quinta-feira,04 julho, 2024

Entenda por que macaco-prego-galego foi considerado um mistério para a ciência

Qual a relação entre um naturalista alemão que visitou o Brasil há mais de 370 anos e um primata ameaçado de extinção que habita fragmentos da Mata Atlântica do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e João Pessoa?

A literatura responde: George Margrave, que viajou pelo Nordeste brasileiro como membro da comitiva de Maurício de Nassau, foi a primeira pessoa no mundo a citar, em 1648, na obra ‘Historiae Rerum Naturalium Brasiliae’, o primata endêmico do Brasil que é conhecido atualmente como macaco-prego-galego (Sapajus flavius).

Na época o alemão chamou o primata de ‘caitaia’ e descreveu características físicas como os pelos amarelos brilhantes, nariz pequeno e cabeça arredondada para explicar um pouco mais do animal. Só que a partir daí todo material coletado foi levado para a Holanda e uma confusão que perduraria por séculos começou.

O macaco-prego-galego pode atingir os 42 centímetros contando com a cauda — Foto: Thiago Zanetti
O macaco-prego-galego pode atingir os 42 centímetros contando com a cauda — Foto: Thiago Zanetti

“Mais de um século depois, em 1774, um pintor alemão chamado Johann Schreber retratou esse mesmo macaco chamando-o de Simia flavia”, explica a veterinária e pesquisadora Mônica Montenegro que trabalha com a espécie no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Quase 40 anos depois, o francês Étienne Geoffroy, decidiu rebatizar a espécie como Cebus flavius, mas as discordâncias taxonômicas na comunidade científica aumentaram com a falta desses animais em museus e, em 1949, o macaco-galego-prego foi erroneamente classificado como Cebus libidinosus, outra espécie abundante na Caatinga.

O macaco-prego-galego permaneceu um mistério para a ciência, praticamente oculto nas matas brasileiras. Achavam até que ele não existisse

As fêmeas possuem gestação de aproximadamente 180 dias, com nascimento de um único filhote. O tempo estimado de vida de cada indivíduo é de 40 anos. — Foto: Frederico Acaz Sonntag

As fêmeas possuem gestação de aproximadamente 180 dias, com nascimento de um único filhote. O tempo estimado de vida de cada indivíduo é de 40 anos. — Foto: Frederico Acaz Sonntag

O equívoco perdurou até os anos 90, quando pesquisadores visualizaram na natureza pequenos grupos de macacos-prego com padrões de pelagem diferentes do Cebus libidinosus. Alguns indivíduos iguais aos vistos nas florestas também foram alguns recebidos no centro de triagem de animais silvestres do Ibama em Alagoas, após a apreensão do tráfico ilegal.

“A investigação sobre a espécie teve início em 2003 quando pesquisadores do ICMBio, em conjunto com a Universidade Federal da Paraíba, iniciaram uma busca por estes macacos em áreas de mata de alguns estados nordestinos, assim como análises morfológicas daqueles que estavam em cativeiro ou capturados para o estudo. A partir dos resultados, chegou-se à conclusão que de fato era uma espécie distinta”, diz Montenegro.

No primeiro momento, acreditava-se que se tratava de uma espécie nova de macaco, tanto que foi publicado um artigo em 2006 nomeando o primata como Cebus queirozi. Entretanto, ainda no mesmo ano, outro material de Oliveira & Langguth, que fez um estudo mais aprofundado, o apresentou como uma redescoberta, já que a espécie havia sido retratada e nomeada em 1774, chamado Cebus flavius. Hoje a espécie é reconhecida como Sapajus flavius, devido a atualizações taxonômicas.

O tráfico ilegal de animais silvestres é uma das ameaças à sobrevivência da espécie — Foto: Thiago Zanetti
O tráfico ilegal de animais silvestres é uma das ameaças à sobrevivência da espécie — Foto: Thiago Zanetti

AMEAÇADO DE EXTINÇÃO

Todo desconhecimento acerca da espécie não impediu que o macaco-prego-galego quase desaparece ao longo dos anos, e fosse classificado como “criticamente em perigo” pela IUCN. Atualmente estima-se que existam apenas 1.000 indivíduos da espécie na natureza.

O macaco-prego-galego já foi considerado um dos 25 primatas mais ameaçados do mundo, na lista de 2010 a 2012

“As principais ameaças são perda, fragmentação e isolamento de habitat levando a isolamento populacional, além de retirada de indivíduos da natureza, para criação como pet, e caça. A população encontra-se em declínio continuado, principalmente desde a década de 70, quando houve uma grande redução do habitat na Mata Atlântica (incentivo à conversão da mata em cana de açúcar para produção de álcool)”, esclarece Mônica.

Estima-se que existam cerca de mil indivíduos na natureza — Foto: Thiago Zanetti
Estima-se que existam cerca de mil indivíduos na natureza — Foto: Thiago Zanetti

A ESPÉCIE

O macaco-prego-galego, também conhecido como macaco-prego- dourado, tem a pelagem predominantemente dourada, com mãos e pés pretos. Esse primata chega a medir cerca de 42 centímetros (com a cauda) e pesar três quilos no caso dos machos. As fêmeas, mais leves, pesam até 2,5 quilos.

“Os machos possuem uma barbela (prega de pele pendente sob o pescoço). Essa é a única espécie de macaco-prego que possui essa barbela”, lembra Mônica.

Esses macacos foram flagrados comendo o coquinho do dendê, na Paraíba — Foto: Thiago Zanetti
Esses macacos foram flagrados comendo o coquinho do dendê, na Paraíba — Foto: Thiago Zanetti

Ela acrescenta que esses primatas vivem em grupos que ultrapassam os 30 indivíduos e se alimentam principalmente de frutos e insetos da mata e mais raramente outros itens como pequenos vertebrados.

O amante da natureza Thiago Zanetti já encontrou grupos de macacos-prego-galego na Reserva Particular de Patrimônio Naural Gargaú, em Santa Rita, na Paraíba.

“Esses macacos sempre estão por lá, volta e meia é possível ver eles na reserva, quando está com coquinhos de dendê então fica melhor ainda, eles gostam bastante. São macacos bem legais, é sempre divertido observar eles, principalmente quando estão com os jovens, porque tocal o terror nas árvores”, brinca.

Por: Nicolle Januzzi, Terra da Gente

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