sábado,23 novembro, 2024

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA GOVERNANÇA URBANA: MITOS E OPORTUNIDADES

Bastaram apenas três meses para que o ChatGPT ultrapassasse mais de 100 milhões de utilizadores frequentes e se tornasse a aplicação informática com o mais rápido crescimento da história. Não fora a guerra e a crise económica, 2023 estaria já consagrado como o ano do arranque definitivo da universalização do uso da Inteligência Artificial (IA) pelas organizações mais dinâmicas e transformadoras das sociedades atuais.

O entusiasmo pela capacidade e pelo alcance e o deslumbramento com a facilidade de utilização do ChatGPT são enormes e contagiantes, mas os big tech concorrentes já prometeram que estão a trabalhar em soluções de IA ainda mais completas e admiráveis. Em simultâneo, em todo o mundo, começou também o debate sobre as inúmeras e, potencialmente dramáticas, incertezas e os vários perigos individuais e estruturais que a utilização inexperiente, descontextualizada e incontrolada da IA na tomada de decisões poderá ter – más decisões que se traduzam em prejuízos para a Humanidade.

Neste contexto, e mesmo conscientes da ainda pouca maturidade e da incerteza das soluções atuais, pode e/ou deve ser a IA considerada uma opção prioritária para melhorar a governança urbana? Devem os gestores urbanos utilizar a IA na sua tomada de decisão? Questionámos o próprio ChatGPT sobre isso. A resposta não poderia ser mais clara e alinhada com o entendimento que defendemos e citamos: “Embora um autarca possa usar sistemas de inteligência artificial, como o ChatGPT, para obter informações e insights úteis para auxiliar as suas decisões, é importante lembrar que a tomada de decisões importantes deve sempre considerar uma variedade de fatores, incluindo considerações legais, éticas, culturais e sociais, bem como a opinião de especialistas e da comunidade em geral. A decisão final deve ser sempre tomada pelos autarcas com base na sua própria análise e nas suas considerações de múltiplos fatores.”  Muitos dirão ser uma resposta de Lapalisse, mas o facto é que mesmo o ChatGPT reconhece e enfoca o essencial.  Sim, a governança urbana deve assentar em dados, em tecnologia e em soluções de benchmarking inteligentes, mas deve assentar, e assenta, também em intuições, em políticas, em ambições, em contexto, e em responsabilidades que devem ser assumidas por quem governa os territórios. Por outras palavras, a IA, por muito que seja útil como forma de inovar no processo de governação urbana, trata-se de mais uma ferramenta potencialmente vigorosa. O mais importante continuará a ser a visão, a inteligência emocional, o compromisso e a atitude política de quem decide.

Foquemo-nos então nos aspetos técnicos que poderão advir do uso da IA na tomada de decisão e no governo dos territórios. Em que medida pode a IA ser a revolução tecnológica capaz de acelerar transformações relevantes na gestão urbana inteligente e, sobretudo, no modelo de comportamento, vivência e utilização dos territórios pelos seus cidadãos? Do lado das oportunidades, há respostas óbvias. A IA acelera respostas, análises comparativas, e propõe alternativas quantificadas e concretas, tendo por base um perímetro alargado de informação, com dimensões quase inimagináveis; a IA não representa – nem é condicionada ou influenciada por – fatores de relação de proximidade emocional com o decisor, sendo mais objetiva e independente na pronúncia de decisões com impacto conflituante; a IA pode ser utilizada na tomada automática e tempestiva de decisões, cujo valor ou cuja utilidade depende da capacidade de adaptação às dinâmicas e exigências que caraterizam os ecossistemas complexos como são as cidades.

Mas há também riscos e viés reconhecidos que devem ser conscientemente ponderados. A IA assenta em padrões e tendências estatísticas que são muitas vezes contrárias e desviadas das idiossincrasias e especificidades dos territórios. As respostas da IA também não são facilmente escrutinadas em termos de origem, robustez e credibilidade dos dados em que assentam, facto que deve limitar a confiança na tomada robusta e consciente de decisões. Já a facilidade com que a IA apresenta soluções alternativas pode gerar deslumbramento inapropriado na tomada de investimento e de despesa pública que podem criar disrupções e perturbações perversas num equilibrado e ponderado processo de planeamento de governo urbano.

É fundamental reconhecer que a IA não é a pedra filosofal para melhorar a governação urbana e tem ainda um largo caminho de evolução pela frente. A IA é, antes, uma nova solução tecnológica instrumental de elevada capacidade e poder de influência, que poderá servir para destacar e diferenciar os gestores urbanos que melhor saberão aproveitar o seu potencial para construir respostas que sirvam os seus cidadãos.

As hipóteses de aplicação são inúmeras, e muitas delas até já fortemente disseminadas. Por exemplo: a IA pode ser usada para analisar dados georreferenciados, padrões comportamentais, de mobilidade e de concentração de populações, alterações climáticas e geofísicas, e outros dados relevantes para auxiliar de forma determinante nas escolhas do planeamento urbano e na otimização do desenho e uso do espaço público; a IA pode ser usada para criar modelos de simulação em grande escala, permitindo projetar o impacto e a consequência de decisões em avaliação, assim como criar cenários de stress para estudar o efeito de alterações bruscas na normalidade de funcionamento dos territórios; a IA pode ser usada para aumentar a capacidade de medição, avaliação de decisões, antecipação de cenários e a audição e compreensão da evolução das expectativas e necessidades dos cidadãos, incluindo a criação de canais personalizados que reforcem a transparência e o escrutínio público, que diminuem a distância relacional entre eleitores e eleitos; a IA pode ser aplicada para acelerar, de forma eficiente, o processo de substituição e de transformação digital da oferta de serviços públicos, otimizando a relação entre os cidadãos e o uso do território e dos seus recursos, com benefícios diretos na qualidade de vida das cidades, na gestão eficiente dos dinheiros públicos e na concretização dos compromissos com agendas estratégicas, funcionais e operativas. Para a IA sugerir as melhores respostas, o mais determinante é que se saibam efetuar as perguntas corretas.

Eis alguns exemplos de cidades que já usam a IA na sua governação urbana:

  1. Singapura, Península Malaia: Utiliza a IA para analisar dados e simular cenários urbanos, com o objetivo de otimizar o uso do espaço urbano, melhorar a sustentabilidade e antecipar os impactos das mudanças climáticas na cidade.
  2. Barcelona, Espanha: Utiliza algoritmos de IA para analisar dados de tráfego em tempo real, para prever comportamentos de mobilidade e otimizar a semaforização, com o objetivo de reduzir congestionamentos e melhorar a eficiência do transporte público.
  3. Helsínquia, Finlândia: Utiliza a IA para analisar dados de sensores urbanos, redes sociais e outras fontes de dados para compreender melhor as necessidades dos cidadãos.
  4. Boston, Estados Unidos: Utiliza a IA para melhorar a gestão de resíduos sólidos urbanos, otimizar a coleta de resíduos, e implementar estratégias de higiene urbana mais eficientes, reduzindo custos e melhorando a sustentabilidade.

Importa também referir que nem só as grandes cidades poderão obter benefícios relevantes no uso da IA. Ela pode ser particularmente relevante no reforço da ligação e do trabalho concertado entre áreas urbanas e territórios interdependentes. Nestes casos, a utilização conjunta e integrada da IA poderá permitir sinergias na tomada conjunta de decisões que otimizem os benefícios e a utilização dos recursos disponíveis.

Para começar, e no imediato, importa que os gestores urbanos comecem por criar as condições para a implementação de centros de competências em IA nos setores que governam. Em simultâneo, devem também definir de forma clara e bem comunicada o modelo de governo e de utilização ou recurso à IA, sem descurar o primado da preservação dos temas de cumprimento legal, ético e normativo, de proteção de dados pessoais e de riscos cibernéticos. Gradualmente, deverão começar a testar e a monitorizar o impacto das decisões assentes ou suportadas na metainformação assentes na IA, avaliando a eficácia dos resultados obtidos comparativamente às expectativas iniciais. À medida que se vai adquirindo experiência, conforto e confiança na tomada de decisões com suporte em IA, deverão ser implementadas medidas de controlo que assegurem o bom uso destes instrumentos e, claro, o respeito das orientações políticas e de responsabilização.

Com racionalidade, equilíbrio e devida ponderação emocional, o uso da IA na governação urbana é uma enorme oportunidade para a otimização de recursos para o reforço da inteligência no uso dos territórios e isto, sim, é SMART!

Não esperemos, pois, resultados rápidos e infalíveis, mas, sim, abordagens diferentes e inovadoras na forma como se decide a governação das cidades…

Também no contexto da IA se pode parafrasear Fernando Pessoa: “primeiro estranha-se…. depois entranha-se”!

“Nem só as grandes cidades poderão obter benefícios relevantes no uso da IA. Ela pode ser particularmente relevante no reforço da ligação e de trabalho concertado entre áreas urbanas e territórios interdependentes.”

Publicado por Smart Cities | Ago 2, 2023 | Opinião / Entrevista

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