O biólogo e neurocientista Alysson Muotri é um dos pioneiros no desenvolvimento de minicérebros e se prepara para visitar a Estação Espacial Internacional com a Nasa

O brasileiro Alysson Muotri faz parte de um seleto clube de cientistas que está expandido as fronteiras da neurociência. Alysson é um dos pioneiros no desenvolvimento dos chamados minicérebros, estruturas criadas em laboratório que replicam o cérebro humano em seus estágios iniciais de formação. Em Austin, no SXSW, o maior festival de inovação e tecnologia do mundo, o brasileiro contou ao público do evento sobre o atual estágio de seus estudos e a viagem que o levará à Estação Espacial Internacional. Foi ovacionado por acalorados e demorados aplausos.

Formado em ciências biológicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com doutorado em biologia genética pela Universidade de São Paulo (USP), em 2008 o brasileiro foi aos Estados Unidos aprofundar seus estudos. Desde então, é professor e pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), onde lidera o laboratório de pesquisa que leva seu nome, o Muotri Lab.

A técnica pela qual o brasileiro é conhecido consiste em criar, usando células-tronco pluripotentes, organoides cerebrais do tamanho de ervilhas, que fornecem um modelo poderoso para estudar aspectos fundamentais do desenvolvimento neurológico. Com eles, é possível investigar doenças neurodegenerativas como o Parkinson, transtornos do desenvolvimento como o autismo e até testar novas terapias com uma precisão nunca antes alcançada.

A motivação inicial de Alysson para investigar o desenvolvimento cerebral humano foi profundamente pessoal. Seu filho, Ivan, é autista nível 3, tem uma série de comorbidades associadas à enfermidade e requer assistência 24 horas. Foi ao se deparar com esse diagnóstico que, como pai, Muotri se apoiou na neurociência em busca de respostas.

Atualmente, uma das principais linhas de pesquisa do cientista está relacionada ao uso da inteligência artificial na ciência. Ele busca entender como o cérebro humano aprende, para poder treinar um novo algoritmo de IA, e assim humanizar a tecnologia.

A proposta é usar os organoides desenvolvidos em laboratório para criar uma IA com a mesma capacidade de aprendizado do cérebro humano. Ou, explicando de outra forma, tirar proveito do mecanismo evolucionário que está codificado no DNA de cada ser humano para treinar um novo algoritmo. Essa abordagem orgânica poderia potencialmente levar a sistemas computacionais mais eficientes e com menor consumo de energia.

Organoides cerebrais criados em laboratório — Foto: Arquivo pessoal/Alysson Muotri

Aliar ciência à inteligência artificial não é uma novidade para o cientista. Em abril de 2024, Muotri lançou, por meio de sua startup Tismoo.me, uma IA especializada em autismo, chamada Genioo. No estilo do ChatGPT, a ferramenta tira dúvidas e dá acesso à informação de qualidade sobre autismo e outros tipos de neurodivergência.

“Da maneira como existe hoje, a IA já tem valor, principalmente por sua capacidade de computação. O cérebro humano não faz esses cálculos tão rápido, mas se sai melhor em muitas outras tarefas. Por isso, estudamos a maneira mais eficiente de implementar o que existe de melhor no cérebro dentro da IA. Assim, poderíamos reduzir o alto custo energético do treinamento de algoritmos”, afirmou Muotri em entrevista a Época NEGÓCIOS, logo após apresentar seus principais estudos com organoides cerebrais em painel do SXSW.

Outra possibilidade para a aplicação dos minicérebros é implantá-los em humanos. Os estudos iniciais são focados na cura do Parkinson. Nessa doença, os neurônios dopaminérgicos morrem. “E se eu pegar uma parte da pele de uma pessoa com a enfermidade e criar neurônios mais novos e resistentes, para depois implantar de volta? Será que conseguimos curar o Parkinson dessa maneira?”, indaga o especialista. “É nisso que estamos trabalhando agora”.

Minicérebros rumo ao espaço

Muotri irá participar de uma missão da Nasa prevista para 2026. O cientista levará os minicérebros à Estação Espacial Internacional (ISS), para analisar a progressão de doenças neurológicas e buscar tratamentos — ou até a cura — para os níveis mais severos do transtorno do espectro autista e do Alzheimer.

Mas por que viajar tão longe para fazer esse estudo? No espaço, o ganho de tempo é absurdo, diz o cientista. Como os organoides envelhecem mais rápido do que na Terra, é possível acelerar os processos para prever como o cérebro humano se comportará em diferentes estágios de uma doença ou transtorno.

Desde 2019, seu laboratório participa de missões espaciais para estudo dos organoides cerebrais, mas essa será a primeira vez que haverá a presença de cientistas in loco. “Nunca foi um sonho de criança ser astronauta. Estou indo onde a ciência vai me levando. Então, se a ciência está me levando para o espaço, é para lá que eu vou. Se houvesse um tratamento para o autismo no fundo do mar, eu seria um mergulhador”.

*A jornalista viajou a Austin a convite do Itaú Unibanco

Por: Fabiana Rolfini