Vivemos em um momento dominado por tecnologias que prometem performance, automação e personalização em escala. Nunca tivemos tantos dados, métricas e ferramentas à disposição. Porém, será que estamos realmente sabendo lidar com toda essa variedade de recursos no marketing atual?
Em 1969, William Lazer, professor de marketing da Universidade Estadual de Michigan e referência em estudos sobre o papel social do marketing, publicou o artigo Marketing’s Changing Social Relationships em uma das revistas acadêmicas mais respeitadas da área.
Naquela época, os Estados Unidos viviam uma fase de grande crescimento econômico e consumo em massa. Lazer percebeu que o marketing não podia ser apenas uma ferramenta de vendas. Ele precisava ser uma força cultural e social, com responsabilidade sobre os impactos que causava no comportamento e nos valores da sociedade.
No artigo, Lazer defende que o marketing é um meio de alcançar objetivos econômicos e sociais mais amplos. Ele propôs que, além de buscar eficiência econômica e lucro, o marketing deveria assumir um papel ativo no desenvolvimento humano.
Essa visão antecipou ideias que só ganharam força décadas depois, como o marketing social, a responsabilidade social corporativa e o marketing com propósito. E ela continua atual em 2025. Mesmo com tantos avanços digitais, será que não estamos nos distanciando do que o marketing deveria ser?
Uma abordagem recente que se conecta diretamente com essa discussão é o que a estrategista de marca Beatriz Guarezi aponta como um dos grandes desafios do mundo digital: manter o foco no que importa em um ambiente cronicamente online. Hoje, ao buscar engajamento, fórmulas mágicas e vender cada vez mais rápido, muitas empresas acabam esquecendo as pessoas por trás das telas. Ao seguir as regras dos algoritmos, deixam de lado a consistência que constrói relações verdadeiras. E, com tanto conteúdo superficial, perdem o poder das histórias que realmente fazem sentido.
Esse mesmo pensamento sobre o distanciamento entre marketing e pessoas é reforçado na prática por João Branco, ex-CMO do McDonald’s e uma das maiores referências do marketing no Brasil. Ele alerta que “o marketing que parece marketing faz o cliente se sentir usado, explorado, parasitado” e que as pessoas não compram produtos apenas pelo que eles são, mas pelo que proporcionam em suas vidas:
“Ninguém quer comprar o seu produto. As pessoas querem o que o seu produto faz para melhorar a vida delas. É bem diferente.”
João também reforça que, no excesso de métricas e automações, muitos profissionais acabam tratando clientes como números: “Clientes não são arrobas nas redes sociais, não são linhas em uma planilha, não são endereços de e-mail em sua base de dados, nem números em uma fila de atendimento.”. Essa visão nos lembra que, mais do que atrair atenção ou gerar cliques, o marketing precisa criar significado, gerar valor real e construir relacionamentos duradouros. Não se trata de vender a qualquer custo, mas de entender o papel que produtos e serviços desempenham na vida das pessoas.
Em tempos de inteligência artificial, automação e aceleração digital, também precisamos questionar o que estamos construindo e qual legado deixamos em cada interação que criamos. O diferencial sempre estará na capacidade de conectar, entender as necessidades humanas e criar valor que vá além do resultado imediato. O marketing que realmente transforma é aquele que está integrado à estratégia, valoriza impacto e consistência e rejeita atalhos de curto prazo.
Como William Lazer já dizia: o marketing não é um fim em si mesmo. É o meio pelo qual transformamos realidades — de pessoas, negócios e da sociedade.