sexta-feira,22 novembro, 2024

Índices ambientais atraem investidores em busca de negócios sustentáveis e seguros

Índices ligados à agenda ESG utilizam metodologias próprias para avaliar empresas com ações socioambientais consistentes. Especialistas apontam desafios e oportunidades no processo.

agenda ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança Corporativa) tem ganhado cada vez mais atenção dos investidores financeiros. No primeiro quadrimestre de 2023, os fluxos líquidos de investimentos em fundos ESG de dívida, ações e multiativos atingiram US$ 25,5 bilhões, representando o melhor trimestre desde 2022, segundo dados da empresa norte-americana de serviços financeiros Refinitiv Lipper.

Uma das principais formas de identificar empresas que atendem a critérios ESG são os índices ambientais, presentes nas bolsas de valores de todo o mundo. Atualmente, os índices de sustentabilidade estão em 135 países, segundo o Global ESG Index 2021. Eles utilizam metodologias próprias para selecionar e apresentar aos investidores empresas com ações socioambientais consistentes.

Surgido há quase três décadas, o Dow Jones Sustainability Index (DJSI), da Bolsa de Valores de Nova York, é o pioneiro. Outros destaques são o Nasdaq-100 ESG Index, também de Nova York; o chinês SSE Sustainable Development Index, da Bolsa de Xangai; o japonês S&P/JPX 500 ESG Score Tilted Index Series, da Bolsa de Valores de Tóquio; o FTSE4GOOD, da Bolsa de Valores de Londres; e o europeu Euronext Euro 50 ESG EW.

Na América Latina, o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), da B3, é considerado o mais importante pelos especialistas. Ele foi o quarto índice de seu tipo lançado no mundo, em dezembro de 2005, e desenvolvido concomitantemente ao JSE SRI Index, da Bolsa de Johanesburgo, na África do Sul.

Outro destaque é o Índice ESG da empresa norte-americana MSCI. Criado em 1990, ele é um dos mais antigos e foi desenhado para expor o investidor a companhias com alto padrão ESG, excluindo da lista aquelas com produtos que podem ocasionar impactos negativos socioambientais, como a indústria do álcool, tabaco e armas. “Há também um índice de ESG da MSCI focado no Brasil, lançado em 2007, e composto pelas companhias com as melhores práticas ESG do país, que performou +36% acima do índice MSCI Brasil entre 2008 e 2019″, aponta Marcella Ungaretti, head de ESG do Research da XP.

Apesar da metodologia dos índices variar, em geral, a seleção de empresas que os compõem se baseia em respostas a questionários anuais e comprovação dos dados. “Os índices costumam pedir evidências públicas das informações alegadas nas respostas, como políticas, documentos ou relatórios anuais ou de sustentabilidade auditados”, explica Alexandre Gazzotti, analista ESG sênior da Itaú Asset, acrescentando que essa é uma forma de evitar greenwashing e bluewashing, prática de marketing enganoso que exagera, respectivamente, o compromisso ambiental e social de uma empresa. “As companhias com a melhor performance são incluídas. Caso a empresa não apresente evidências adequadas, sua pontuação na questão ou no geral pode ser prejudicada”, acrescenta.

De acordo com o especialista, os índices ESG facilitam a escolha do investidor ao trazerem as empresas avaliadas com melhores práticas, poupando o eventual trabalho de uma avaliação por conta própria. “A maior facilidade em saber quais empresas possuem uma boa performance ESG e não estão envolvidas em controvérsias pode fazer com que a base de investidores dessas empresas aumente, contribuindo positivamente para o aumento do valor de suas ações ou redução em seu custo de capital”, avalia.

Atrativos

Segundo pesquisa da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) realizada em 2021, para 87% das instituições financeiras, a pauta ESG ganhou mais relevância em comparação com o ano anterior. Além disso, quase todas as casas consultadas (90%) afirmaram que a sustentabilidade teria ainda mais relevância para o mercado de capitais nos 12 meses seguintes considerando aquele ano.

“Negligenciar um risco ambiental, por exemplo, pode comprometer o retorno de um investimento”, diz Luiz Pires, gerente de Sustentabilidade e Inovação da Anbima. “Por isso, questões ESG tomam cada vez mais espaço na agenda da indústria de investimentos, sendo pauta desde a gestão do portfólio até a alta administração, passando pela própria atuação ESG das instituições financeiras como companhias.”

Entre as vantagens de se investir nas empresas selecionadas para compor os índices ESG está a percepção de que as empresas que demonstram compromisso com o meio ambiente são mais responsáveis e sustentáveis a longo prazo, sendo menos expostas à volatilidade do mercado em comparação a outras companhias.

“Os investidores reconhecem que questões ambientais, como mudanças climáticas e escassez de recursos, podem afetar significativamente os resultados financeiros e a reputação de uma empresa”, explica Ana Buchaim, vice-presidente de Pessoas, Marketing, Comunicação, Sustentabilidade e Investimento Social Privado da B3. “Companhias que se preocupam com o meio ambiente tendem a ter um menor risco de exposição a esses fatores e podem ser vistas como mais resilientes, preservando seu valor.”

Além disso, as empresas selecionadas pelos índices sinalizam que podem se beneficiar das oportunidades relacionadas à economia verde e à transição para uma sociedade mais sustentável. “À medida que as preocupações ambientais se intensificam e a legislação ambiental se torna mais rigorosa, companhias que se adaptam e incorporam essas questões em suas estratégias de negócios podem se destacar e atrair investidores interessados em obter retornos financeiros alinhados com um impacto positivo”, afirma Ana.

Corrente sustentável

De acordo com a pesquisa Reporting and Institutional Investor Survey, de dezembro de 2022, da empresa de auditoria e consultoria EY, 78% dos investidores acreditam que as companhias devem fazer investimentos que abordem questões ESG. Além disso, 99% dizem utilizar as divulgações de ESG das empresas para decidir sobre seus investimentos.

Globalmente, já são mais de US$ 35 trilhões em ativos sob gestão administrados por fundos que definiram estratégias ESG, o que corresponde por 36% do total sob gestão no mundo, cita Marcella Ungaretti, da XP. “Ao mesmo tempo, quando analisamos o número de signatários dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI), esse número já supera 5 mil instituições, com a Europa concentrando a maior parte dos signatários”, diz. “No Brasil, há um número crescente de gestoras integrando ESG na seleção de ativos, como exemplificado pelo número crescente de signatários locais do PRI — de 42, em 2018, para 125, em 2022 — embora o caminho adiante ainda seja longo, considerando que o país ainda representa menos de 1% do total do mundo.”

Segundo Claudinei Elias, CEO e Fundador da Bravo GRC, a importância dada à pauta pelos investidores só deve crescer. “Em dez anos, a economia global vai estar na mão da geração dos millennials em diante – e elas têm uma tratativa robusta em relação à sustentabilidade”, diz. “As empresas precisam ter práticas sustentáveis, mesmo as que estão fora das bolsas, porque elas fornecem para companhias de capital aberto que exigem essas práticas também. Se tornou uma demanda de mercado, de consumo.”

Os índices ambientais estimulam as empresas a sistematizar suas práticas sustentáveis e declará-las aos investidores, que esperam informações transparentes com base em métricas confiáveis para tomar suas decisões. “ESG é o futuro do planeta, vai além das estratégias de investimentos sustentáveis”, diz Claudinei. “Os índices ESG são extremamente importantes para os investidores, pois fornecem uma visão clara e objetiva da performance de boas práticas das empresas inscritas.”

A existência desses índices também incentiva a maior adoção de práticas ESG pelas empresas. Segundo Ana, da B3, isso se dá através do interesse das empresas listadas se diferenciarem e destacarem diante dos investidores, utilizando a participação na carteira como um reconhecimento de sua atuação em sustentabilidade; e do estabelecimento de agendas mais sustentáveis para as empresas.

Os índices estimulam ainda uma corrida pela sustentabilidade no setor empresarial. “As que buscam serem incluídas nesses índices utilizam as questões como um guia de boas práticas que precisam ser cumpridas”, afirma Alexandre, do Itaú. “Anualmente, as empresas revisam as questões e buscam evoluir suas práticas para não serem excluídas do índice.”

O questionário do ISE B3, por exemplo, é adotado como base de orientação e estudo por consultorias e empresas de todos os portes. Empresas não elegíveis podem participar do Simulado ISE B3, em que a companhia preenche o questionário e recebe um relatório de desempenho detalhado. Em 2022, 100 companhias fechadas participaram.

“Esse crescimento no interesse aumentou também a diversidade de empresas e setores presentes no processo. Atualmente, temos no processo seletivo a participação de empresas que estão iniciando sua jornada na gestão da sustentabilidade, o que é muito positivo”, afirma Ana, da B3. “A participação no processo do ISE deve ser para as empresas uma oportunidade de autoconhecimento, desenvolvimento e transparência. Não é algo reservado apenas para as ‘campeãs da sustentabilidade’.”

Desafios

A falta de padronização e transparência nas métricas e metodologias utilizadas para avaliar as práticas ESG das empresas ao redor do mundo é apontada pelos especialistas como um dos desafios em relação ao funcionamento e à consolidação dos índices ESG. “Aspectos ambientais relevantes aos negócios variam muito entre setores, e caso esse ponto não seja adequadamente abordado durante a elaboração do questionário do índice, o resultado pode ser um índice com uma participação desproporcional para determinado setor”, elucida Alexandre Gazzotti, do Itaú Asset.

“A ausência de diretrizes claras e universais dificulta a comparação, levando a interpretações subjetivas ou equivocadas dos dados”, afirma Ana Buchaim, da B3. “O ISE, por meio de seu questionário objetivo, setorizado e referenciado nos principais padrões de reporte, como GRI e SASB, permite aos investidores e demais partes interessadas analisar a agenda de sustentabilidade das companhias de forma consistente”, defende.

A 18ª carteira do ISE, anunciada em 2023, reúne 68 ações de companhias de 27 setores. Em 23 janeiro, as companhias da carteira somavam juntas R$ 1,74 trilhão em valor de mercado, 41,08% do total do valor de mercado das companhias com ações negociadas na B3. “Ao longo de seus 18 anos, houve diversos períodos em que o ISE apresentou rendimento acumulado consistentemente superior ao do Ibovespa, o que reforça a tese do índice de que empresas comprometidas com a sustentabilidade geram valor a longo prazo”, afirma Ana. Ainda assim, apenas cerca de 20% do total de empresas listadas na B3 fazem parte do ISE.

“No Brasil, apesar do ISE e de fundos ESG dedicados, os investidores ainda não possuem uma posição relevante nesse tipo de estratégia”, explica Alexandre, do Itaú Asset. Ele destaca a importância da educação financeira para esclarecer os benefícios dessas estratégias, bem como seu papel na construção de um futuro mais eficiente na alocação de recursos e uma economia menos intensiva em carbono.

Para Claudinei, da Bravo GRC, outra limitação é o fato de os índices não garantirem as ações sustentáveis declaradas pela empresa. “Monitoramento é um problema global. Já fizeram parte dos índices ambientais em todo o mundo empresas que, depois, revelou-se terem problemas gravíssimos relacionados à ESG”, diz. “Os índices são uma fotografia e não um filme. Em determinado momento, aquela empresa estava com práticas positivas e isso pode melhorar ou piorar.”

O especialista pondera que os mecanismos dos índices ambientais não têm poder de polícia ou de auditoria sobre as organizações e ainda não existe uma ferramenta de comprovação à prova de falhas. Mas observa que a tecnologia tem avançado muito e deve ajudar a melhorar a avaliação de forma acelerada nos próximos anos, especialmente com a participação da Inteligência Artificial nas validações.

Tendências e soluções

Segundo Ana, da B3, existe uma disponibilidade cada vez maior de dados e de ferramentas para coleta e análise, além da construção de padrões internacionais para avaliação ESG das empresas. Ela acredita que a avaliação por critérios de sustentabilidade deverá ser cada vez mais baseada na compilação e análise automatizada de dados, ajudando a melhorar a objetividade. Além disso, organizações internacionais têm sistematizado os critérios e normas de sustentabilidade, auxiliando na padronização.

“Vistas e apresentadas como complementares, essas várias iniciativas precisam ser contempladas de forma atualizada por índices como o ISE B3, que, desde sua origem, coloca-se como um instrumento para avaliação abrangente da sustentabilidade empresarial”, afirma. Para mitigar os riscos relacionados à qualidade e à confiabilidade dos dados fornecidos pelas empresas, o ISE, por exemplo, “conta com instrumentos como avaliação qualitativa das respostas e acompanhamento das empresas da carteira por fornecedor externo, em relação ao risco ESG, a RepRisk”, afirma a analista.

A RepRisk é uma empresa de atuação internacional dedicada ao monitoramento de notícias que possam revelar a exposição de empresas a riscos ESG. O ISE utiliza o seu monitoramento diário para identificar incidentes envolvendo empresas da carteira. “Caso um incidente desse tipo seja detectado – quer pela RepRisk, quer pelas próprias equipes da B3 ou seus fornecedores – um plano de respostas a eventos ESG é acionado. Conforme o caso, o incidente pode resultar na exclusão de empresas da carteira”, esclarece Ana.

Além disso, no questionário respondido por cada companhia que pleiteia integrar o ISE, são sorteadas perguntas para verificação de documentos. “A respondente fornece evidências para suas respostas, e estas são avaliadas tecnicamente pela equipe técnica do índice e por uma empresa de auditoria externa e independente”, afirma.

Os especialistas destacam a tendência do surgimento de mais índices especializados nas temáticas ambientais, incluindo energia renovável, água e hidrogênio. Apenas na B3, são nove índices ESG, entre eles o Índice Carbono Eficiente (ICO2), criado em 2010, que é composto por ações de companhias comprometidas com a transparência de suas emissões de gases de efeito estufa. “Há uma tendência crescente de integrar riscos climáticos nos índices de sustentabilidade, com algumas instituições desenvolvendo índices específicos para riscos climáticos”, acrescenta Claudinei, da Bravo GRC. “É um caminho sem volta.”

Entre os caminhos para fortalecer a agenda ESG nas empresas de capital aberto está conscientizar e engajar a alta liderança das companhias, destacam os especialistas. Também é acentuado o papel dos investidores institucionais e individuais, direcionando seus recursos para empresas que atendam aos critérios de sustentabilidade.

“Além disso, é importante que haja incentivos regulatórios para promover a sustentabilidade empresarial. Regulações mais rígidas, com aumento da transparência na divulgação de informações ESG, podem criar um ambiente propício para o crescimento da parcela de empresas comprometidas”, analisa Ana, da B3.

Texto: Martina Medina, para Um Só Planeta

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