sexta-feira,22 novembro, 2024

Comportamento inadequado nas redes sociais é razão de demissão? Especialistas respondem

Todo mundo — ou quase todo mundo — está nas redes sociais. Em uma, duas, três ou todas elas. As pessoas se acostumaram a compartilhar pensamentos íntimos para uma audiência muito maior de forma que parece irreversível. Com as plataformas digitais tão intrinsecamente conectadas às nossas vidas, não é raro ver demissões motivadas por comentários fora do tom em redes sociais.

Apesar de ter acontecido há dez anos, um dos casos mais simbólicos ocorreu em 2013, quando a profissional de relações-públicas Justine Sacco fez uma publicação no X (naquela época Twitter) dizendo que esperava “não pegar Aids” em uma viagem à África do Sul. Ainda acrescentou: “Brincadeira, sou branca”. A norte-americana chegou a apagar a publicação, mas as falas já haviam repercutido mundialmente. Na ocasião, a IAC, empresa de internet em que ela trabalhava, anunciou sua demissão alegando que não havia desculpas para “demonstrações de ódio” como aquela.

Colaboradores podem até estar mais atentos ao comportamento online, mas os casos seguiram aparecendo — inclusive no Brasil. Em 2018, o supervisor de voos Felipe Wilson apareceu assediando uma jovem durante a Copa do Mundo, realizada na Rússia, em um vídeo que correu o mundo. O conteúdo mostra ele ao lado de um amigo pedindo que estrangeiras que não entendiam o português repetissem palavras de cunho sexual. O brasileiro trabalhava na companhia aérea Latam, que argumentou em nota repudiar “veementemente qualquer tipo de ofensa ou prática discriminatória e reforça que qualquer opinião que contrarie o respeito não reflete os valores e os princípios da empresa”. No fim, foi desligado pela empresa.

Mas, afinal, o empregador pode demitir um funcionário baseado seu comportamento nas redes sociais? PEGN consultou especialistas para responder a essa questão.

“Até o momento, a legislação trabalhista não diz nada sobre o comportamento de funcionários nas redes sociais, especificamente”, explica Olivia Pasqualeto, professora de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Entretanto, na prática, há casos do tipo que acabam sendo analisados pelo Judiciário.”

O artigo 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) determina os comportamentos pelos quais o colaborador pode ser demitido por justa causa — modalidade em que o funcionário perde direitos demissionais como multa de 40% do FGTS, férias proporcionais e seguro-desemprego.

“A pessoa deve se lembrar que ela sempre terá responsabilidade sobre os próprios atos. O que não pode ser dito pessoalmente também não pode ser dito na rede social”, diz Fernando Peluso, coordenador do curso de direito do trabalho do Insper e sócio do PSG Advogados. “Falar do empregador na rede social pode gerar rescisão do contrato por justa causa? Depende do que foi dito.”

Segundo os especialistas, todos têm o direito de se manifestar sobre determinado assunto conforme as leis de liberdade de expressão. “Digamos que seja uma pessoa que tenha uma religião ou torça para um time de futebol. Ela pode fazer uma publicação nas redes, mesmo que o empregador torça para outro time ou tenha outra religião”, afirma. “O mesmo se aplica a assuntos polêmicos como a descriminalização das drogas. A pessoa tem o direito de dar a sua opinião.”

Pasqualeto diz que o limite é o que pode ser considerado crime, como apologia ao uso de drogas ilícitas. Em casos assim, de acordo com ela, mesmo antes de um eventual julgamento, a pessoa pode ser demitida por justa causa. “Algumas hipóteses da CLT são mais específicas, enquanto outras são mais abrangentes. O ‘mau procedimento’ [item listado no código como motivo para justa causa] pode abranger muitas coisas, inclusive publicações que incitem algum tipo de ódio.”

O artigo 482 é claro quanto a falar mal do empregador nas redes sociais: a pessoa pode ser demitida por justa causa por “ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem”.

“Da mesma forma que a pessoa não pode ofender a honra do empregador em uma conversa ao vivo, ela não pode fazer isso em uma publicação nas redes sociais”, afirma Peluso. O advogado lembra que o empregador sempre tem a opção de demitir uma pessoa sem justa causa: “A empresa não precisa explicar o motivo da rescisão. Tenho acompanhado uma série de casos de pessoas que foram demitidas por algo que disseram nas redes sociais. Mas, na maioria das vezes, não foi justa causa”.

Para Fernand Garcez, sócia responsável pela área trabalhista da Abe Advogados, se a empresa ferir o direito do cidadão na demissão, pode ser processada e obrigada a pagar indenização.

Apesar de não ter especificidade na lei, Pasqualeto lembra que cada empresa pode ter um regulamento interno com regras de comportamento. A professora reforça o papel do empregador: “É importante ter um regimento interno com essas informações e divulgá-lo para os funcionários por e-mail e marcar uma reunião explicando”. Ela também indica reuniões periódicas para ter certeza que todos estão alinhados sobre as regras.

Privacidade na internet?

Algumas redes sociais, como o Instagram e o X, permitem que os usuários façam publicações selecionadas para pessoas próximas. Ainda assim, existe o risco de a informação chegar até o empregador. “Ainda que seja um perfil restrito, outras pessoas tiveram acesso ao conteúdo. Se o empregador tomar conta dessas ofensas, ele ainda pode dispensar o profissional por justa causa dependendo do que foi dito”, diz Garcez.

Na visão de Peluso, cada caso deve ser analisado individualmente. “Se a pessoa mandou uma mensagem falando mal do seu chefe em uma conversa privada, isso não deveria ser vazado”, afirma. “Dependendo do caso, a pessoa demitida ainda pode processar a pessoa responsável pedir uma indenização já que ela sofreu um prejuízo.”

Como regra geral, os especialistas recomendam cuidado nas redes sociais. “Evite qualquer tipo de ofensa, não fale mal da empresa nem faça comentários desabonadores em relação aos chefes, a companhia e os colegas de trabalho”, afirma Garcez. “É óbvio que as pessoas têm liberdade de se expressar, mas se violarem valores da organização, elas podem ser demitidas. O funcionário deve entender que, como empregado, de alguma forma representa a empresa.”

Texto: Carina Brito

Redação
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