sexta-feira,22 novembro, 2024

COP 28 inseriu sistemas alimentares na agenda da crise climática

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) afirmou que até 20% das emissões de gases que provocam o efeito estufa na atmosfera vêm da produção de alimentos de origem animal. 

O forte impacto que a produção de alimentos vem causando no meio ambiente levou a pauta a ser mais discutida na última Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28), que terminou em dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

De novas alianças a um dia totalmente focado na agricultura e pecuária, os membros do evento trouxeram o tema à frente da discussão pelo segundo ano seguido. 

Os temas de comida, alimentação e sistemas alimentares foram citados quatro vezes no relatório final do Global Stocktake (GST) – documento oficial a partir do qual os países elaboram suas contribuições oficiais, conhecidas como NDCs – com a concordância dos países membros do Acordo de Paris. 

Outro resultado positivo em relação à alimentação foi o Global Goal on Adaptation (GGA), que concluiu as negociações com o lançamento de uma iniciativa chamada UEA-Belém determinando eixos temáticos para atuação prioritária, entre eles a comida. 

Daqui em diante, a ideia é entender os impactos que a atual forma de produção e consumo de alimentos pode estar impedindo o mundo de alcançar a meta do Acordo de Paris, que prevê, até o fim do século, limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. Afinal, eles não são irrisórios.

Efeitos da produção de alimentos

“No Brasil, 70% dos gases de efeito estufa emitidos estão ligados aos sistemas alimentares”, afirma Aline Martins de Carvalho, nutricionista, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Sustentarea, núcleo de extensão da universidade sobre alimentação sustentável.

“A produção de alimentos acaba liberando gases e outras substâncias no meio ambiente. A dispersão de agrotóxicos e fertilizantes, por exemplo, ou os gases emitidos para transporte ou processamento de comidas mais industrializadas”, conta ela.

O desmatamento feito para liberar áreas para criação de gado ou monocultura de alimentos como soja ou milho também contribuem para os impactos ambientais dos processos alimentares.

Porém, dentro dos sistemas alimentares, independentemente das questões em torno do uso do solo, a produção de alimentos de origem animal é apontada como principal responsável pela intensidade de carbono na cadeia de produção de alimentos. “Isso porque o gado bovino emite muito metano, um dos gases mais agravantes do efeito estufa”, afirma a professora. 

O relatório produzido pela UNEP e lançado durante a COP 28, What’s Cooking?, aponta para isso. O documento mostra que a crescente demanda por alimentos de origem animal contribui significativamente para a mudança climática, poluição do ar e água, perda da biodiversidade local e empobrecimento do solo.

O texto aponta que os grandes espaços desmatados e queimados para a implementação de pastos acabam dizimando biomas e destruindo as chances de reflorestamento, por exemplo. 

Além disso, estimativas mostram que o consumo de carne deve crescer em 50% ou mais até 2050. Por isso, “uma porção de abordagens diferentes para diminuir os impactos da agropecuária têm sido estudados”, aponta a UNEP.

Proteínas alternativas

A opção que mais tem atraído atenção dos formuladores de política e investidores são os produtos plant-based ou as proteínas animais cultivadas. “Previsões mostram que, até 2040, essas alternativas podem fazer parte de 60% do consumo de carne no mundo”, aponta o relatório.

“Essas alternativas já apresentam um forte potencial para reduzir os impactos ambientais em comparação com muitos produtos animais convencionais”, cita o relatório. “Do ponto de vista das emissões de gases de efeito estufa, as novas alternativas são mais benéficas que a carne bovina, que tem emissões particularmente elevadas”. 

No entanto, tanto a UNEP quanto a professora da USP apontam que a carne cultivada ainda precisa ser estudada com cuidado para ser considerada uma alternativa excelente de fato. “É preciso saber quanto de energia elas gastam durante a produção para entendermos se são sustentáveis de verdade”, aponta ela. E estudar como mitigar isso deve ser parte dos esforços e investimentos no desenvolvimento de alternativas. 

O presidente do Good Food Institute (GFI) Brasil, Gustavo Guadagnini, aponta ainda que para haver maiores transformações nos sistemas alimentares, as instituições precisam investir mais na transição em direção à tecnologias disruptivas nesse setor. 

“Nós reconhecemos que houve uma grande evolução para o setor de alimentos em uma velocidade que não é comum para o sistema”, explica ele, referindo-se aos debates em torno do assunto na COP 28. 

“Estamos no segundo ano de discussões mais intensas sobre alimentos e já tivemos um dia inteiro dedicado a isso, mais comprometimento e declarações importantes dos líderes sobre o assunto”, destaca.

Para ele, no entanto, é necessário mais urgência – e que os discursos se tornem práticas reais: “Temos de acelerar a transição para sistemas alimentares mais sustentáveis para alcançarmos as metas do Acordo de Paris. Nós não temos mais tempo a perder”. 

Alianças e compromissos

Além do relatório, foi lançada a Declaração dos Emirados Árabes Unidos sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática. O documento foi assinado por 159 países, incluindo o Brasil, e é um compromisso das nações com a busca por formas mais sustentáveis de se produzir alimentos.

Brasil, Camboja, Noruega, Ruanda e Serra Leoa também formaram a Aliança dos Líderes para a Transformação dos Sistemas Alimentares. A coalizão espera reorientar suas políticas nacionais para promover uma alimentação sustentável e de alta qualidade para todos. 

“Essa aliança representa um compromisso significativo porque inclui metas definidas, um mecanismo de responsabilização e um prazo a ser cumprido”, aponta o GFI Brasil. Os membros se comprometem, por exemplo, a atualizar seus planos estratégicos para preservação de biodiversidade levando em consideração os sistemas alimentares até 2025.

“Apesar do debate ajudar, precisamos de indicadores e algo propositivo. Uma alimentação sustentável envolve ações individuais, mas também institucionais e políticas”, comenta a professora da USP. “Sabemos que o foco das COPs tem sido o petróleo, mas precisamos prestar atenção na alimentação.”

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