O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu preocupação com o impacto da crise hídrica na política monetária, devido às pressões inflacionárias, e no mercado de crédito. “Estamos falando, de novo, de crise de energia (no Brasil), porque não está chovendo o suficiente. E isso tem efeito na inflação, no preço dos alimentos, em tudo o que fazemos, e está muito ligado ao nosso mandato”, afirmou Campos Neto,
“Os choques (inflacionários por conta da crise hídrica) devem ter impacto, inclusive, na taxa de juros neutra. E quando olhamos para o mercado de crédito, ele também é contaminado”, disse ele, durante videoconferência promovida pelo Bank for International Settlements (BIS, o banco central dos bancos centrais) para discutir a economia verde e uma coordenação entre finanças e clima.
Analistas do mercado já vêm alertando sobre o risco de mudança na política monetária devido à pressão inflacionária cada vez mais forte tanto no Brasil quanto no exterior. Para piorar, com a crise hídrica, o aumento da conta de luz para o consumidor vai contribuir ainda mais para um cenário em que a política de “normalização gradual” da taxa básica de juros (Selic) precisará ser revista.
Com a alta do preço dos alimentos em torno de 15% em 12 meses, especialistas aumentam as projeções para a inflação deste ano no mesmo ritmo em que revisam para cima as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB). E passam a admitir taxas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, perto de 6%, no acumulado em 12 meses até dezembro, acima do teto da meta para o ano, de 5,25%, estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), por exemplo, já vinha prevendo que o IPCA terminaria o ano em 5,8%, antes mesmo de o governo admitir o risco de crise hídrica na semana passada. Na última terça-feira, o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, ao elevar de 3,2% para 4,1% a projeção do PIB, ajustou a previsão do IPCA para 5,8% no fim do ano, “por conta do impacto mais recente em energia e pela continuidade da alta dos preços das commodities”.
Vale reajustou de 5,5% para 6,5% a previsão para a taxa básica de juros (Selic) no fim do ano. “Passamos a considerar que o BC poderá ter que subir a Selic acima de 6,5%, com a inflação, gradativamente, começando a descolar da meta ano que vem (de 3,5%)”, acrescentou. Esse percentual de 6,5% é considerado pelo mercado como o limite da taxa de juros estimulativa, ou seja, acima disso, passa a travar o crescimento.
Durante a introdução no evento do BIS, Campos Neto disse que o Banco Central criou um departamento voltado para assuntos relacionados à economia verde, mas que o grande desafio está sendo fazer essa unidade ganhar uma dimensão institucional. “É preciso sair do papel do departamento, e transformar a cultura, o que é mais difícil”, disse. “Se queremos realmente mudar a cultura, não podemos ser só um departamento, porque esse assunto precisa estar na cabeça de todo mundo”, destacou o presidente do BC.
Pronampe é sancionado
O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem a lei que torna permanente o Programa Nacional de Apoio Às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). O projeto foi aprovado em maio pelo Senado. Inicialmente, a medida foi criada em caráter emergencial, no ano passado, para mitigar os efeitos da crise econômica gerada pelo novo coronavírus. O programa concede crédito com juros reduzidos a micro e pequenas empresas.
O governo destinará R$ 5 bilhões ao programa, mas afirma que o total pode chegar a R$ 25 bilhões, caso conte com a participação de bancos públicos e privados. No ano passado, foram repassados R$ 37 bilhões pelo Pronampe. Do total de R$ 5 bilhões aportados pelo governo neste ano, 20%, ou R$ 1 bilhão, devem ser destinados ao setor de eventos, que foi duramente afetado pela pandemia.
Ontem, Bolsonaro postou nas redes sociais um vídeo no qual aparece ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, do senador Jorginho Mello (PL-SC), autor do projeto no Senado. No vídeo, Guedes afirma que o país vive a “recuperação mais rápida da história econômica brasileira”.
5G: leilão em julho
O governo espera realizar em julho o leilão do 5G, segundo o ministro das Comunicações, Fábio Faria, o edital com as regras para a implementação da tecnologia no Brasil está em análise pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que contesta alguns dos pontos do documento, em especial os preços estabelecidos para a compra das radiofrequências que fornecerão o serviço e as contrapartidas exigidas pelo governo federal às empresas que vencerem o leilão.
Faria explicou que o governo tem fornecido todas as informações solicitadas pelo TCU e disse não acreditar que a Corte vá impor dificuldades para que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) realize o leilão e possa dar início à implementação do 5G.
“Espero que nas próximas semanas o TCU possa apreciar o leilão no pleno. Depois, a gente tem em torno de 30 dias para a realização do leilão. Não acredito que ocorrerá nenhum retrocesso de ter que voltar à estaca zero. É um trabalho que está sendo feito há oito meses e a gente vai sanando as dúvidas”, declarou Faria.
Uma das preocupações do TCU diz respeito à exigência do governo de que as vencedoras do certame financiem a criação de uma rede privativa ao Palácio do Planalto e aos demais órgãos da administração federal, bem como ampliem as redes de fibra óptica na região Norte. Pelo edital, os recursos para os dois projetos devem ser de no máximo R$ 2,5 bilhões.
O receio do Tribunal é de que essa forma de acordo seja uma maneira de o Executivo burlar o teto de gastos, visto que o valor desembolsado para as ações não está previsto no Orçamento da União. Faria negou qualquer tentativa de driblar a regra fiscal. “Não existe gasto fora do teto. Esse assunto será superado”, garantiu.
Viagem aos EUA
O ministro também anunciou que integrantes do governo, da Anatel e do TCU viajarão aos Estados Unidos, a partir do próximo domingo. A comitiva, que será integrada também pelo senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ), pretende visitar órgãos do governo norte-americano e ter reuniões com investidores que oferecem a tecnologia 5G para apresentar a proposta do Brasil quanto ao leilão.
Faria acredita que esse evento pode eliminar os empecilhos existentes na Corte de Contas que dificultam a aprovação do edital. “O TCU sabe da importância que tem o 5G para o país. O Brasil é um modelo para a América Latina. Outros países estão esperando o que o Brasil vai fazer para poder seguir”, disse. Além de fornecedores norte-americanos da tecnologia, a chinesa Huawei tem forte interesse no leilão.
Indústria produz menos em abril
Um dia após o otimismo gerado pela alta de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, que ficou acima das expectativas do mercado, veio o choque: a produção industrial encolheu 1,3% em abril, na comparação com o mês anterior, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados ontem. Com esse resultado, o setor ficou 1% abaixo do patamar pré-pandemia, de fevereiro de 2020, e ainda está 17,6% distante do nível recorde registrado em maio de 2011.
O recuo de abril foi maior do que a mediana das previsões do mercado, de -0,2%. Foi o terceiro dado negativo da indústria no ano, acumulando queda de 4,4%. As atividades com maior influência para esse resultado foram a de produtos alimentícios, com queda de 3,4%, e a de derivados de petróleo e biocombustíveis, com diminuição de 9,5%.
Na comparação com abril de 2020, quando a atividade produtiva desabou 19% logo após a confirmação da pandemia de covid-19, a produção industrial avançou 34,7% — a maior taxa desde o início da série histórica do IBGE, em janeiro de 2002. Analistas ponderam, contudo, que esse desempenho, embora positivo, tem o efeito de uma base muito baixa, e, portanto, deve ser visto com cautela. Além disso, há riscos pela frente, como vacinação lenta e terceira onda da pandemia batendo à porta.
O economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, destacou que os dados da produção industrial “apontam que a recuperação econômica ainda é incipiente de certa forma”. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, lembrou que a queda da indústria em abril refletiu o momento mais crítico da pandemia, confirmando a desaceleração da atividade no segundo trimestre do ano, porque “a terceira onda deverá afetar junho”. “A tendência é voltar a ter um segundo trimestre negativo para a indústria, no geral, pois tem paralisação na indústria automobilística por falta de insumos e chips, que devem contribuir para a queda de abril a junho”, apostou Vale.
Na avaliação do economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, o dado da PIM de abril reflete a continuidade do desempenho do setor no PIB do primeiro trimestre. “A indústria perdeu o ímpeto e isso bate com as informações, em paralelo, da renda das famílias, que está encolhendo, e dos dados que sugerem essa mudança nos estoques. É na indústria onde estão os melhores empregos e o setor que mais paga imposto, e, quando ela não vai bem, isso afeta o segmento de serviços mais sofisticados e provoca um conjunto de efeitos desagradáveis no resto da economia”, alertou.
De acordo com Gonçalves, se for descontado o efeito contábil da importação das plataformas dos dados do PIB, que turbinaram os investimentos e as importações, o comportamento do setor produtivo no primeiro trimestre “foi bem ruinzinho”.
“Onde houve crescimento, foi mais relacionado às variações nos estoques. Logo, há uma continuidade desse desempenho fraco da indústria no PIB”, resumiu. (RH)
Veículos: vendas sobem
No segundo melhor resultado do ano, as vendas de veículos novos no país tiveram alta de 7,7% na passagem de abril para maio, segundo balanço divulgado ontem pela Fenabrave, associação que representa as concessionárias de automóveis. No total, 188,7 mil unidades foram vendidas, entre carros de passeio, utilitários leves, como picapes e vans, caminhões e ônibus. O número é mais do que o triplo (alta de 203%) em relação aos 62 mil veículos de maio do ano passado, quando as concessionárias estavam, em grande parte, fechadas no início da crise sanitária.
Por Rosana Hessel/Correio Braziliense