O ano de 2021 foi complicado para as seguradoras. O faturamento cresceu, mas não acompanhou o salto dos custos. Na parte de seguro de vida, houve o pico de indenizações por morte em função da covid-19. Nos seguros de carros, a falta de semicondutores na Ásia provocou uma inflação quase que descontrolada nos veículos e de peças. As pessoas também voltaram às ruas, o que aumentou a quantidade de sinistros e, consequentemente, de indenizações.
O resultado desse ano complexo e de custos elevadíssimos no setor pôde ser visto nos números das companhias. Na Liberty Seguros, o faturamento até cresceu de 4,3 bilhões para 4,5 bilhões de reais. O lucro, porém, despencou. Foi de 249 milhões de reais em 2020 para 4,4 milhões de reais em 2021. Uma queda de mais de 90%.
Por isso, não é de se surpreender a comemoração da CEO Patrícia Chacon ao fechar 2022 – o ano seguinte – lucrando 157 milhões de reais. Foi uma elevação de 3.468%. Como ela fez isso? Trabalhando muito com dados, responde a executiva.
“Quando começamos a ter uma indicação que as frequências de sinistros estavam aumentando e os custos também, mapeamos cenários”, diz Chacon. “Testamos cenários de precificação imaginando a inflação passageira, contínua ou em crescimento. Quando vimos que a inflação dos veículos iria se manter por um tempo, conseguimos ajustar rapidamente nossa precificação”.
Não foi a única medida adotada para se recuperar do baque. Para não repassar tudo ao consumidor, também fizeram outras gestões de custo. Uma delas foi na locação de imóveis. Quando viram que o trabalho remoto ou híbrido iria se manter, estudaram quais prédios poderiam devolver. “Reduzimos em 30% nossos prédios. Isso deu uma economia anual muito grande”, afirma a executiva.
Também adotaram outras estratégias:
- Aceleraram a estratégia paperless, com menos uso de papel e mais digitalização.
- Repensar e segurar investimentos para voltar a fazê-los em momentos mais adequados
- Digitalizaram outros processos, como de vistoria. Com isso, otimizar recursos. “Hoje, uma mesma pessoa que fazia cinco vistorias presenciais, consegue fazer oito pela internet”, diz Chacon. “Isso reduz custos”.
Foram fatores que ajudaram a Liberty a atravessar o nevoeiro de 2021 e trazer já bons resultados em 2022, ano em que faturou 5,8 bilhões de reais. Mas não são os únicos números comemorados pela empresa. Em 2023, os valores também estão animando a companhia. No primeiro semestre deste ano, já faturou 2,7 bilhões de reais e obteve lucro líquido de 319 milhões de reais.
“O executivo precisa ter coragem para tomar decisões com base em duas crenças: cliente e balanço”, diz Chacon. “A Liberty sai dessa jornada com mais rentabilidade, crescendo e valorizando as pessoas.Como gestores, temos que colocar metas ambiciosas, mas empoderar times. Eles ajudaram, por exemplo, a ver onde economizar custos. Não são cinco pessoas que decidem, são times inteiros”.
Na visão de Chacon, esses bons resultados vieram não só da estratégia recente de gestão de custos, mas de uma transformação que a Liberty vem passando nos últimos 10 anos.
Quem é Patrícia Chacon
O português quase perfeito pode enganar, mas Patrícia Chacon é equatoriana. Com 17 anos, saiu do Equador e foi morar nos Estados Unidos. Em Nova York, fez graduação em economia com especialização em História da Arte. Foi trabalhar em um museu de arte contemporânea na cidade. Em paralelo, estudava sobre desenvolvimento econômico para população de baixa renda.
“Quando conheci meu marido, resolvemos voltar para América Latina”, conta Chacon. “Fomos para o Equador, onde pude trabalhar com o que eu estudava”.
Em 2008, voltou aos Estados Unidos para um mestrado em Harvard. Foi a partir dessa experiência que ela foi chamada para trabalhar na Liberty em Boston. Há 10 anos, surgiu uma oportunidade para trabalhar na seguradora no Brasil. “Como meu marido é brasileiro, fizemos as malas e fomos. Ou melhor, viemos”.
Como Chacon trabalhou na transformação da Liberty
Dos 11 anos em que a executiva está na Liberty, oito foram liderando a área de transformação da empresa. Ela entrou para resolver alguns problemas do grupo a partir da tecnologia, como experiência de usuário e performance financeira.
“Nosso produto era desenhado muito de dentro da casa, sem ouvir o usuário final”, diz Chacon. “Começamos a fazer pesquisa mensal de satisfação e hoje temos pesquisa de tudo. Com isso, criamos novos produtos em parceria com o cliente”.
Um desses produtos é a Aliro, que é uma seguradora de entrada, com preços mais acessíveis e com opções de seguro mais flexíveis. Já são 1 milhão de apólices vendidas.
Como olharam para interação com cliente
Outro ponto de transformação foi a interação com o cliente. Há 10 anos, quando Chacon entrou no cargo, o cliente comprava um seguro e chegava em casa um papel com a carteirinha do segurado. A executiva trabalhou para digitalizar esse processo. Em 2017, ainda 50% dos clientes da Liberty recebiam a carteira em casa. Hoje, são 2%.
“Por um lado, ouvimos mais o cliente, digitalizamos a companhia”, afirma a executiva. “E mudamos a performance financeira. A Liberty, em 2013, faturava por semestre 1 bilhão de reais. A gente acabou de fechar o primeiro semestre de 2023 faturando 3,3 bilhões de reais. Para mim, a principal conclusão é que conseguimos isso colocando o cliente no centro”.
Hoje, a maior carteira de clientes da Liberty é de automóveis. E a que mais está crescendo é a de seguro de vida. São 3.000 funcionários na companhia no Brasil.
Quais são os pontos de crescimento
Há trilhas de crescimento na mira da Liberty. O seguro de vida foi um dos mais importantes para a empresa passar pela pandemia. A indústria de seguros pagou mais de 7 bilhões de reais em sinistros de covid-19. “E para nós, isso renova o propósito de nosso serviço, que é dar segurança às pessoas”.
Agora, estão apostando em uma plataforma chamada Meu Momento, que permite ao cliente adequar seu seguro de vida ao momento em que está passando: quantos filhos tem, escolaridade, onde mora, etc.
As metas da executiva são continuar aumentando a penetração de seguros para aqueles que ainda não usam o serviço. De acordo com Chacon, só 34% dos automóveis têm seguro de auto. Só 15% das vidas são seguradas. Residência, é menos de 20%. Ela também quer continuar trabalhando com dados, inclusive para aumentar a base de clientes.
O cenário é propício, avalia a executiva. A Liberty Seguros no Brasil foi comprada, no primeiro semestre, pelo Grupo Talanx, dono da HDI Seguros. O valor de transição foi de 1,3 bilhão de euros, cerca de 7 bilhões de reais.
Em 2022, a HDI gerou prêmio bruto de cerca de 4,5 bilhões de reais no Brasil, e após a aquisição da Liberty e das linhas de negócios de varejo da Sompo Seguros a expectativa é atingir um prêmio emitido de 13,3 bilhões.
“Nossa crença se mantém, mas agora vemos um cenário diferente, que acelera a transformação que a gente já estava”.
Fonte: Exame