sexta-feira,22 novembro, 2024

Experimento do Inpe identifica locais com maior risco de inundação em cidades

Cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) propõem combinar modelos de previsão de expansão urbana, de mudança do uso do solo e também hidrodinâmicos para criar uma metodologia capaz de fornecer informações geográficas que identifiquem os locais com maior risco de inundações em cidades, inclusive as provocadas por chuvas extremas.

O trabalho pioneiro é feito com base em dados de São Caetano do Sul, na Região Metropolitana de São Paulo. Pode vir a ser usado por outros municípios na construção de políticas públicas e na tomada de decisões para enfrentar os impactos desses fenômenos, podendo evitar, além da destruição de edificações e de infraestrutura, a morte de moradores.

Os resultados preliminares da pesquisa, financiada pela Fapesp por meio de dois projetos (20/09215-3 e 21/11435-4), foram publicados na revista Water. São parte do trabalho do doutorando Elton Vicente Escobar Silva, do Inpe, primeiro autor do artigo.

Teste em São Caetano do Sul
Em parceria com as universidades federais da Paraíba (UFPB) e do Rio Grande do Sul (UFRGS) e órgãos locais, os pesquisadores “testaram” o modelo com os dados da Defesa Civil do município referentes à enchente registrada em 10 de março de 2019, quando três pessoas morreram afogadas e diversas ruas em São Caetano do Sul ficaram com quase 2 metros (m) de altura de água.

“Trabalho há anos com modelagem, tendo foco em mudanças de uso e cobertura da terra em áreas urbanas. Queria conjugar com simulação de enchentes. A oportunidade chegou com o projeto do Elton”, diz à Agência Fapesp Cláudia Maria de Almeida, orientadora de Silva e pesquisadora do Inpe, onde coordena o Laboratório Cities, voltado a pesquisas teóricas e de aplicação em sensoriamento remoto urbano.

E completa: “Um diferencial do estudo é, além de aliar modelagem hidrodinâmica para área urbana à complexidade da rede de drenagem subterrânea pluvial, usar dados reais para parametrizar e validar o modelo. Conjugamos imagens de altíssima resolução espacial e deep learning [aprendizado profundo]. Tudo isso está ligado à big data e às smart cities [cidades inteligentes]”.

Planejamento em defasagem
As discussões em torno do conceito de smart cities começaram em meados dos anos 2010 envolvendo questões tecnológicas, como semáforos integrados ou paradas de ônibus com wi-fi. Recentemente, passaram a incluir temas voltados à sustentabilidade e à qualidade de vida dos moradores.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a população mundial atingiu 8 bilhões de pessoas no ano passado, sendo que 56% vivem em áreas urbanas. Estima-se que até 2050 a população crescerá para 9,7 bilhões de pessoas, das quais 6,6 bilhões estarão em cidades (cerca de 68% do total).

Já a atual taxa de expansão dos municípios é duas vezes mais rápida do que o crescimento populacional. Com isso, a área global coberta por assentamentos urbanos deve subir para mais de 3 milhões de quilômetros quadrados (km2) nas próximas três décadas, o que seria equivalente ao território da Índia.

O planejamento das cidades, porém, não caminha na mesma velocidade. Com a urbanização desenfreada há, por exemplo, mudanças no uso e cobertura do solo, aumento da área impermeável da superfície e alterações da hidrologia. Esse cenário, aliado à maior frequência de eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas, expõe os municípios a vulnerabilidades, como alagamentos, enchentes e deslizamentos em épocas de chuvas.

Cruzamento de dados
Para a modelagem hidrodinâmica, o grupo de pesquisadores utilizou o software HEC-RAS (Hydrologic Engineering Center’s River Analysis System, na sigla em inglês). É um programa de computador que consegue simular o fluxo e a elevação da superfície da água, além do transporte de sedimentos.

Na análise da extensão de áreas inundáveis foram adotados dois modelos digitais de terreno (DTM, na sigla em inglês) com diferentes resoluções espaciais – de 0,5 m e 5 m. O DTM é uma representação matemática da superfície do solo, que pode ser manipulada por programas de computador e é geralmente representada em forma de grade retangular, na qual um valor de elevação é atribuído a cada pixel. Vegetação, edifícios e outras características são removidos digitalmente. Além disso, quatro diferentes intervalos de computação (1, 15, 30 e 60 segundos) foram adotados com o objetivo de avaliar o desempenho das saídas das simulações.

Os melhores resultados foram obtidos com as simulações de resolução espacial de 5 m, que mostraram os mapas de inundação com maior cobertura dos pontos alagados (278 em um total de 286 pontos, ou seja, 97,2%) nos menores tempos de cálculo. Chegaram a mapear pontos de inundação que não foram observados pela Defesa Civil nem por cidadãos de São Caetano do Sul durante a inundação.

“A nossa ideia foi criar uma metodologia de suporte para os tomadores de decisão. Simulamos como será a mudança no uso do solo nos próximos anos e também o que isso impacta na rede de escoamento fluvial. A partir daí, é possível fazer simulações com cenários. Um exemplo é cruzar os milímetros de chuva em um determinado intervalo de tempo para projetar o que pode ocasionar em uma área do município. Com isso, os gestores poderiam tomar decisões visando evitar danos tanto econômicos quanto de vidas perdidas”, afirma Silva.

Informações atualizadas
Os pesquisadores destacam a necessidade de os municípios contarem com bases de dados atualizadas para esse tipo de trabalho, como é o caso de São Caetano do Sul. “O modelo funciona e é alimentado por dados. É importante que as cidades consigam ter bancos de informação atualizados, incluindo registros referentes a casos extremos, como grandes enchentes e inundações”, avalia Almeida.

Intensamente conurbado com a capital e com os vizinhos Santo André e São Bernardo do Campo, o município de São Caetano do Sul tem um histórico de inundações: foram 29 ocorrências entre 2000 e 2022, segundo os pesquisadores.

Por outro lado, é a cidade mais sustentável entre as 5.570 do Brasil, segundo o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC). E, com uma população estimada em cerca de 162 mil moradores, apresenta 100% de domicílios com esgotamento sanitário adequado, 95,4% de domicílios urbanos em vias públicas com arborização e 37% em vias com urbanização adequada (presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio), de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Fonte: Revista Planeta

Redação
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