Quase 70% dos brasileiros não possuem plano de saúde, segundo estudo realizado pelo Serviço de Proteção ao Crédito, e dependem do Sistema Único de Saúde para receber atendimento. Se por um lado, as filas de espera para atendimento na saúde pública podem levar meses, por outro, há a oportunidade para que empreendedores testassem novos modelos de negócio, usando a tecnologia e o relacionamento com clínicas, laboratórios, hospitais e farmácias.
Um desses negócios que surgiu nessa esteira é a Vidia, uma plataforma que viabiliza cirurgias eletivas para pessoas que não possuem plano de saúde.
A chamada healthtech faz isso por meio de parcerias com hospitais particulares, oferecendo valores em média 40% mais acessíveis na comparação com o mercado, e com muitas opções de pagamento. Entre os procedimentos disponíveis pela plataforma estão desde cirurgia de catarata unilateral ao custo de R$ 3,179 até lipoaspiração abdominal por R$ 21.399, segundo valores checados em setembro de 2022.
Ontem (12) a startup anunciou uma captação de R$ 9 milhões em uma rodada Seed, liderada pela Caravela Capital, que também contou com a participação da K50 (EUA), Preface Ventures (EUA), Niu Ventures, Verve Capital, Aimorés Investimentos e Head & Heart (EUA). Este novo aporte é somado ao investimento de R$ 4 milhões em uma rodada liderada pelo fundo Canary, que investiu na Loft, e seguido pela Aimorés e investidores-anjo, a companhia também foi acelerada pelo hub de inovação do Hospital Albert Einstein.
Vindo do setor de tecnologia, Thiago Bonini, fundador da Vidia, escolheu empreender no setor de saúde por enxergar, em suas palavras, “um mar de problemas e um mar de possibilidades”. O número de beneficiários de planos varia entre 45 e 50 milhões no Brasil. Ao mesmo tempo, o setor vive um aumento nos custos dos planos e poucas ofertas de produtos individuais. Do outro lado estão os hospitais que ficam com 60% do tempo dos centros cirúrgicos sem uso.
Essencialmente, o que a empresa faz é negociar pacotes com preço fixo e condições facilitadas de pagamento. “O hospital tem a intenção de formar o pacote para aumentar sua ocupação e o cliente consegue ter previsibilidade ao contratar um serviço de maneira particular”, diz Bonini.
São sete as formas de pagamento disponíveis: cartão, pix, boleto, financiamento, boleto parcelado, crédito com garantia e ‘vaquinha’. “Os clientes podem, pela nossa plataforma, abrir uma vaquinha para arrecadar dinheiro de parentes e amigos para realizar a cirurgia”, conta Bonini.
Uma das pessoas foi Thiago Carrasco, cabeleireiro de 31 anos, sem plano de saúde, que sofria com uma hérnia por quase um ano e não conseguia atendimento pelo SUS. Carrasco foi convencido pelo seu namorado a fazer uma vaquinha e pagar pela cirurgia. “Achei que ninguém ia doar, porque as pessoas pensariam que eu ia usar o dinheiro para outra coisa. Mas conseguimos chegar ao valor em um mês e meio. “Completamos o valor em uma terça-feira, e na quinta-feira seguinte fiz a cirurgia”, afirma.
Outra companhia que atua no crédito para o setor de saúde e beleza é a DrCash, que financia procedimentos, tratamentos e até medicamentos para os pacientes em clínicas particulares, farmácias e consultórios odontológicos.
Criada em 2019, a companhia já viabilizou 40.000 procedimentos e anunciou, em agosto, o lançamento de uma linha de crédito específica para cirurgia de catarata com alta tecnologia. “Nosso objetivo é dar crédito acessível a pessoas que não têm crédito suficiente para fazer a cirurgia de catarata ou que não são cobertas por convênios e pelo SUS. A ideia é unir forças para dar à população o atendimento que ela merece”, afirma o CEO e cofundador da DrCash, Gabriel Meireles.
Lançada um ano antes, em 2018, a Sami, que começou oferecendo planos de saúde empresariais para MEIs e pequenas empresas, expandiu, em agosto, sua atuação para companhias de grande porte e pretende encerrar o ano com um faturamento de R$ 60 milhões. Estamos avançando uma média de 10% ao mês, tanto em faturamento quanto em novos contratos”, afirma Vitor Asseituno, presidente da empresa.
Tendo entre seus investidores os fundos DN Capital (UK), Redpoint eventures, Canary, Valor Capital Group e monashees, em 2020 a startup recebeu o maior investimento Série A em saúde da história da América Latina, e, em 2021, com extensão desse aporte, superou R$ 200 milhões captados.
Este ano, para conter a queima de caixa, a startup precisou demitir 15% do seu quadro. A gestora de saúde Alice, que propõe uma alternativa ao convênio médico tradicional também precisou fazer um ‘redimensionamento’ do quadro e demitiu pouco mais de 60 funcionários meses após receber um aporte de US$ 127 milhões, cerca de R$ 680 milhões, em uma série C.
Investimentos para iniciantes
Segundo o Inside HealthTech Report, estudo elaborado pelo Distrito, startups que oferecem soluções focadas na otimização da gestão de clínicas, hospitais e laboratórios representam 28,44% das empresas de tecnologia dedicadas à saúde. Em seguida, as duas outras categorias que possuem uma proporção acima de 10% são as de Acesso à Saúde e Telemedicina com 12,46% e 11,96%, respectivamente.
O levantamento também mostrou que, superando as expectativas, 2021 registrou US$ 44 bilhões em financiamento da inovação na saúde: um aumento de quase 16 vezes comparado com os primeiros investimentos no setor, em 2013. Esse padrão de aumento de aportes já está, indica o estudo, incorporado nos investimentos ocorridos no primeiro semestre de 2022, já que, apesar dos números não serem comparáveis aos do mesmo período de 2021, superaram todo o financiamento de 2020.
E mais: desde 2020 até o começo de 2022, o valor investido no setor de healthtechs representa mais de 70% do total investido na última década. Mas nos últimos anos, o tipo de investimento mudou. Enquanto em 2021, a maior parte dos aportes (US$ 240 milhões) foi feita em series C, neste ano, até agora, o que concentrou a maior parte dos cheques foram as rodadas em series A (US$ 51 milhões).
Este ano também registrou maior volume de investimento em rodadas pré-seed (US$ 7 milhões). Uma das companhias que recebeu esse tipo de capital foi a ProBrain, que cria soluções tecnológicas para estimular as habilidades auditivas e cognitivas e recebeu um aporte de R$ 800 mil.
Metade do dinheiro veio da iniciativa de fomento à pesquisa da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, a Eretz.bio, que já havia investido R$ 600 mil na empresa. “Acompanhamos atentamente a evolução e os indicadores da ProBrain, e observando o crescimento e o potencial de escalabilidade, decidimos por realizar o follow-on nessa rodada”, comenta Rodrigo Bornhausen Demarch, diretor executivo de Inovação do Einstein.
Para a cofundadora e CEO da ProBrain, Ingrid Gielow, a nova rodada vai contribuir para o desenvolvimento de “soluções tecnológicas inovadoras, acessíveis, democráticas, validadas cientificamente e que impactam a compreensão, a aprendizagem e a comunicação das pessoas”, e possibilitará a expansão do foco para pessoas com mais de 60 anos.
O desenvolvimento da startup foi o que atraiu o fundo que assinou a outra metade do cheque: a Bossanova. “As startups nas quais investimos passam por um processo intenso para identificarmos as melhores características no time e no negócio e a ProBrain tem tudo que procuramos. Recebemos com satisfação a ProBrain em nosso portfólio de startups investidas”, afirma João Kepler, CEO da Bossanova.
Além da ProBrain, a Bossanova Investimentos criou, em parceria com o Hospital Dona Helena, um comitê de investimentos voltado a healthtechs.
O projeto foi lançado no último dia de agosto e apoiará startups em saúde com o objetivo de apoiar soluções inovadoras no setor. Segundo Kepler, o lançamento do comitê conversa com o desejo das duas instituições de fomentar o ecossistema de healthtechs. “A partir dessa parceria, nós temos a oportunidade de democratizar mais o investimento em startups de saúde e o Hospital Dona Helena de avançar com sua área de inovação, junto ao Smart Money possibilitado pela Bossanova”, conta Kepler. Os valores investidos por startup são entre R$ 100 mil e R$ 500 mil, e definidos por um comitê de investimentos.
Por: Mariana Amaro