O período compreendido pelos anos de 2021 e 2022 passará para s História como aquele em que as mudanças climáticas deixaram de ser previsões de cientistas. Não se trata mais de alertas advenientes de modelos matemáticos lastreados em sólidas tendências que se verificavam há mais de 30 anos. Agora vemos as mudanças climáticas no nosso cotidiano, um grande transtorno na vida das pessoas e com enormes prejuízos ao ambiente.
Talvez o preço mais alto esteja sendo pago pelos agricultores, seja por inundações ou por seca prolongada, reduzindo o volume colhido. Mas os consumidores também estão sendo muito afetados, pela escassez e aumento de preços de produtos agrícolas. A inflação dos alimentos situou-se muito acima da inflação geral da economia. Ademais, a sociedade está pagando um preço alto e difuso, como as fortes secas e inundações, com problemas de oferta de água, de energia, de transportes e agravamento de problemas de saúde.
Como lidar com o problema
Estamos começando muito tarde– e ainda timidamente – a enfrentar o problema. O preço maior será pago não por nós, mas por nossos filhos, netos e seus descendentes. Quiçá, daqui a 50 anos, se avançarmos muito na prevenção de emissões e no sequestro de gases de efeito estufa, poderemos mitigar parcialmente os problemas sérios que serão ocasionados pelas mudanças climáticas.
Ao invés de solucionarmos o problema, estamos acelerando o passo rumo ao precipício, um desastre anunciado, apesar de todos os alertas e dos compromissos firmados pelos países, os quais têm sido olimpicamente ignorados, quando avaliados pelo atingimento das metas assumidas. Tomemos o ano de 2021 como referência: as emissões globais de gases de efeito estufa, medidas em CO2 equivalente, atingiram 36,3 Gt, o maior valor da História da Humanidade, de acordo com a Agência Internacional de Energia.
Porém, há uma luz no fim do túnel. São diversas iniciativas, que podem parecer isoladas, mas fazem parte de um quebra-cabeça a ser montado, em torno de um esforço global para mitigação das mudanças climáticas, pela via de redução de emissão ou captura, reciclagem ou imobilização (sequestro) de gases de efeito estufa. Podem não ser ações definitivas, mas indicam um rumo, em que processos otimizados podem auxiliar na solução do problema
Reciclagem
A rota da reciclagem de gases de efeito estufa é uma abordagem recente, ainda muito polêmica. Elencamos a seguir alguns exemplos publicados recentemente na imprensa ou em revistas científicas, para permitir uma análise crítica.
Reciclar gás carbônico parece uma ideia muito atraente, um processo ganha-ganha, algo como fazer limonada do limão. Significa utilizar o CO2 como insumo para produtos demandados pela sociedade, com o fulgor mercadológico do carimbo da redução de emissões. A lógica subjacente é obter produtos (novos, ou que já estejam no mercado) em que o processo de reciclagem evite criar mais emissões de carbono – usando energia renovável ou recursos excedentes que seriam desperdiçados – reduzindo o volume de CO2 que as indústrias expelem para a atmosfera e diminuindo a demanda por combustíveis fósseis usados na fabricação.
Diversos produtos podem ser obtidos dessa forma. Alguns são itens de luxo para o consumidor consciente do clima – vodka ou diamantes, por exemplo. Mas a maioria são itens básicos da economia global: combustíveis, polímeros, outros produtos químicos e materiais de construção. O mercado para esses produtos – hoje limitado a US$ 1 bilhão, tem previsão de crescimento para US$ 70 bilhões até 2030 e US$ 550 bilhões até 2040, de acordo com um relatório da Lux Research, empresa de pesquisa de mercado. A atividade está sendo impulsionada pela redução no custo da energia renovável, aumento dos impostos sobre o carbono e outros incentivos climáticos, em especial na Europa.
Na produção de combustíveis e produtos químicos o principal custo é a energia para produzir hidrogênio, capturar fluxos de CO2 e quebrar as fortes ligações carbono-oxigênio dessa molécula para sintetizar novas substâncias. Por esse motivo é interessante para as empresas localizar fluxos abundantes de CO2 de alta pureza, hidrogênio e calor sobressalentes (como na planta de Tong yez hen) e de eletricidade renovável, de baixo custo.
Energia e química verde
A área de energia tem aguçado muito o empreendedorismo. Alternativamente a projetos grandes e centralizados, existem startups entendendo que será mais barato e mais eficiente converter CO2 dentro de células eletroquímicas modulares menores. Um exemplo é a empresa Twelve, com sede na Califórnia, que desenvolveu um sistema para eletrólise, com as dimensões de um contêiner de transporte, que usa eletricidade de fonte renovável para processar mais de uma tonelada de CO2 por dia em gás de síntese. Esta mistura de monóxido de carbono e hidrogênio é amplamente utilizada como insumo básico para a síntese de produtos químicos, incluindo combustíveis.
Também existem oportunidades para produzir moléculas de carbono mais complexas, mais valiosas no mercado. Pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, desenvolveram um sistema eletroquímico que converte CO2 e água em óxido de etileno, amplamente utilizado para fazer polímeros.
Processos biológicos
A empresa LanzaTech (Skokie, Illinois – EUA) usa biorreatores com a bactéria Clostridium autoethanogenum para fermentar emissões industriais de CO2, CO e resíduos de hidrogênio, produzindo etanol. A bioconversão pode lidar melhor do que os processos químicos quando se trata de fluxos de gases residuais complexos, como os provenientes do lixo municipal. Um reator do gênero, instalado em uma usina siderúrgica do Shougang Group (Tianjin, China), produz etanol por essa via desde 2018. Uma segunda usina começou a operar em uma usina de liga chinesa em 2021, e plantas comerciais na Bélgica e na Índia devem entrar em operação em 2022.
Recentemente a LanzaTech reportou que, com modificações genéticas, suas bactérias poderiam produzir moléculas maiores, como acetona e isopropanol, cuja produção convencional gera enormes emissões de CO2. Importante referendar que, o LCA (Análise de Ciclo de Vida, na sigla em inglês) elaborado pela LanzaTech sugere que sua rota é negativa em carbono – consumindo muito mais carbono do que emite. Entretanto, essa análise não incluiu o que aconteceria com o CO2 quando os produtos fossem usados, em caso de queima ou degradação. Aí está o busílis da questão! Então, vamos a ele.
Ciclo de vida
Ainda é inconclusivo se a reciclagem industrial de CO2 realmente mitiga as mudanças climáticas, porque o CO2 capturado na fase de síntese poderá ser liberado na atmosfera se as moléculas forem queimadas ou degradadas, no curto ou médio prazo. A seu favor pesa o fato de que a reciclagem de CO2 industrial, em produtos químicos, pode reduzir as emissões, se for utilizada energia renovável, evitando o uso de combustíveis fósseis. Ou seja, evita-se jogar na atmosfera o gás carbônico estocado há milhões de anos no subsolo.
O procedimento correto para examinar essas questões é uma análise do ciclo de vida (LCA), uma contabilidade detalhada do carbono envolvido na fabricação e uso de um produto, desde as origens de seu CO2 até seu destino final. Muitas empresas de reciclagem de CO2 dizem que fizeram essas auditorias, mas não as publicam porque envolvem segredos industriais. Assim, a informação depende das LCAs disponibilizadas por empresas que não seriam prejudicadas por sua publicação, ou quando realizada por órgãos públicos ou privados, independentes.
Carbono fixado
Para maximizar os benefícios climáticos, faz mais sentido bloquear o CO2 reciclado em produtos que duram décadas. É aí que entram os polímeros, utilizados em produtos como espuma isolante, colchões, móveis macios, que têm uma vida útil mais longa. É o caso do processo que incorpora CO2 em polióis, que são usados para produzir espumas de poliuretano.
Apesar desse progresso, as projeções sugerem que o uso de CO2 como ingrediente polimérico bloquearia apenas cerca de 10 – 50 Mt de CO2 por ano, até 2050. A maior oportunidade de incorporar CO2 no longo prazo está no concreto e em outros materiais de construção. A tecnologia é comprovada e escalável, com potencial de dominar o mercado de conversão de CO2. Um dos líderes neste setor é a empresa canadense CarbonCure, fundada em 2012. Seu processo envolve o bombeamento de CO2 em concreto fresco, formando nanopartículas de carbonato de cálcio, o que melhora a resistência à compressão do concreto, demandando menos cimento.
Como a fabricação de cimento é responsável pela maior parte das emissões de carbono do concreto, o processo pode reduzir a pegada de carbono de cada tonelada de concreto em cerca de 5% (ou 6 kg de CO2). Aa empresa instalou mais de 550 unidades de injeção de CO2 em fábricas de concreto em todo o mundo, a maioria delas na América do Norte, reduzindo 150 kt toneladas de emissões de CO2, por menor uso de cimento e fixação do CO2. No entanto, o potencial é enorme, pois existem cerca de 100.000 fábricas de concreto em todo o mundo, produzindo mais de 33 Gt por ano, o que poderia significar a neutralização de quase 200 Mt anuais de CO2.
Incentivos
Recentemente, a União Europeia lançou o Pacto Verde Europeu, cuja meta é tornar o bloco neutro em relação às emissões que promovam mudanças do clima, até 2050. A legislação especifica cotas para o uso de combustíveis derivados de CO2 na aviação. Para auxiliar na reciclagem, haverá impostos reduzidos sobre combustíveis à base de CO2, e a promessa de elevado financiamento para inovação para ajudar as tecnologias a serem comercializadas.
Nos Estados Unidos, o crédito fiscal denominado 45Q está ajudando a estimular a conversão de CO2. O incentivo devolve às indústrias US$50 por tonelada de CO2 armazenado permanentemente no subsolo, ou US$35 se o CO2 for reciclado. Na China, embora sem políticas públicas específicas para conversão, as lideranças de sua gigantesca indústria química possuem planos agressivos para investir na reciclagem de CO2. O movimento das indústrias vislumbra retorno financeiro transacionando no mercado de comércio de carbono do país, de acordo com a legislação exarada em 2021.
Inovação
Um relatório da Radboud University (Nijmegen, Holanda) debruçou-se sobre dezenas de LCAs publicadas para comparar rotas de conversão de CO2 com a fabricação convencional dos mesmos produtos. Foram comparadas as economias de CO2 de reciclagem com as metas do acordo de Paris de 2015 – de reduzir pela metade as emissões globais de CO2 até 2030, e de atingir emissões líquidas zero até 2050. Com exceção dos processos que armazenam CO2 permanentemente – como o caso do concreto citado acima – poucos atendem ao disposto no acordo de Paris.
Isso posto, algumas ações podem ser implementadas: 1) reduzir as emissões, com processos sustentáveis, como na agricultura; 2) o uso de energia renovável e a eliminação progressiva de combustíveis fósseis; 3) a eliminação total dos desmatamentos na face da Terra; 4) o reflorestamento de áreas marginais, inservíveis para outras atividades econômicas; 5) capturar e estocar de forma permanente os gases de efeito estufa em produtos não degradáveis ou no subsolo.
A inovação tecnológica – leia-se, elevados, contínuos e inadiáveis investimentos em educação, pesquisa e desenvolvimento tecnológico – é o único caminho para atender a obrigatoriedade de reduzir as emissões, consequentemente as mudanças climáticas. A agricultura e a indústria dependem de novos processos avançados e sustentáveis para lastrear seus sistemas produtivos, de modo a reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Sem Ciência, nada acontecerá.
Tudo isso pode parecer muito caro, mas é o preço a pagar pela insustentabilidade do crescimento econômico e dos hábitos de vida em nosso planeta, ao longo das últimas décadas. E para garantir um mundo menos ruim para nossos bisnetos, já que nossa geração, a de nossos filhos e a de nossos netos serão duramente afetadas pelas mudanças climáticas. O preço será pago em forma de menos comida – logo mais cara – , problemas com abastecimento de água e energia, e mais desastres naturais, decorrentes de extremos climáticos cada vez mais frequentes e mais intensos, que ceifarão vidas, dilapidarão patrimônios e afetarão de forma negativa e muito forte a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, imprescindíveis à vida na Terra.
Por Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Agro Sustentável
Fonte: CCAS
Por: Portal do Agronegócio