As novelas estão com os dias contados? Para os responsáveis pelas duas maiores audiências da TV atualmente, não. Rosane Svartman, autora de Vai na Fé, lançou na última quarta-feira (19) o livro A Telenovela e o Futuro da Televisão Brasileira (Editora Cobogó) e debateu o gênero mais popular da teledramaturgia com Walcyr Carrasco, responsável por Terra e Paixão, e a professora Maria Immacolata Vassallo de Lopes.
Para uma plateia de atores, jornalistas (incluindo este colunista) e noveleiros que lotaram a Livraria da Travessa, em Pinheiros (zona oeste de São Paulo), os especialistas tentaram prever os efeitos do avanço da inteligência artificial no principal produto da TV brasileira. O titular da trama das nove da Globo rechaçou a possibilidade de a tecnologia “matar” a novela.
“Eu brinco com o ChatGPT, e cada historinha que eles fazem é extremamente formal e ‘católica’. Passei pela seguinte experiência. Falei: ‘Crie a história sobre um menino que bate na mãe’. E a resposta foi: ‘Eu não posso escrever essa história porque vai contra os valores da família’ (risos). Fiz várias histórias e todas têm um final feliz. Ou seja: o ChatGPT já derrubou os livros ‘católicos’, com moral”, analisou Carrasco.
Rosane Svartman acredita que as etapas mais orgânicas de produção de uma novela salvarão o gênero da inteligência artificial: “Acho que o humano, os erros, a sensibilidade de encontrar o que falar em uma novela e o que está latente, essas imperfeições todas que a gente tem quando produz um texto e o faz ficar interessante, acho que isso permanece. Vejo máquinas escrevendo para máquinas, mas a gente vai se interessar pelo que é humano sempre”.
Walcyr, mais cético quanto aos limites da tecnologia, crê no desenvolvimento humano: “Acho que a inteligência artificial vai aprender a imitar o humano inclusive nos seus erros, nas suas escapadas. Mas, lembrando a história, quando Gutenberg inventou a imprensa todo mundo dizia que o livro iria acabar, e realmente aquele livro feito a mão pelos monges, desenhadinhos, acabou! Pode existir como arte, mas o livro continuou. Cada vez que surge uma novidade, que a humanidade dá um passo tecnológico, também há uma resposta artística surpreendente”.
A docente Maria Immacolata ratificou a opinião do autor de Terra e Paixão: “Nenhum meio novo acabou com o anterior. Nem vou dizer que o apocalipse está chegando nem que é a maravilha das maravilhas”.
Walcyr exemplificou a evolução das novelas em diferentes plataformas, do rádio ao streaming, passando pelas redes sociais. Para o novelista, o gênero ganha sobrevida além da televisão e não corre riscos frente à inteligência artificial, diferentemente da literatura.
“Eu sou uma pessoa que não tem medo da inteligência artificial na novela. A IA vai dominar muitos setores. Por exemplo, a literatura comercial vai acabar, porque a inteligência artificial faz melhor. Eles vão fazer 500 best-sellers por ano sem precisar de autor. Mas ainda acredito que a novela tem uma sobrevivência muito longa e uma transformação. Essa transformação eu não sei dizer qual é. Quando surgiu a televisão, diziam que iria acabar o cinema. Hoje, o cinema impera no streaming! Sou pessimista no sentido de achar que há modelos que tentam nos impor”, analisou.
Rosane concluiu o bate-papo destacando a força da novela como um instrumento de transformação da sociedade e reforçando que nunca pode ser considerado um produto menor apenas por ser popular.
“São 70 anos de novelas que se transformaram muito. Transformaram em ritmo, as cenas são menores, no tamanho. A mocinha mudou muitíssimo, o grande objetivo não é mais a realização amorosa, e sim uma realização pessoal, profissional. Para mim, é claro que depende de escolhas estratégicas, decisões de executivos que a gente não tem influência nenhuma nisso, mas enquanto a novela tiver essa conexão com o Brasil, conexão com a cultura, e formar esse laço social, ela vai continuar relevante. Existe uma grande influência do melodrama nas séries de arco longo hoje, e mesmo nas novelas que estão sendo feitas para o streaming. Como você [Walcyr] não se preocupa com a inteligência artificial nesse lugar, apesar de que acho que tem que haver regulamentação urgente, eu também não me preocupo muito com a ‘morte’ das novelas enquanto elas mantiverem nessa matriz. Acho inacreditável a novela ser vista como um produto menor depois de 70 anos, depois de inverter o fluxo transnacional de conteúdo como a telenovela inverte. Aas novelas que a gente escreveu já foram para o mundo inteiro e vistas por dezenas de milhões de pessoas diariamente, então não é um produto menor”, defendeu.
Texto: PAULO PACHECO