Após o cantor Zé Neto, da dupla com Cristiano, ter criticado a Lei Rouanet e dizer que os sertanejos são pagos pelo “povo”, o financiamento dos artistas do gênero entrou no centro do debate nas mídias sociais. As declarações foram feitas no dia 12 de maio durante um show em Sorriso (MT), ocasião na qual ele também criticou a cantora Anitta.
O Ministério Público do Estado de Roraima abriu um procedimento, em 26 de maio, para apurar a contratação de Gusttavo Lima para uma apresentação na cidade de São Luiz, em que foram empenhados R$ 800 mil.
O município possui 8.232 habitantes, segundo projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Censo 2010, a população do lugar era a menor entre as 15 cidades do estado. Considerando o número, seria como se cada habitante pagasse R$ 97,18 por um ingresso para assistir à apresentação do artista, que está marcada para dezembro, em uma feira de agronegócios.
Já no dia 27 de maio, o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) instaurou outra ação para verificar se existiam elementos para uma investigação de outro exibição do mesmo cantor em Conceição do Mato Dentro, durante a 30ª Cavalgada do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matozinhos.
O cantor foi contratado por R$ 1,2 milhão a partir de recursos de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). A Agência Nacional de Mineração (ANM) explica que as receitas compensatórias devem ser “aplicadas em projetos, que direta ou indiretamente revertam em prol da comunidade local, na forma de melhoria da infraestrutura, da qualidade ambiental, da saúde e educação”.
Além de Lima, também foi acertada a participação de Bruno e Marrone por R$ 520 mil; Israel e Rodolffo, por R$ 310 mil; Di Paulo e Paulino, por R$ 120 mil; João Carreiro, por R$ 100 mil; e Thiago e Jonathan, por R$ 90 mil.
No total, foram gastos R$ 2,3 milhões pela cidade, que possui uma população de 17 mil pessoas, de acordo com estimativa do IBGE no ano passado.
Em comunicado publicado no dia 28 de maio, a administração local cancelou a participação de Gusttavo Lima e da dupla Bruno e Marrone. Em justificativa, alegaram existir uma tentativa de envolver o evento “em uma guerra política e partidária que não tem nenhuma ligação com o município e nem tampouco com a tradicional festa”.
De acordo com os documentos, metade do cachê já deveria ter sido pago aos artistas. O cantor solo receberia R$ 600 mil, em 11 de abril. Já para a dupla, seriam transferidos R$ 130 mil, no dia 16 de março durante a assinatura do contrato, e mais R$ 130 mil, em 11 de abril.
Entretanto, a prefeitura comunicou no último domingo (16) que não havia pago nenhum valor, destacando que “não haverá incidência de multa pelos cancelamentos, já que a previsão contratual exige motivos injustificados, o que não acontece no caso”.
Mas havia previsão de ressarcimento em caso de rescisão contratual, equivalente a 50% do preço acertado (R$ 600 mil para Gusttavo Lima e R$ 260 mil para Bruno e Marrone). Mesmo assim, o município disse que não irá arcar com os custos.
Outra apresentação de Gusttavo Lima, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, com o custo de R$ 1 milhão virou alvo das autoridades. A 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Magé estabeleceu, na última segunda-feira (30), um inquérito civil para apurar os gastos com a festa de aniversário da cidade.
Durante transmissão ao vivo pela internet na segunda-feira, o cantor se colocou “à disposição de qualquer órgão público para ver a veracidade das coisas”. Sobre os valores cobrados, ele argumenta que “não é porque é uma prefeitura que eu vou deixar de cobrar o meu valor.”
“[Dinheiro de prefeitura] eu acho que é uma grande parte para valorizar a arte e os talentos do Brasil. Não é porque a gente faz música que a gente não deve às vezes receber um valor significativo e justo. Se eu custo 1, não é a prefeitura que vai me pagar meio”, acrescentou.
Mas o que é a Lei Rouanet?
Instituído em 23 de dezembro de 1991, durante o governo de Fernando Collor, o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), ficou conhecido como Lei Rouanet devido ao seu criador, o então secretário nacional da Cultura, Sérgio Paulo Rouanet.
Por meio da medida, pessoas físicas e empresas podem patrocinar exposições, espetáculos, livros, museus, galerias e afins, abatendo o valor total ou parcial de seu Imposto de Renda.
Sua concepção original previa o Fundo Nacional da Cultura (FNC), o Incentivo Fiscal e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) –o último nunca foi implementado. Os incentivos ficais prevaleceram, sendo confundidos com a própria lei.
Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), a Lei Rouanet passou por diversas alterações sob a máxima de “desburocratizar e expandir o setor cultural para atrair mais investimentos, gerando mais renda e empregos na área”.
Em fevereiro deste ano, recebeu mudanças, em que foram estabelecidos novos limites:
Limites para captação por proponente:
- Empreendedor Individual (EI), com enquadramento de Microempreendedor Individual (MEI), e para pessoa física, até dois projetos ativos: R$ 1 milhão;
- Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), até cinco projetos ativos: R$ 5 milhões;
- Sociedades Limitadas (LTDA) e demais pessoas jurídicas, até oito projetos ativos: R$ 6 milhões.
Teto de gastos de captação:
- Projeto de tipicidade normal: R$ 500 mil;
- Projeto de tipicidade singular (desfiles festivos, eventos literários, exposições de arte e festivais): R$ 4 milhões;
- Projeto de tipicidade específica (sinfonias, datas comemorativas nacionais, educativos, inclusivos, museus, óperas, bienais, teatro musical e internacionalização da cultura brasileira): R$ 6 milhões.
Limites de pagamento:
- Por apresentação para artista ou modelo solo: R$ 3.000;
- Por apresentação para músico: R$ 3.500;
- Por apresentação para maestro de orquestra: R$ 15 mil;
- Por projeto que tenham custos com Ecad: R$ 5.000;
- Por projeto que tenham custos com direitos autorais: R$ 10 mil;
- Por projeto, para custos com aluguel de teatros, espaços e salas de apresentação, salvo espaços públicos: R$ 10 mil.
Fonte: CNN Brasil