Um artigo publicado quarta-feira (9) na revista Cell Host & Microbe descreve a primeira vez que moléculas produzidas por ramos extintos da família humana foram recriadas desde o desaparecimento dessas espécies.
Segundo os autores, além de nos ajudar a saber mais sobre nossos primos há muito perdidos, como os neandertais e denisovanos, há também uma preocupação mais prática: combater patógenos aos quais outros hominídeos podem ter sido imunes.
Chamado de “desextinção”, o processo de “ressuscitar” formas de vida perdidas tem gerado bastante controvérsia nos últimos tempos, com destaque para a ideia de trazer de volta o mamute-lanoso e o tigre da Tasmânia. Tanto a ética quanto a praticidade desses dois projetos foram duramente criticadas.
Aquecimento global pode trazer de volta doenças antigas
Ressuscitar moléculas exclusivas de espécies perdidas pode repercutir tão mal quanto, mas há razões para fazer isso, mesmo que ninguém nunca planeje trazer de volta o animal inteiro à vida.
A desextinção molecular é motivada pela hipótese de que moléculas que concediam benefícios a organismos extintos poderiam ser benéficas no ambiente global atualCesar de la Fuente, Ph.D. em biologia celular e molecular, principal autor do estudo
Segundo o pesquisador, com espécies antigas surgindo da tundra à medida que o permafrost derrete com o aquecimento global, provavelmente não vai demorar muito para que voltem a aparecer doenças que a raça humana não enfrenta desde a última Era do Gelo.
A equipe liderada por De la Fuente acredita que é provável que nossos ancestrais – ou seus parentes mais próximos – tenham desenvolvido defesas contra essas ameaças, que teriam desaparecido quando deixaram de ser evolutivamente úteis. Restaurar alguns dos ácidos nucleicos ou proteínas usados nessas “batalhas” poderia ser um atalho para combater os antigos inimigos no mundo moderno.
De acordo com a pesquisa, aqueles que têm mais ascendência neandertal são mais propensos a ter mantido suas variantes genéticas associadas ao sistema imunológico do que qualquer outra parte do corpo. Isso sugere que, quaisquer que sejam suas outras fraquezas em comparação com os humanos modernos, os neandertais tinham sistemas imunológicos fortes – o que pode incluir alguns componentes que não herdamos, mas deveríamos ter.
Aprendizado de máquina ajuda a recriar moléculas extintas
No estudo, os cientistas produziram 80 fragmentos de proteínas com base em fitas de DNA de neandertais e denisovanos não presentes nos humanos modernos. A equipe usou uma ferramenta de aprendizado de máquina para procurar trechos de genomas de hominídeos antigos que diferem daqueles em humanos modernos, mas têm características para indicar que podem codificar moléculas antibacterianas ou antivirais. Destes, oito foram ativos contra pelo menos um patógeno em cultura.
Conforme destaca o site IFLScience, é claro que ser capaz de matar algo em uma placa de Petri está muito longe de curar os humanos, mas, é o primeiro passo. O antigo peptídeo hominínico CBPZ-GSK24, que mostrou a “atividade antimicrobiana mais forte e de amplo espectro”, ganhou estudos futuros, tendo inibido cinco patógenos – e esses foram apenas os contra os quais foi testado.
Mesmo que nunca usemos essa molécula em si, ela poderia levar a pesquisa por caminhos que ninguém teria pensado de outra forma. A equipe já demonstrou que algumas dessas moléculas também combatem infecções bacterianas em camundongos.
“Ao sintetizar apenas compostos isolados, a desextinção molecular contorna muitos dos problemas éticos e técnicos colocados pela desextinção de organismos inteiros”, observam os autores. Esse é particularmente o caso quando as moléculas vêm de indivíduos com inteligência semelhante à nossa.
As implicações éticas de trazer de volta um animal podem ser complicadas o suficiente se ele não tiver companhia ou habitat intacto. Da mesma forma, é questionável por exemplo, se seria justo para uma mãe elefante forçá-la a se tornar uma barriga de aluguel para um mamute.
Felizmente, esse tipo de problema não existe com as moléculas e, descobrindo o que as proteínas codificadas no DNA de nossos parentes mais próximos podem fazer, podemos entender um pouco melhor sobre nós mesmos.
Fonte: Flavia Correia