Um Só Planeta preparou um guia para você saber o que esperar da maior conferência climática mundial, que acontece de 30 de novembro a 12 de dezembro nos Emirados Árabes Unidos
Na esteira de um ano marcado por extremos climáticos, a reunião mais importante sobre mudanças climáticas do mundo começa nesta quinta-feira, 30 de novembro, e vai até 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. São esperados representantes oficiais de governos e da sociedade civil para discutir caminhos de enfrentamento às mudanças climáticas. Um Só Planeta preparou um guia para você saber o que esperar desse encontro.
O que é a COP?
A Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP) é a maior e mais importante conferência anual sobre clima no Planeta, tida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a força motriz que impulsiona a política climática internacional e ações de combate ao aquecimento global.
Ela reúne os 198 países que ratificaram a Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) em 1992 e é realizada todos os anos desde 1995 – a única exceção foi o ano de 2020, quando a pandemia de covid-19 adiou sua realização. A conferência reúne dezenas de milhares de pessoas, incluindo líderes mundiais, representantes do setor privado e sociedade civil – em Dubai, são estimados 70 mil participantes, incluindo o que se espera ser a maior delegação de prefeitos a participar da conferência global sobre o clima.
As decisões tomadas nas COPs cobrem todos os tópicos da agenda climática, como redução de emissões, resiliência, financiamento e inclusão. Durante sua história, as COPs levaram à criação de acordos globais inovadores, como o Protocolo de Kyoto em 1997 e o Acordo de Paris em 2015.
Quem é o presidente da COP28?
Cada edição da COP é realizada em uma região diferente, e o país sede costuma presidir o evento. O sultão Ahmed Al Jaber, ministro da Indústria e Tecnologia Avançada dos Emirados Árabes Unidos (EAU), foi o escolhido para liderar as negociações climáticas, o que levantou polêmica e desconfiança por parte de alguns grupos ambientalistas, pois ele também é o chefe da empresa petrolífera nacional, a Adnoc. Os Emirados Árabes Unidos são o sétimo maior produtor de petróleo do mundo, com a quinta maior reserva de gás. Dubai, assim como o restante da nação, foi construída quase inteiramente com base na riqueza dos combustíveis fósseis.
Segundo Fiona Harvey, jornalista do The Guardian que entrevistou Al Jaber em Abu Dhabi em duas outras ocasiões, existe uma “lógica bizarra” no papel de Al Jaber enquanto presidente da COP28. “Se os combustíveis fósseis estão no centro do problema, então talvez um homem no centro da indústria dos combustíveis fósseis esteja singularmente equipado para quebrar o impasse global”, escreve a autora.
Al Jaber defende que o setor petroleiro não deve ficar à margem da COP. “Não ter o petróleo e o gás e as indústrias com elevadas emissões na mesma mesa não é a coisa certa a fazer. Você precisa trazer todos eles. Precisamos reimaginar esta relação entre produtores e consumidores. Precisamos desta abordagem integrada”, disse Al Jaber, que em 2006 cofundou a empresa de energias renováveis Masdar, onde permaneceu até 2016, quando foi chamado pelo presidente do país a chefiar a Adnoc, com o objetivo de descarbonizar a empresa estatal, segundo ele. Contudo, controvérsias vêm à tona. Segundo documentos vazados, os Emirados Árabes Unidos planejaram usar o papel como anfitrião das negociações climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2023 como uma oportunidade para fechar acordos de petróleo e gás, apurou a BBC.
Importância da COP28
Essa edição da conferência apresentará o primeiro balanço global (Global Stocktake) para medir o progresso em relação às metas e ambições nos campos da mitigação, adaptação, meios de implementação, entre outros, estabelecidas no Acordo de Paris, na COP21. Na ocasião, os países concordaram em participar de um balanço global, realizado a cada cinco anos, para avaliar seu progresso coletivo em direção às metas do Acordo. Com esse balanço, a UNFCCC espera guiar a próxima rodada de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), documento que reúne os principais compromissos e contribuições dos países para atender ao Acordo de Paris.
No início de setembro, o primeiro relatório da iniciativa confirmou que o mundo está muito distante de evitar que a temperatura média global se eleve acima de 1,5ºC. No ritmo atual de cumprimento das NDCs, a humanidade caminha na direção de atingir entre 2,5ºC e 2,9ºC até 2100, segundo o último Relatório sobre Lacunas de Emissões do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). As emissões previstas para 2030 devem cair entre 28% e 42% para atingir 2°C e 1,5°C, respectivamente. Se todas as NDCs e os compromissos de zero emissões líquidas de longo prazo forem cumpridos, seria possível limitar o aumento da temperatura a 2°C. Mesmo no cenário mais otimista, a probabilidade de limitar o aquecimento a 1,5°C é de apenas 14%.
Espera-se que o encontro apresente resultados negociados ambiciosos e uma agenda coletiva de ação prática, a fim de transformar compromissos e promessas em progresso para enfrentar a crise climática. Para isso, o plano de ação apresentado pela presidência da COP estabelece quatro pilares: acelerar uma transição energética justa, ordenada e equitativa; fixar o financiamento climático; focar nas pessoas, vidas e meios de subsistência; e sustentar tudo com inclusão total, não deixando ninguém para trás. Ação é a palavra de ordem para combater as mudanças climáticas.
Principais discussões
Um dos temas-chave é o financiamento climático para os países emergentes. O compromisso assumido pelos países desenvolvidos de destinar US$ 100 bilhões por ano para o custeio de medidas de combate à mudança do clima e adaptação nos países em desenvolvimento, acordado em Paris em 2015, e que deveria ter sido cumprido até 2020, estará em discussão. Uma análise recente da OCDE sugere, a partir de dados parciais, que a meta dos US$ 100 bilhões pode ter sido atingida em 2022.
Ainda assim, a meta precisa ser ampliada e o financiamento para adaptação também deve ser intensificado. Durante uma reunião de governantes em Bruxelas, onde apresentou o seu plano de ação para a COP28, Al Jaber reafirmou a exigência do secretário-geral da ONU, António Guterres, de uma duplicação do financiamento para os países em desenvolvimento se adaptarem aos impactos climáticos. Segundo o relatório sobre a lacuna de adaptação, divulgado pela ONU no começo do mês, o financiamento necessário para implementar as ações prioritárias domésticas é estimado em US$ 387 bilhões por ano.
Além do financiamento, a COP28 deve avançar na criação de um fundo para perdas e danos, acordado na conferência do ano passado, que permitiria o resgate e a reabilitação de países atingidos pelos piores impactos da crise climática. Em uma reunião de dois dias sob a orientação da ONU em Abu Dhabi, no início do mês, os países acordaram medidas-chave para fornecer fundos às pessoas mais vulneráveis do mundo para reparar os danos causados pelo colapso climático (incluindo comunidades vulneráveis no Brasil).
O fundo para perdas e danos será administrado inicialmente pelo Banco Mundial, durante quatro anos, e recorrerá a fontes de financiamento, incluindo grandes países em desenvolvimento, bem como os EUA, a União Europeia e o Reino Unido. Não foi definida uma meta para quanto dinheiro o fundo irá desembolsar, mas os países mais afetados pela crise climática esperam que este valor atinja centenas de bilhões de dólares dentro de alguns anos.
O plano deve ser formalmente adotado durante a COP, mas esse acordo já indica que isso é provável, segundo o The Guardian. “Esta recomendação clara e forte para operacionalizar o fundo de perdas e danos e os acordos de financiamento abre caminho para um acordo na COP28”, de acordo com Al Jaber. O fundo é uma das questões politicamente mais controversas que a cúpula enfrenta, e os países podem adotar o acordo ou pressionar para reabrir o texto para novas alterações, o que, neste caso, geraria mais tensões.
Outra questão importante que deve gerar muito debate é a linguagem acerca do uso dos combustíveis fósseis. Mais de 80 países pretendem fechar um acordo para a “eliminação” progressiva dos combustíveis fósseis, o que é fortemente contestado por muitos produtores de petróleo e gás, que buscam uma “diminuição gradual”.
No início de outubro, Al-Jaber afirmou que mais de 60 altos executivos das indústrias de petróleo e gás, cimento, alumínio e outras indústrias pesadas mantiveram conversações para chegar a um acordo sobre um compromisso para reduzir as emissões de carbono antes da cúpula climática das Nações Unidas. Jaber não divulgou detalhes sobre as medidas acordadas nem identificou os executivos, mas disse que aqueles que aderiram serão nomeados após a conclusão do compromisso, o qual, segundo ele, será transparente e mensurável.
O processo do Global Stocktake também deve gerar controvérsia, visto que as grandes economias terão de enfrentar a inadequação dos seus atuais esforços de redução de emissões e mostrar ações para corrigir os desvios de rota até a COP30, em 2025, em Belém, quando os países deverão apresentar suas novas NDCs.
“Com uma perspectiva de aumento de temperatura de 2,8ºC, é imperativo que se firmem metas e compromissos concretos para redução das emissões, planos de adaptação, resiliência e aporte de recursos financeiros para enfrentar a crise do clima”, afirma Renata Franco de Paula Gonçalves Moreno, especialista em Direito Ambiental e regulatório, ao Um Só Planeta.
“O Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris são acordos voluntários e esse é o grande desafio, pois não há penalidade para o país que não cumpre as metas acordadas. Na prática, cabe a cada país, individualmente, criar mecanismos e normas internas que estimulem e/ou obriguem a redução de gases de efeito estufa. Mas não há uma penalidade internacional ao país que não cumpre o compromisso de elaborar tais normativas e/ou instituir políticas públicas de incentivo à redução”, explica.
Agenda da COP28
A agenda da COP traz dias temáticos que mobilizam discussões e anúncios de diferentes atores públicos e privados. Pela primeira vez numa COP, haverá um dia dedicado à Saúde com uma reunião ministerial de alto nível sobre saúde climática, entre outras atividades. Essa edição será também a primeira a centrar-se no papel do comércio em conjunto com as finanças. Haverá um Dia dos Povos Indígenas e um pavilhão dedicado durante toda a cúpula para eles, que representam 5% da população global, mas protegem 80% da biodiversidade do planeta.
A programação das duas semanas de evento está dividida por dias temáticos:
30 de novembro – Abertura;
1 e 2 de dezembro – World Climate Action Summit, onde líderes de governo e sociedade civil se reúnem para apresentar os seus progressos e ambições em todos os pilares do Acordo de Paris.
3 de dezembro – Saúde/Alívio, Recuperação e Paz
4 de dezembro – Finanças, Comércio, Igualdade de Gênero, Responsabilização
5 de dezembro – Energia e Indústria, Transição Justa, Pessoas indígenas
6 de dezembro – Ação Multinível, Urbanização e Ambiente Construído, Transporte
8 de dezembro – Juventude, Crianças, Educação e Habilidades
9 de dezembro – Natureza, uso do solo e oceanos
10 de dezembro – Alimentos, Agricultura e Água
11 e 12 de dezembro – Negociações Finais
A programação de cada dia incorpora quatro temas transversais: Tecnologia e Inovação, Inclusão, Comunidades de Linha de Frente e Finanças. Uma das ênfases da Presidência para essa edição está no papel que os jovens podem assumir no combate à crise climática.
* Esta reportagem foi produzida como parte da Climate Change Media Partnership 2023, uma bolsa de jornalismo organizada pela Earth Journalism Network da Internews e pelo Stanley Center for Peace and Security.
Texto: Um só Planeta