Poucas coisas no Universo ocupam uma posição de destaque tão grande no imaginário popular quanto os buracos negros. Ídolos cósmicos dos entusiastas de astronomia e dos fãs de ficção científica, essa classe de corpos celestes está na categoria dos objetos mais intrigantes e misteriosos que existem.
Definidos como pontos no espaço onde a atração gravitacional é tão intensa que nem mesmo a luz consegue escapar, os buracos negros comprimem uma enorme quantidade de matéria e energia em um espaço minúsculo. Ao redor dessas regiões encontra-se o chamado horizonte de eventos: a fronteira onde um objeto pode escapar da atração gravitacional do buraco negro e onde tudo cai em direção à sua singularidade central.
Como tudo que passa pelo horizonte de eventos não retorna para contar a história, não podemos ver, literalmente, um buraco negro. Eles são invisíveis à uma observação direta através de radiação eletromagnética. Contudo, sabemos que eles existem porque conseguimos observar seus efeitos indiretos: a interação gravitacional com os corpos ao seu redor, como estrelas e gás (que produz efeitos visíveis), e também por meio das ondas gravitacionais.
Existem, somente na Via Láctea, milhões de buracos negros distribuídos pela galáxia, alguns deles com massas equivalente à milhões (e até bilhões para o caso do buraco negro supermassivo central) de sóis.
Dentre diversas formas aterrorizantes que o Universo pode destruir algo ou alguém, os buracos negros também ocupam lugar privilegiado. No espaço, por exemplo, se você tentasse prender a respiração por alguns segundos, seus pulmões explodiriam. Se você, ao invés disso, expelisse todas as moléculas de ar dentro deles, iria desmaiar quase instantaneamente.
Há planetas e luas tão frios que todos os seus órgãos internos congelariam imediatamente caso você não estivesse suficientemente protegido. Outros lugares são tão quentes que seus átomos se transformariam em uma sopa de plasma. Nenhuma dessas formas é, entretanto, mas assustadora e impressionante que aproximar-se e “cair” dentro de um buraco negro.
Vamos supor por alguns instantes que nós ignoramos esses fatos. Vamos esquecer também das imposições restritas pelas leis da física e pelas limitações tecnológicas. Vamos simplesmente imaginar que, no auge da nossa sanidade mental, decidimos comprar uma espaçonave veloz e poderosa o suficiente e partimos em direção ao buraco negro mais próximo.
Pela maior parte da jornada entre a Terra e nosso destino final, nos sentiríamos sem peso. A gravidade de um buraco negro é como a gravidade de qualquer outro corpo massivo, desde que, é claro, estejamos longe o suficiente. Mas, como concordamos, estamos viajando rápido para lá, afinal, somos curiosos por natureza.
À medida que nos aproximamos, o horizonte de eventos parece ficar muito maior bem mais rápido do que se esperaria, uma vez que a curvatura do espaço-tempo fica mais intensa. Ao redor do horizonte de eventos, o espaço é tão distorcido que você começa a ver várias imagens do universo externo, como se fosse um caleidoscópio de imagens refletidas e invertidas.
As forças gravitacionais em várias partes do seu corpo também seriam diferentes. Na realidade, isso ocorre sempre e até mesmo na Terra, porém, as dimensões do nosso corpo em relação às dimensões da Terra fazem com que essa diferença seja imperceptível. Porém, caindo em direção a um buraco negro, os nossos pés sentiriam uma força muito mais forte do que a nossa cabeça, por exemplo. Essas diferenças de forças são chamadas de forças de maré. Por causa delas, o efeito sobre o nosso corpo seria como se estivéssemos sendo esticados por completo.
O resultado disso é exatamente esse que você imaginou: eventualmente, as forças de maré seriam tão intensas que superariam as forças intermoleculares em nosso organismo. Isso faria com nosso corpo fosse rompido pela metade. As metades seriam, então, rompidas novamente pela metade, e pela metade novamente… até que restasse somente uma fileira de átomos descendo em direção ao horizonte de eventos. Esse efeito de “esticamento” devido às forças de maré é conhecido na cultura pop-science como “espaguetificação”.
Como parecia óbvio desde sempre, não seria possível sobreviver a uma viagem para um buraco negro. Porém, como nossa mente faz-de-conta, vamos novamente imaginar que sim!
Se pudéssemos sobreviver e cruzar o horizonte de eventos, certamente não veríamos o futuro cósmico resplandecido em uma parede de cristal. Não. Uma vez que cruzássemos o horizonte de eventos, não apenas veríamos o Universo externo, mas uma porção do Universo dentro do horizonte de eventos! Por conta dos puxões gravitacionais, a luz que estaria chegando aos nossos olhos mudaria para o azul e depois para o vermelho novamente, à medida que seguimos em direção à singularidade. Nos instantes finais, o espaço estranhamente pareceria completamente plano.
Finalmente, se nessa aventura quiséssemos levar um amigo para filmar de longe nossa aproximação a um buraco negro, o que ele registraria em sua câmera nunca nos mostraria alcançando o horizonte de eventos. Isso porque, à medida que caímos em direção a ele, nossa imagem pareceria cada vez mais avermelhada e escura, mas jamais sumindo por completo.
A física detalhada por trás desses fenômenos é complexa e rebuscada, mas garanto que a nossa imaginação permitiu a construção de uma ideia visual satisfatória! Bom, ou talvez nem tanto assim.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
Fonte: TecMundo