sábado,23 novembro, 2024

Dados médicos e a LGPD: as empresas precisam da autorização dos empregados para compartilhar informações em ações judiciais?

Em processos movidos por empregados é comum que surjam alegações de que determinadas condições de saúde foram acarretadas ou agravadas em razão do trabalho exercido, especialmente em virtude de doença ou acidente laboral.

Nos litígios dessa natureza, é inevitável que dados pessoais sensíveis dos empregados sejam tratados durante o processo, relativos ao seu histórico de saúde.

Um questionamento recorrente de empresas que possuem ambulatório próprio é se as   informações ou documentos que sejam de conhecimento dos médicos do trabalho poderiam ser utilizadas para a elaboração da sua defesa, de modo que seriam compartilhadas entre o ambulatório e o departamento jurídico, bem como com advogados externos da empresa.

Isso porque, apesar da possibilidade de realização de uma perícia médica, mediante a nomeação de um perito judicial, o qual inclusive tende a solicitar os documentos médicos pertinentes, o referido procedimento será realizado somente após a apresentação da defesa, razão pela qual seria necessário o acesso, pelo jurídico, em momento anterior.

Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD, todas as atividades de tratamento de dados passaram a ter que estar alinhadas com os princípios previstos no art. 6º da legislação, assim como ser amparadas em uma das bases legais estabelecidas em seu art. 7º (para dados pessoais não sensíveis) e em seu art. 10 (quando envolverem dados sensíveis).

No cenário hipotético acima, há duas bases legais previstas no art. 10 que poderiam ser cogitadas para o tratamento de dados médicos do empregado: (i) o seu consentimento livre, inequívoco e informado, de forma específica e destacada, para finalidades específicas; ou (ii) o exercício regular de direitos do empregador em processos judiciais.

Em relação à primeira, embora seja a que traga menos riscos, é certo que em quase nenhum caso o consentimento seria outorgado, haja vista que a utilização dos dados médicos no processo poderia ser contrária aos interesses do empregado ao contrapor as alegações por ele feitas em sua petição inicial. A negativa, no entanto, especialmente se o consentimento fosse a única base legal aplicável, dificultaria sobremaneira a defesa do empregador.

A segunda hipótese parece ser razoavelmente defensável. Contudo, alguns cuidados precisam ser tomados: (i) é importante que já exista uma demanda judicial em curso antes do compartilhamento das informações; (ii) os dados devem estar limitados ao que efetivamente é necessário; e (iii) deve-se garantir que o empregado tenha conhecimento claro, de forma simples e acessível, a respeito do compartilhamento de dados entre o ambulatório e o departamento jurídico e a utilização dessas informações em demandas judiciais, seja nos contratos, políticas de privacidade ou comunicados. 

Além disso, as informações médicas do empregado devem ser adequadamente protegidas, por meio de medidas de segurança técnica e administrativas, como a criptografia.

Respeitadas essas premissas, o compartilhamento dos dados médicos para fins da defesa do empregador parece ser possível e em consonância com os termos da LGPD, mesmo sem o consentimento do empregado. Por certo que existem questões de sigilo médico que precisam também ser avaliadas em situações como essa, mas no que tange à LGPD parece existir uma alternativa razoável para o uso de dados médicos em demandas judiciais.

Créditos: Felipe Palhares, Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis. Pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV/SP. Sócio do escritório BMA – Barbosa, Müssnich, Aragão. Publicado por: Migalhas.

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