Quando Samuel Jordan, de 22 anos, começou a desenhar acessórios virtuais para o Roblox, há três anos, isso era apenas um hobby. Mas à medida que a demanda por seus brincos virtuais, chapéus e roupas aumentou, Samuel transformou suas criações em um próspero negócio de moda virtual. Corta para 2022. Hoje, seus designs são um dos mais populares no Roblox: 24 milhões de unidades vendidas até o momento, acumulando US$ 1 milhão de lucro em 2021 e consultorias para Stella McCartney e Forever 21, marcas que desejam se estabelecer na Web3.
Uma história de sucesso parecida com a de Samuel é a de Mishi McDuff, estilista digital americana que lançou a grife virtual Blueberry há oito anos, depois que notaram as roupas virtuais que ela estava fazendo para usar no jogo Second Life. Mishi começou então a criar peças para várias plataformas, incluindo o Roblox. “No primeiro ano em que fiz isso, e ainda era apenas um hobby, ganhei US$ 60 mil. Então, mergulhei integralmente na Blueberry e, no ano seguinte, ganhamos um milhão de dólares.” Mishi se concentra em seus próprios designs, mas colaborou com a marca Jonathan Simkhai em uma coleção para o Metaverse Fashion Week.
As vendas da Blueberry ficaram estáveis por vários anos após seu lançamento – com receitas em torno de US$ 1 milhão por ano, segundo Mishi. Agora, à medida em que as plataformas como o Roblox se tornaram mais populares, ficou muito mais fácil monetizar a moda digital. Espera-se que o Blueberry atinja US$ 1,8 milhão em vendas em 2022, já que a empresa desenha looks no Roblox, Fortnite e Spatial.
Espera-se que o número de jogadores em todo o mundo ultrapasse três bilhões em 2022, representando mais de um terço da população mundial, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado Emarketer. E já que o interesse pela moda aumenta através dos games, as grifes digitais se preparam para o crescimento com looks exclusivos criados para avatares.
Uma dessas startups de moda digital é a Republiqe, sediada no Reino Unido, que desenha coleções virtuais para marcas como Coach e Adidas a fim de ajudá-las a entrar em games, NFTs e na Web3. Antes de lançar sua grife, o fundador da Republiqe, James Gaubert, foi estilista e designer da Bulgari e Louis Vuitton. James trocou de “rota” para o design virtual depois de passar um tempo no Sudeste Asiático, onde testemunhou o impacto ambiental e social da fabricação de moda física, ao mesmo que observava seu filho adolescente grudado em jogos como Fortnite.
A Republiqe é especializada em transformar o produto físico das marcas em NFTs ou wearables para jogos ou metaversos, incluindo Ready Player Me, Decentrland, Zepeto, Sandbox, Fortnite e Roblox, dependendo do público-alvo da marca. “A base de consumidores da Asos é bastante jovem, por exemplo, então talvez para eles seja mais uma rota Roblox ou Fortnite”, diz James. “Para a Coach, grife de luxo, talvez seja mais adequado a Decentraland, um mercado um pouco mais antigo.” A Republiqe então descobre como os clientes podem monetizar esses ativos digitais, seja como NFTs ou como wearables, explica ele. A empresa também pode criar acessórios virtuais para marcas, que mandam os looks digitais para influenciadores ou e-commerces.
Para grifes do mercado de massa, faz sentido optar pela moda digital de baixo valor e alto volume, onde há o potencial de vender dezenas ou centenas de milhares de itens como skins para o Fortnite por cerca de US$ 1 a US$ 3 por peça. Para o mercado de luxo, a Decentraland é um local para vender moda digital como NFTs a um preço premium de US$ 200 a US$ 2.000, mas em volumes muito menores.
James espera que a Republiqe atinja US$ 500 mil em vendas em 2022 – um aumento de 250% em relação ao ano passado. Ele não se vê em concorrência direta com outras casas de grifes virtuais, como The Fabricant ou DressX – ainda. Segundo ele, por enquanto, todas essas marcas querem aumentar a conscientização sobre o potencial da indústria.
E esse potencial pode estar se tornando mainstream. No sul da Inglaterra, a University of the Creative Arts (UCA) é uma das primeiras instituições do mundo a lançar um curso de design de moda digital, graça a demanda dos alunos. “Nossos alunos estão tão bem equipados para o futuro. Quando forem para entrevistas de emprego, provavelmente saberão mais do que as pessoas que os entrevistam”, diz Neil Bottle, diretor do programa Fashion Textiles da UCA, que ajudou a lançar o curso em 2021. Em seu ano inaugural, o curso colaborou com a Farfetch em um projeto de design virtual. A Farfetch já contratou dois dos alunos que estão se formando neste verão.
Provando o potencial da moda digital
Mesmo com o crescimento da conscientização sobre a Web3, educar potenciais colaboradores e clientes continua sendo o maior obstáculo para designers de moda digital. “Percebo que administro um negócio sério, que está gerando enormes números de receita. Mas, há alguns anos, pensei comigo mesmo, por que ninguém está falando sobre isso dessa maneira?”, pergunta Samuel. “As pessoas ainda agiam como: ‘Oh, é aquele jogo de crianças’”. Samuel trabalhou duro no Linkedin e no Twitter, comunicando seu trabalho e a relevância do Roblox para grifes que quisessem moldar a cultura. Logo, os negócios da marca começaram a aparecer.
“Alguns de nossos designers criam moda digital há uma década – bem antes de as marcas seguirem essas tendências -, e agora muitos estão sendo abordados por grandes marcas para criar itens ou experiências para eles”, diz Christina Wootton, vice-presidente de marca global parcerias no Roblox. “Acreditamos fortemente que a próxima geração de designers de moda está no Roblox, onde qualquer um pode ser um designer.” Em 2021, a comunidade de creators ganhou US$ 539 milhões no Roblox, arrecadando US$ 147,1 milhões apenas no primeiro trimestre de 2022, um aumento de 24% em relação ao ano anterior.
“Um dos primeiros desafios foi aprender a ter uma conversa corporativa”, lembra Samuel. O Roblox recebe uma comissão grandes nas vendas do jogo, então Samuel diz que ganhou US$ 1 milhão com cerca de US$ 10 milhões em itens de moda virtual vendidos no ano passado.
Cada jogador do Roblox gasta cerca de US$ 1 dólar para obter R$ 100 robux, com base na taxa de câmbio atual. Quando um item virtual é vendido, 30% do Robux vai para o criador do item, 40% para o vendedor do item (para muitos vendedores, incluindo Samuel, o Roblox é o vendedor) e 30% para o Roblox. O robux deve então ser trocado por dólares, onde o Roblox também cobra uma taxa. Portanto, para uma venda de robux de $100, equivale a cerca de US$ 1. Isso significa que o designer ganhou 10 centavos na conversão.
Outro desafio é lidar com a burocracia que acompanha as decisões corporativas. Nas plataformas de jogos, é importante modificar designs com base no feedback da comunidade, dentro do jogo e entre plataformas, incluindo Discord, TikTok e Twitter. No entanto, pode demorar muito para as marcas aprovarem as decisões de design, eliminando a possibilidade de interação e feedback da comunidade.
“Tenho certeza de que conheço pelo menos 10% dos meus clientes pessoalmente”, diz Misha. A Blueberry mostra a seus clientes o conceito no início do processo e usa o feedback do usuário para modificar os designs. “Funciona nos dois sentidos porque faz com que minha comunidade se sinta parte das coisas, mas também significa que estamos fazendo produtos que eles de fato comprarão.”
Os negócios da Blueberry são globais, com 40% nos EUA e o restante dividido na América Latina, Europa e Oriente Médio. Sua base de usuários é predominantemente feminina, com idade média de 22 anos. Estima-se que as mulheres representem cerca de 45% da comunidade de jogos.
“Apesar das estatísticas sobre a divisão de gênero dos jogadores, o design do jogo tem sido tradicionalmente dominado por homens. O segredo de Misha é que ela é uma desenvolvedora feminina, desenhando para mulheres que foram mal atendidas por muito tempo. “Há apenas um homem na equipe de Blueberry”, acrescenta Misha, com orgulho.
No Roblox, a maioria dos designers estava criando para o principal tipo de corpo “bloco”, ignorando o fato de que as jogadoras estavam usando o pacote feminino, então nenhum dos acessórios se encaixava corretamente. “Trata-se de entender as especificidades dos jogadores sobre quais são suas necessidades na área da moda”, diz Samuel.
Marketing no metaverso
A melhor ferramenta promocional da moda virtual é o boca a boca, dizem os designers. Isso pode significar jogadores recomendando produtos uns aos outros no TikTok, YouTube, Discord ou Twitter, ou usuários conversando via chat no jogo. “O cenário da moda virtual de certa forma é mais competitivo do que a moda IRL (vida real)”, diz Samuel. “Em uma rua, você pode ter 20 lojas concorrentes. No espaço digital, você pode ter um milhão de criadores, todos competindo no mesmo lugar.” Os designers virtuais devem contar com influenciadores virtuais e IRL para usar e assinar seus produtos e, assim, aumentar seu alcance.
A Blueberry usa influenciadores virtuais e revistas de moda virtuais, como a L’Homme Magazine (vendida no metaverso Second Life). “Tendo visto os itens em outros jogadores ou influenciadores virtuais, as pessoas estão preparadas para ‘acampar’ até 12 horas fora da loja virtual Blueberry em vários metaversos para comprar o último drop’, diz Misha.
A Republiqe trabalhou com a loja de acessórios francesa Monnier Frères para produzir uma loja na Decentraland para o Metaverse Fashion Week, além de ter colaborado com marcas como a Coach. Isso ajudou a impulsionar consideravelmente os negócios, mostrando às marcas de luxo as possibilidades do metaverso. “Estamos recebendo solicitações todos os dias”, diz James, que está contratando mais três funcionários para sua equipe de nove pessoas.
À medida que a Web3 amadurece e a oferta de games aumenta, a moda virtual segue em alta demanda. Jovens empreendedores estão construindo novas grifes, combinando experiência em design de moda 3D com um conhecimento mais profundo de jogos e comunidades Web3 – e fazendo isso melhor do que as marcas tradicionais de moda.
Por: LUCY MAGUIRE PARA O VOGUE BUSINESS