Cientistas gravaram e testemunharam os primeiros estágios de desenvolvimento de um novo sotaque — ele começou a surgir na Antártida, entre a população de cientistas em constante mudança para fazer pesquisas no distante continente. Não há população nativa ou permanente na grande ilha gelada, mas a comunidade de pesquisadores e equipes de apoio vive regularmente no local. No verão, a população é de cerca de 5.000 pessoas, contra 1.000 no inverno.

Foto: Bill Spindler, National Science Foundation/Domínio Público / Canaltech
A maioria dos habitantes eventuais da Antártida busca estudar clima e biodiversidade, mas o ambiente e suas condições extremas também geraram uma placa de petri perfeita, o que foi útil para estudar alguns aspectos do comportamento humano, cultura e linguística. Com isso em mente, uma equipe da Universidade Ludwig Maximilian de Munique estudaram mudanças fonéticas no sotaque de 11 “invernistas” recrutados da Pesquisa Antártica Britânica.

Participaram oito pessoas que nasceram e cresceram na Inglaterra, cinco do sul e três do norte, um indivíduo estadunidense, um alemão e um islandês. Suas vozes foram gravadas no início da pesquisa, o que foi repetido quatro vezes em intervalos de seis semanas. Durante todo o período, os participantes trabalharam em proximidade, socializando e tendo contato limitado com o mundo exterior.

Como é o sotaque antártico?
Mudanças significativas foram notadas no sotaque dos habitantes estudados, que falavam inglês entre si durante o período de estudo. Entre as principais, estava uma pronúncia alongada das vogais, além de inovação linguística no grupo. No final da estadia, os sons de “ou”, como em “ourives”, começaram a ser pronunciados na parte da frente da boca ao invés de no fundo da garganta.

Embora sutis, as mudanças foram significativas o bastante para que pudessem ser medidas acusticamente e até mesmo previstas por um modelo computacional.

Segundo contou o autor do estudo, Jonathan Harrington, ao site IFLScience, demoraria muito mais para que o sotaque antártico ficasse notavelmente diferente aos nossos ouvidos, mas análises nas gravações são o suficiente para percebê-lo. Em certa medida, diz o professor de fonética, o modo diferenciado de falar é uma amálgama de alguns aspectos da fala dos invernistas antes de irem ao continente, junto com um pouquinho de inovação.

É algo mais “embrionário” do que um sotaque convencional em inglês, já que teve apenas um curto período para se desenvolver e só se distribuiu por um pequeno grupo de falantes. O estudo mostra que o contato próximo e o isolamento criam as condições ideais para a evolução rápida de um novo sotaque. Chegando ao continente com seu próprio sotaque regional, os participantes influenciaram a fala e o comportamento entre si mesmos, sabendo disso ou não.

Os pesquisadores voluntários pesquisaram juntos e conviveram com muita proximidade durante todo o estudo — e seus sotaques começaram a mudar (Imagem: Lindsey Kenyon via University of Alabama)
Foto: Canaltech

O processo é basicamente o mesmo que tornou o português brasileiro diferente do falado em Portugal, ou em Angola, embora em uma escala muito menor e mais curta. Isso levanta as questões de como será o desenvolvimento de maneiras diferentes de falar em novos ambientes sociais, como os possíveis futuros habitantes de Marte ou da Lua, caso venhamos a colonizar tais corpos celestes.

O contato próximo e o isolamento dos ex-terráqueos provavelmente irá gerar um novo sotaque bem rápido — e, dentro de gerações, ele ficaria bem diferente do falado na Terra. Quem sabe, em centenas de anos, não viraria uma língua própria?

Fonte: The Journal of the Acoustical Society of America com informações de IFLScience