O alcance e o impacto da IA na atualidade já não se reduzem ao treinamento de chatbots ou à geração de textos, imagens e vídeos cada vez mais complexos e realistas
Em agosto, o Gartner Group, uma das mais respeitadas empresas globais de pesquisa e consultoria em TI, divulgou sua edição anual do “Hype Cycle para tecnologias emergentes”. O relatório é amplamente utilizado como referência estratégica para identificar o nível de maturidade e adoção de tecnologias inovadoras e oferece uma visão clara sobre as tendências e desafios para o futuro próximo, a partir de uma metodologia baseada na representação gráfica do ciclo de vida dessas inovações.
De acordo com o Gartner, em 2024, a inteligência artificial generativa (IAGen) encontra-se em transição entre o “pico das expectativas infladas” (Peak of Inflated Expectations) e o “vale da desilusão” (Trough of Disillusionment). Essa segunda fase reflete a realidade do setor, na qual, após um período inaugural de euforia, surgem limitações técnicas e desafios práticos, que provocam uma reavaliação da viabilidade e do impacto da tecnologia em questão.
Assim, esse estágio é caracterizado por uma abordagem mais pragmática, em que as limitações da IA generativa – como questões de escalabilidade, qualidade de dados e preocupações éticas – começam a emergir com maior clareza. O foco se desloca do entusiasmo inicial para a avaliação mais criteriosa de casos de uso práticos, diferenciando modismos de aplicações com real valor, tanto para o mercado quanto para a sociedade.
Assim, à medida que a euforia em torno da IA generativa vai arrefecendo, fica evidente o quanto o foco restrito nessa ferramenta – que tem monopolizado os debates, dentro e fora o do setor, ao menos desde o lançamento do ChatGPT, da OpenAI, em novembro de 2022 – ofuscou outras áreas igualmente relevantes da IA. Tecnologias como machine learning, deep learning, visão computacional e sistemas autônomos, que oferecem soluções robustas em diversos setores, foram muitas vezes subestimadas na discussão pública e corporativa.
Além dos aplicativos e gadgets voltados para o consumidor final, a IA tem sido fundamental para setores cruciais, como o da saúde. Algoritmos de aprendizado profundo (deep learning) aplicados a redes neurais convolucionais (CNNs) têm aprimorado os diagnósticos por imagem, aumentando a precisão na detecção de anomalias em radiografias e ressonâncias magnéticas. Esses avanços são especialmente significativos na triagem automatizada de grandes volumes de dados médicos, permitindo intervenções mais rápidas e eficazes.
No agronegócio, modelos de aprendizado supervisionado e redes neurais estão sendo aplicados à análise de grandes conjuntos de dados sobre condições do solo, padrões climáticos e uso de recursos. Esses algoritmos ajudam a prever o rendimento das plantações e a otimizar a irrigação, com base em dados históricos e em tempo real, reduzindo o consumo de água e aumentando a sustentabilidade das operações agrícolas.
A indústria automobilística, por sua vez, tem empregado a IA para as mais diversas finalidades, que vão desde soluções de manutenção preditiva para veículos até sistemas de tecnologia embarcada, capazes de prestar assistência e melhorar a experiência de condutores e passageiros.
Também vale destacar o crescimento do uso da inteligência artificial em mercados como o financeiro, tanto na detecção de transações fraudulentas quanto na avaliação do risco de crédito; na logística, para aprimorar a cadeia de suprimentos e as rotas de entrega; ou, ainda, na gestão de energia, para garantir um gerenciamento mais inteligente de redes elétricas e a predição de falhas em equipamentos e sistemas de abastecimento.
Como se vê, o alcance e o impacto da IA na atualidade já não se reduzem ao treinamento de chatbots ou à geração de textos, imagens e vídeos cada vez mais complexos e realistas. Ainda que essas sejam as aplicações mais difundidas e exploradas midiaticamente, há que se enxergar o potencial contido nessa tecnologia para além da criação de conteúdo.
É necessário, mais do que nunca, que os principais atores e tomadores de decisão, tanto da esfera pública quanto da iniciativa privada, estejam atentos ao fato de que a ênfase excessiva – quando não exclusiva – na IA generativa pode estar desviando a atenção de outros usos e modalidades igualmente relevantes da inteligência artificial, cujo impacto tende a ser bastante positivo para a vida cotidiana na contemporaneidade.
Em suma, é preciso olhar para essa ferramenta a partir de uma perspectiva mais ampla, a fim de evitar eventuais distorções da percepção pública acerca das capacidades e limitações da IA. Só assim será possível combater, de maneira aprofundada e eficaz, as diversas expectativas irrealistas e os variados receios infundados que costumam acirrar os debates em torno dessa tecnologia.