A privacidade nunca entrou tanto como pauta nas reuniões das empresas como entra hoje. Embora a Constituição Federal, no artigo 5º, assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” o mergulho no mundo digital demandou avanços nas questões de segurança virtual. Surge, então, a Lei Geral de Proteção de Dados. E lá nas mesas de reunião, temos a LGPD de um lado e os departamentos comerciais do outro.
Já faz um tempo que queria escrever sobre esse tema, mas a correria tem sido implacável com a minha agenda, me impossibilitando de interromper as urgências para produzir o artigo.
Corta para uma sexta-feira cheia, daquelas bem corridas. Segundo café do dia na mesa, fila de e-mails sendo atacada e meu celular toca. Número desconhecido. Como estava esperando contato de um fornecedor, interrompo a atividade e atendo.
– Bom dia, por favor o Sr. Vinicius?
– Bom dia, sou eu.
– Sr. Vinicius, o motivo da minha ligação é para falar sobre plano de saúde, estou com uma oferta válida…
Interrompo:
– Me desculpe. Onde você conseguiu meus dados?
Telefonema desligado “na caaaara”, como diria Cazé Pecini no glorioso Teleguiado da MTV. Brincadeiras à parte, há males que vem para o bem. Aquela interrupção serviria para algo. Para sentar e escrever.
De departamento de venda de convênio a equipe de corretores de imóveis, ou até gerentes de bancos concorrentes do seu, as ligações chegam de todos os lados com frequência cada vez mais alta. Isso sem deixar de lado aquela loja física que você comprou faz meses que, simplesmente do nada, resolve te bombardear com mensagens no seu whatsapp pessoal. O fato é que as abordagens invasivas são uma realidade da qual, mesmo em tempos de LGPD, não conseguimos escapar.
De todos os princípios, regras e normas que a Lei Geral de Proteção de Dados coloca em pauta, o principal deles talvez seja o mais básico: o consentimento. Se reparar, ele está presente o tempo todo em nossas vidas, nas decisões que tomamos e na maneira como nos relacionamos de forma geral. Uma relação consensual é uma relação baseada no acordo entre partes, onde existe uma concordância de propósito naquele momento.
Partindo desse princípio, ao contrário do que muitos departamentos comerciais pensam, a exigência do consentimento implementado pela LGPD não está aí para dificultar o caminho para as vendas, muito pelo contrário. Ela está aí para melhorar as relações entre as marcas e os consumidores. A medida que o “usuário” se sente mais seguro da forma como seus dados serão utilizados, também se sentirá mais seguro em interagir com as abordagens da empresa. E o melhor: hoje temos dados em abundância para colocar essa tese à prova.
Acontece que a estratégia utilizada por empresas – como a do convênio que me ligou – é muito superficial. E perigosa. É o famoso “faça Y ligações por dia que você consegue fechar X vendas”. Vamos ilustrar um exemplo: suponhamos que eu tenha uma taxa de conversão de vendas de 3%. Isso significa que a cada 100 ligações que eu fizer, fecho 3 vendas. Se estiver pressionado por metas inalcançáveis, ao me deparar com esses dados, o que concluo?
Se eu tenho uma meta de 30 vendas diárias, preciso efetuar 1.000 ligações por dia. Parece simples, não é mesmo?
Como tudo na vida, esses números também têm outro lado. E o que esse outro lado me esconde? Como se sentiram as 970 pessoas que não compraram e foram abordadas de forma invasiva.
Qual é o sentimento que elas ficaram em relação ao meu negócio? Quantas não se importaram com a abordagem? Quantas jamais comprarão da minha marca no futuro?
Em um mundo onde as pessoas se relacionam por telas e não pensam duas vezes antes de fechar o seu site e abrir o do seu concorrente, não buscar respostas a essas perguntas, pode indicar o início do fim da sua marca.
E essa investigação não é simples. Não existem respostas prontas, mas existem caminhos.
Então cabe a nós, profissionais de marketing e comunicação, um olhar atento e profundo às demandas da lei e um alinhamento intenso com os departamentos comerciais, para suportá-los nessa jornada, criando caminhos para que essas relações sejam consensuais e, portanto, qualifiquem as oportunidades e se convertam em relacionamentos mais sólidos e longínquos.
Afinal, vale lembrar: em terra de LGPD, a falta do sim é não.
Por: Vinicius Mancini, fundador da E-Content Lab