O chicote elétrico, um componente relativamente barato que agrupa os cabos de um veículo, tornou-se um problema improvável da indústria automotiva e alguns preveem que isso poderá acelerar a derrocada dos carros a combustão.
A oferta da peça foi atingida pela guerra na Ucrânia, que abriga uma parte significativa da produção mundial e que equipa centenas de milhares de veículos novos todos os anos.
Essa peça de baixa tecnologia e pequena margem de lucro – feita de fios, plástico e borracha com muito trabalho manual de baixo custo – pode não ter a fama de microchips e motores, mas os veículos não podem ser produzidos sem eles.
A escassez de oferta do componente pode acelerar os planos de algumas montadoras tradicionais em mudar a produção para uma nova geração de chicotes elétricos feitos por máquinas e projetados para veículos elétricos, de acordo com entrevistas com mais de uma dúzia de participantes e especialistas do setor.
“Esta é apenas mais uma razão para a indústria fazer a transição para a eletricidade mais rapidamente”, disse Sam Fiorani, presidente da empresa de pesquisa de mercado AutoForecast Solutions.
Os carros a gasolina ainda representam a maior parte das vendas de veículos novos globalmente. As vendas de veículos elétricos dobraram para 4 milhões de unidades no ano passado, mas ainda representaram apenas 6% do total, de acordo com dados da JATO Dynamics.
O presidente-executivo da Nissan, Makoto Uchida, disse à Reuters que interrupções na cadeia de suprimentos, como a crise na Ucrânia, levaram sua empresa a conversar com fornecedores sobre a mudança do modelo de chicote elétrico.
No prazo imediato, porém, montadoras e fornecedores transferiram a produção de chicotes para outros países de baixo custo.
A Mercedes-Benz conseguiu chicotes do México para preencher uma breve lacuna de fornecimento, de acordo com uma pessoa familiarizada com suas operações. Alguns fornecedores japoneses estão aumentando a capacidade no Marrocos, enquanto outros buscam novas linhas de produção em países como Tunísia, Polônia, Sérvia e Romênia.
Modelo Tesla
Chicotes para carros movidos a combustível fóssil agrupam cabos que se estendem por até 5 quilômetros em um veículo comum, conectando tudo, desde aquecedores de assento até vidros elétricos. Eles são trabalhosos de fazer e quase todos os modelos são únicos, portanto, é difícil mudar a produção rapidamente.
As interrupções no fornecimento na Ucrânia foram um alerta para a indústria automotiva. Montadoras e fornecedores disseram que no início da guerra, as fábricas permaneceram abertas apenas graças à determinação dos trabalhadores de lá, que mantiveram um fluxo reduzido de peças em movimento diante de cortes de energia, avisos de ataques aéreos e toques de recolher.
Adrian Hallmark, presidente-executivo da Bentley, disse que a montadora britânica de carros de luxo inicialmente temia perder de 30% a 40% de sua produção de carros em 2022 devido à falta de chicotes.
Ele afirmou que encontrar fontes alternativas foi complicado por causa do fato de que os chicotes tradicionais têm 10 partes diferentes de 10 fornecedores distintos na Ucrânia.
O executivo acrescentou que os problemas de fornecimento aceleraram o foco da Bentley em investir no desenvolvimento de um chicote mais simples para veículos elétricos que é comandado por um computador central.
A nova geração de chicotes, usados em carros elétricos como os da Tesla, pode ser feita em seções em linhas de produção automatizadas e são mais leves, um fator chave porque reduzir o peso de um veículo elétrico é crucial para aumentar o alcance da bateria.
“O modelo Tesla é um conceito completamente diferente de fiação, não poderíamos mudar para isso da noite para o dia”, disse Hallmark. “É uma mudança fundamental na maneira como projetamos carros.”
Muitos dos executivos e especialistas ouvidos afirmaram que carros com motores a combustão, que enfrentam proibições na Europa e na China, não existirão por tempo o bastante para justificar retrabalhos que os permitam usar os chicotes de nova geração.
“Eu não investiria um centavo em motores de combustão interna agora”, disse Sandy Munro, consultora automotiva sediada no Estado norte-americano de Michigan. Ela estima que os veículos elétricos representarão metade das vendas globais de carros novos até 2028. “O futuro está chegando terrivelmente rápido.”
Mudança de paradigma
Walter Glück, chefe da área de chicotes elétricos da Leoni, disse que a empresa está trabalhando com montadoras em novas soluções automatizadas para veículos elétricos.
A Leoni está se concentrando em chicotes “zonais” ou modulares, que seriam divididos em seis a oito partes, curtos o suficiente para automação na montagem e redução da complexidade.
“É uma mudança de paradigma”, disse Glück. “Se você deseja reduzir o tempo de produção em sua fábrica de automóveis, um chicote modular ajuda.”
Entre as montadoras, a BMW também está pensando em usar chicotes modulares, que exigem menos chips e menos cabos, o que economiza espaço e os torna mais leves, segundo uma pessoa com conhecimento do assunto. Os novos chicotes também facilitam a atualização de veículos por rede celular – uma área que a Tesla agora domina.
A CelLink, uma startup sediada no Estado norte-americano da Califórnia, desenvolveu um chicote flexível produzido totalmente de maneira automatizada. O componente é plano e fácil de instalar e a empresa levantou 250 milhões de dólares no início deste ano de empresas como BMW e fornecedores automotivos Lear e Robert Bosch.
O presidente-executivo, Kevin Coakley, não identificou os clientes, mas disse que os chicotes da CelLink foram instalados em cerca de 1 milhão de veículos elétricos.
Ele disse que a nova fábrica da empresa em construção no Texas, orçada em 125 milhões de dólares, terá 25 linhas de produção automatizadas que poderão mudar de design em cerca de 10 minutos porque os componentes são produzidos a partir de arquivos digitais. A empresa já está avaliando a construção de uma fábrica na Europa.
Enquanto o tempo de despacho em uma mudança de modelo de um chicote tradicional pode levar até 26 semanas, Coakley afirmou que sua empresa pode enviar a clientes produtos reprojetados em duas semanas.
Esse tipo de velocidade é o que montadoras tradicionais estão buscando em um momento em que estão adotando a eletrificação, disse Dan Ratliff, da Fontinalis Partners. A empresa foi fundada pelo presidente do conselho de administração da Ford Bill Ford e é investidora da CelLink.
Por décadas a indústria não precisou agir rapidamente para repensar um componente como o chicote elétrico, mas a Tesla mudou isso, disse Ratliff.
Por Nick Carey e Christina Amann, da Reuters