Nesta nova Corrida do Ouro, os territórios vastos e férteis dos dados ainda carecem de fronteiras bem definidas e uma sociedade plenamente consciente de contrapartidas e riscos
Cada período da História é único em seu contexto, invenções e comportamentos. Mas como os seres humanos – e por extensão, as organizações – se repetem em suas motivações! Como ensinava Abraham Maslow, buscamos antes de tudo a sobrevivência e a segurança, e, na sequência, pertencimento, reconhecimento e, enfim, autorrealização.
Por exemplo: nada mais parecido com o mundo atual do que a Era das Grandes Navegações, de 500 anos atrás. Espírito de aventura? Temos. Enquanto os europeus do passado se lançavam aos mares atrás de riqueza e glória, hoje enviamos expedições à Marte e planejamos a exploração econômica da Lua. Inovação e novas tecnologias? De novo, sim. Saem bússolas e astrolábios, entram ferramentas preditivas de Inteligência Artificial para traçar rotas e manter o rumo.
No Novo Mundo dos dados, repetimos, também, o modelo de colônias de exploração e de povoamento. No primeiro caso, os antigos navegadores buscavam extrair o máximo de riquezas no menor prazo possível e tchau. No segundo, sem poder voltar atrás, criavam comunidades permanentes e autossuficientes. Dicotomia similar ecoa em como as empresas hoje adquirem e usam os dados dos consumidores.
Há aquelas que os enxergam apenas como oportunidade de riqueza rápida. Com pouca ou nenhuma consideração pelo valor a ser devolvido ao consumidor, até pode gerar crescimento no curto prazo. Mas o modelo tende ao esgotamento, cada vez mais evidente no aumento da pressão regulatória e da conscientização dos consumidores – e, consequentemente, de riscos de reputação.
E há as que optam por abordagens sustentáveis. Investem na construção de relações de confiança com o consumidor, valorizam a transparência, adotam clareza na troca de valor e robustez na governança de dados. A exemplo das antigas colônias de povoamento, visam legados duradouros, focando na construção de ecossistemas equilibrados.
Nesta nova Corrida do Ouro, os territórios vastos e férteis dos dados ainda carecem de fronteiras bem definidas e uma sociedade plenamente consciente de contrapartidas e riscos. Claro que já contamos hoje com marcos digitais robustos, como a LGPD e o GDPR, para proteger direitos e coibir abusos. Mas para o pleno rigor da lei, é preciso consciência do que ela protege.
Um bom exemplo é um botão em que muitos já clicaram por pressa, preguiça, desconhecimento ou incompreensão: “aceitar tudo”. A motivação pode ser informação ou diversão: para ultrapassar o obstáculo até elas, dá-se acesso a informações sobre quem somos e o que nos move.
Há, por certo, os que gastam um pouco mais de tempo e aceitam só “interesses legítimos”. Menos numerosos devem ser os que, sem achar a opção “rejeitar tudo”, dão-se ao trabalho de recusar, um a um, os desconhecidos interessados nos seus dados.
A justificativa mais comum dos que “aceitam tudo” é por terem a vida como um livro aberto. Mas será que têm plena noção do valor comercial dos seus dados e de possíveis consequências se não cuidam deles? E isso para ficarmos somente no terreno das transações lícitas.
Ainda que a viagem histórica aqui não seja para os tempos do Cangaço não Digital, sempre vale alertar para o perigo de dados à deriva por mares digitais nunca dantes navegados.
Mas voltemos às caravelas atuais. Talvez os ventos soprem na direção do contexto da navegação, e não do usuário, para exibir anúncios relevantes. Talvez passem pelo cruzamento de dados que permite, graças à exposição pública em redes sociais, desenhar com precisão o momento emocional ou socioeconômico do consumidor – se está triste pelo fim do namoro, se anunciou casamento e quer comprar casa, se foi promovido no emprego e ganhou mais poder de compra.
Venham diretamente do consumidor (first-party data) ou chegando em profusão de fontes diversas, o fato é que, neste Novo Mundo, as empresas precisam decidir que tipo de território querem construir – e que história desejam escrever – a partir dos dados que os consumidores confiam a elas.
Por: Suzane Veloso