Pesquisa recente divulgada pela corretora de câmbio B&T apontou que o volume de exportação de serviços em tecnologia, incluindo a comercialização de softwares, apresentou um aumento de 32% em 2022 em comparação ao ano anterior. O crescimento vai em linha com a aposta cada vez maior de startups brasileiras internacionalizarem seus serviços, mas ao mesmo tempo, pode gerar uma dúvida: o que fazem os contratantes recorrerem a soluções estrangeiras ao invés de serviços que são oferecidos localmente?
Engenhosidade, senso de adaptabilidade e sistemas à prova de fraudes são alguns diferenciais competitivos que têm feito tecnologias brasileiras ganharem mercado mundo afora. A avaliação é de João Lee, CEO da Simplex, startup franco-brasileira especializada em aumento de tráfego, conversão e vendas online, com clientes em mais de 10 países da Europa, América Latina e Ásia.
Para Roberto Abramovich, professor de Marketing na IÉSEG School of Management, em Paris, o Brasil, apesar de não ser um país com o mesmo nível de desenvolvimento econômico de outros nos quais se espelha, apresenta um mercado, muitas vezes, mais maduro e desafiante tanto pela sua dimensão, número de habitantes e sofisticação de canais de vendas físicos e onlines. “As empresas líderes e bem-posicionadas no país não se dão conta, mas possuem soluções de negócios que podem ser superiores ou ao menos extremamente competitivas em comparação às melhores empresas do ramo. Por isso, olhar para fora e buscar a expansão não somente permite uma possibilidade de crescimento 100% incremental, mas também oferece à startup uma possibilidade de aprender mais sobre si mesma e suas competências de negócio”, complementa.
Com um modelo de negócios altamente escalável de software as a service (SaaS), a Simplex foi uma das oito startups selecionadas, dentre mais de 40, pela Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) para participar da Viva Technology, que aconteceu em Paris . Trata-se de um dos maiores salões de tecnologia da Europa que reconhece as empresas mais inovadoras e com potencial de abertura de operações no continente. Confira, abaixo, quatro diferenciais globais elencados por João Lee.
Mão de obra criativa e soluções ágeis
Muito se fala sobre o custo da mão de obra brasileira que é relativamente baixo, quando considerada a cotação do dólar, favorecendo a contratação de serviços por empresas internacionais. Mas na visão de João, além do fator competitividade em custo, muitas vezes são as startups com um olhar de fora que conseguem resolver problemas que alguém de dentro ainda não conseguiu.
“As soluções brasileiras são ricas em criatividade. Muito disso vem da complexidade do cenário que joga a nosso favor, porque nos obriga a criar soluções mais engenhosas. O resultado são ferramentas focadas na resolução rápida e pragmática das dores do cliente. Quando vamos para fora, isso é um grande diferencial dentro de um mercado bem mais protocolar, como é o caso do europeu, por exemplo”, destaca.
Ferramentas mais flexíveis e adaptáveis
A união da criatividade do brasileiro com o cenário desafiador do país resulta em grande senso de adaptabilidade por parte das startups. As soluções são mais flexíveis em comparação a ferramentas “engessadas” dos outros continentes.
“Falamos que o produto já nasce global neste sentido. Porque ele precisa ser, além de escalável, rapidamente adaptável a outros usos e desafios dos clientes, incluindo os de fora”, observa João, que utiliza a mesma solução de SEO para um grande varejista e um laboratório de análises clínicas.
“Outro ponto importante é que corporações globais vão sempre preferir parceiros que já estão globalizados quando forem realizar movimentos de expansão, justamente porque os produtos terão esta facilidade de atender públicos distintos”, conclui.
Sistemas à prova de fraudes
O comércio eletrônico foi um dos canais que mais cresceram durante a pandemia, cristalizando no brasileiro o hábito de efetuar transações online. Ao lado desta tendência, porém, cresceu também o número de tentativas de fraude. De acordo com o Indicador de Tentativas de Fraude da Serasa Experian, somente em janeiro de 2023, os brasileiros sofreram uma tentativa de golpe a cada nove segundos.
Esta estatística faz com que o investimento em segurança cibernética seja uma premissa para qualquer startup. “Quem consegue implementar suas soluções tecnológicas no Brasil está muito mais preparado para encarar os desafios globais. O cenário brasileiro é desafiador sob diversos aspectos. Na questão da segurança, os sistemas que forem à prova de fraudes aqui se sairão muito bem em outros países, porque a quantidade de crimes digitais que temos é muito grande. Esses percalços se tornam grandes oportunidades de desenvolvimento e um diferencial competitivo”, argumenta João.
Algoritmos mais bem treinados
Sediada no Brasil e na França, a Simplex se enquadra na categoria de startups que já nasceram de olho no mercado internacional, que hoje responde por cerca de 50% de seu faturamento. No meio do caminho, a presença de parceiros locais ajudou na penetração em outros continentes. No entanto, para João, nascer em solo brasileiro não foi um problema e sim um impulso para que as complexas ferramentas viessem a se destacar no exterior.
“Produtos de tecnologia que dependem de treinamento de algoritmos, como os de SEO, vão precisar de uma amostra maior de pessoas e comportamentos. O Brasil é um país de dimensão continental. O Reino Unido cabe no estado de São Paulo. Quando olhamos para um produto que depende de volume e diversidade de acessos, é muito mais fácil treinar o algoritmo aqui e fazer funcionar na Europa do que o inverso”, analisa o CEO.
Foi assim com o carro-chefe da startup, o software Indexa, que utiliza inteligência artificial para identificar termos e expressões mais usados por consumidores nos mecanismos de busca e realizar sugestões de compra por meio da criação automatizada de landing pages personalizadas.