sexta-feira,22 novembro, 2024

Inteligência Artificial e vulnerabilidade da base da pirâmide social

Os avanços na Inteligência Artificial (IA), e a crescente facilidade de acesso a recursos que fazem uso dela, pautam discussões contemporâneas em relação a seus potenciais benefícios e/ou malefícios em diferentes campos da vida, incluindo os do trabalho e da educação, caros à Besouro e aos programas e projetos que conduzimos. Apesar do boom em torno da temática, motivado pelo lançamento de ferramentas “pulverizadas” como o ChatGPT, os debates relacionados à tecnologia não são novidade, assim como não é recente a segregação entre otimistas e pessimistas em suas análises sobre contextos em que ela estará cada vez mais presente. Ponto pacífico parece ser, no entanto, o entendimento de que os avanços da Inteligência Artificial e do seu emprego constituírem processos irreversíveis.

Em 2021, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) aprovou o primeiro marco normativo mundial a tecnologia. A Recomendação Global sobre Ética em Inteligência Artificial, redigida por um grupo de 24 especialistas, reforça que a IA pode ser de utilidade para a humanidade, mas que, se mal-empregada, também tem potencial para ampliar a discriminação, a desigualdade, a exclusão digital, as ameaças às diversidades (cultural, social e biológica) e as divisões sociais ou econômicas. Os autores, no documento, apresentam recomendações políticas concretas no sentido de favorecer as boas práticas relacionadas ao uso do recurso.

No que diz respeito a educação e pesquisa, por exemplo, sinalizaram a necessidade de alfabetização de públicos sobre Inteligência Artificial em todos os níveis e todos os países, assim como de desenvolvimento de habilidades digitais, programação, pensamento crítico e criativo, trabalho em equipe, comunicação e ética, e de educação midiática e informacional. Já sobre economia e trabalho, as indicações incluíram colocar em funcionamento programas de aperfeiçoamento e requalificação profissional, encorajar e apoiar pesquisadores a analisarem o impacto dos sistemas de IA nos ambientes de trabalhos locais, para antecipar tendências e desafios. Esta última é uma tarefa fundamental, porém árdua e ainda não realizada. A ausência de uma clareza sobre o que virá – como, para quem e em que ritmo – conforma um cenário povoado de incertezas.

Para nós da Besouro, obviamente, é difícil antever os impactos da IA entre os públicos-alvo prioritários de nossas ações, ou seja, entre os cidadãos que estão na base da pirâmide social. Acreditamos, sim, na possibilidade de os novos recursos (e o contato com eles) contribuírem para melhores educação e trajetórias de vida das populações. No entanto, há muito a ser realizado para fazer com que o conhecimento crítico sobre a tecnologia chegue a todos e para (especialmente os jovens) acumulem as competências necessárias para empregá-la de maneira produtiva e ética. Os desafios nesses sentidos incluem a falta de infraestrutura às carências de professores capacitados e de recursos econômicos para acesso a produtos e serviços que incorporam IA. Para grupos de pessoas mais maduras, em condições de vulnerabilidade socioeconômica, o cenário de transformação vivido talvez seja ainda mais desafiador por eles reunirem gente que cresceu com menos contato com recursos tecnológicos avançados, o que, por si só, amplifica a dificuldade de familiarização com as novidades e o seu emprego.

Independentemente das incertezas, na Besouro procuramos contribuir para a reflexão sobre Inteligência Artificial para que mais cidadãos tenham contato com ela (na teoria e na prática). Fazemos ao nos inserir em parceria para a condução iniciativas que, de forma mais ou menos intensa, abordam o assunto. Por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro somos responsáveis, junto com a Secretaria Especial da Juventude Carioca (JuvRio), pelos Espaços da Juventude, em que cariocas com idades entre 15 e 29 anos acessam cursos gratuitos nas áreas de inovação, tecnologia e empreendedorismo.

Nas capacitações que tangem a indústrias 4.0 e à internet das coisas, apresentamos aos participantes novidades em IA já presentes no dia a dia, incluindo ferramentas que ajudam a criar logotipos, nomes e marcas, por exemplo. A ideia é colocá-los em contato com as soluções, mas também estimular análises sobre os potenciais da tecnologia, incluindo as relativas à sua capacidade de substituir (ou não) a mão de obra e a criatividade humanas.

O simples fato de organizações (públicas ou privadas) investirem quantias significativas de capital em Inteligência Artificial e pretenderem ampliar esses dispêndios nos próximos períodos – como indicam pesquisas – sinaliza claramente que ela tem um potencial positivo. Afinal, os aportes acontecem porque há retornos, materiais e imateriais, dos lucros ao bem-querer, proporcionados pela IA. O que nos coloca em alerta, no entanto, é o fato de habitarmos um planeta em que persistem desigualdades injustificáveis e, ainda, a possibilidade de elas crescerem (sugiro a leitura de um artigo, amplamente difundido, da pesquisadora Yingying Lu).

Portanto, parece-me natural a dúvida sobre se os públicos mais vulneráveis, como o composto pelos empreendedores das periferias, encontrarão apoio e condições para usufruírem as vantagens da inteligência artificial. Mais uma vez estamos diante de um momento em que os governos e grandes organizações têm a oportunidade de optar por impulsionar o desenvolvimento sustentável ao democratizar o acesso a uma tecnologia. Se fizerem isso com relação à inteligência artificial, possivelmente catalisarão as chances de ela ser um instrumento para resolução de problemas sociais, econômicos e ambientais concretos que afetam milhões de pessoas no planeta.

Fonte: Exame

Redação
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