções de baixa complexidade levem de dois a três meses para serem desenvolvidas, a um custo inicial de US$ 15 mil (R$ 73,5 mil).

Este texto é parte da reportagem “Inteligência Artificial, Oportunidade Real”, publicado originalmente na edição de fevereiro da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios.