sexta-feira,22 novembro, 2024

eDNA: a nova técnica que combate efeitos da crise climática

Em outubro de 2023, milhares de profissionais da saúde se reuniram por cinco dias para discutir doenças infecciosas no evento global ID Week, que aconteceu em Boston, nos Estados Unidos. Além de falar sobre os aprendizados da pandemia e discutir como as mudanças climáticas devem impactar a saúde da população, a conferência, promovida pela Infectious Diseases Society of America (IDSA), deu destaque ao eDNA – abreviação de environmental DNA, ou DNA ambiental.

Em uma definição breve, o eDNA é uma tecnologia capaz de mapear o funcionamento de ambientes complexos de uma só vez, usando amostras simples de água, terra ou ar. Funciona assim: à medida que animais e insetos se movem no ambiente, liberam fragmentos de material genético, como células da pele, resíduos e outros fluidos corporais. A mesma lógica vale para as plantas, que têm seus fragmentos espalhados pelo vento.

Com o mapeamento genético desses fragmentos, é possível entender melhor as condições de um determinado ecossistema e determinar a maneira mais adequada para protegê-lo. E tudo com uma precisão sem precedentes. Também dá para avaliar como as mudanças climáticas estão afetando determinado bioma – provocando migrações de espécies, por exemplo – e tomar medidas para reverter seus efeitos.

Fora isso, a tecnologia também permite detectar espécies invasoras, rastrear animais ameaçados ou esquivos e monitorar águas residuais, em busca de doenças e agentes patogênicos. E enquanto as pesquisas tradicionais para mapear ambientes podem levar anos para serem concluídas, a análise do eDNA produz resultados em uma questão de meses.

O primeiro trabalho de eDNA de que se tem notícia foi realizado em 2021, quando a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) decidiu usar a técnica para mapear os oceanos. Mais tarde, o método seria usado no Ártico, para determinar o tamanho da população de ursos polares e seus padrões de movimento. Na América do Norte e na Europa, amostras de eDNA de flores revelaram animais e insetos até então desconhecidos como polinizadores.

As aplicações são incontáveis: no campo da ciência forense, descobriu-se que os genes extraídos do sangue de mosquitos na cena do crime são capazes de identificar vítimas e suspeitos.

De olho no esgoto

Além de todas essas possibilidades, a comunidade científica acredita que o eDNA pode ajudar a prevenir epidemias de uma forma inusitada: pelo monitoramento do esgoto das cidades. “O uso de água de esgoto como ferramenta de vigilância epidemiológica pode mudar o tratamento de doenças”, diz José Eduardo Levi, professor colaborador do Instituto de Medicina Tropical (Laboratório de Virologia) e coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento dos Laboratórios Dasa, que esteve no evento em Boston.

O eDNA permite realizar a amostragem de uma cidade por bairros e, assim, antecipar casos de uma determinada doença; mapear a evolução de epidemias por regiões, com base na análise de vírus excretados; e encontrar agentes que ainda não estavam sendo verificados. “O uso da ferramenta vai se tornar rotina no futuro. Não há outra maneira de amostrar milhões de pessoas de uma vez”, afirma Levi.

No Brasil, ainda não há aplicações da tecnologia. Nos Estados Unidos, o eDNA ganhou força durante a pandemia de Covid-19, quando algumas cidades americanas obtiveram dados sobre o avanço da doença com base no monitoramento do esgoto – e, assim, conseguiram tomar decisões sobre onde e quando montar hospitais de campanha, por exemplo.

Por lá, já existe até mesmo uma briga por esse mercado. Em setembro, os CDCs (Centros Federais de Controle e Prevenção de Doenças, na tradução da sigla) dos EUA fecharam um contrato de milhões de dólares com a Verily Life Sciences, empresa do Google, para monitorar a água do esgoto – e cancelaram o acordo com a Biobot Analytics, que vinha fazendo o trabalho desde 2020.

Desafios e privacidade

Como se trata de uma tecnologia em desenvolvimento, os bancos de dados sobre os ecossistemas ainda são incompletos, o que dificulta montar bases comparativas para obtenção de resultados mais ágeis. Além disso, não existe uma plataforma global unificada de marcadores genéticos: atualmente, menos de 1% de todos os animais tiveram seus genomas sequenciados.

Outro ponto de alerta para os cientistas é o risco de contaminação e, com isso, a possibilidade de resultados falsos positivos. O geneticista Philip Francis Thomsen, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, explica que a contaminação de amostras pode ocorrer em diferentes etapas, desde a coleta em campo até a fase de análises no laboratório.

“No futuro, esperamos que as nossas abordagens baseadas em eDNA sejam mais rápidas e passem de análises de marcadores únicos de espécies para levantamentos de ecossistemas inteiros, o que é nosso objetivo final”, diz Thomsen.

Por Caroline Marino

Redação
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