Durante a COP27, realizada em 2022 em Sharm el Sheikh, no Egito, o ambientalista americano Al Gore, vencedor do prêmio Nobel da Paz, foi enfático ao dizer que a subnotificação das emissões de gases de efeito estufa é um dos maiores obstáculos para o enfrentamento da crise climática. “Só é possível gerenciar o que podemos medir”, disse o ex-vice-presidente dos Estados Unidos. Gore apontou a vulnerabilidade da estrutura de autorrelato, que não permite a verificação dos dados. Por isso, disse, tecnologias independentes de sensoriamento remoto de emissões são essenciais.
Um dos maiores projetos na área é o Climate Trace, uma colaboração entre organizações sem fins lucrativos, empresas de tecnologia e universidades, além do próprio Gore. Entre os parceiros, estão CarbonPlan, Earthrise Alliance, Planet Labs, Michigan State University e Duke University. Embora a proposta já existisse havia algum tempo, a viabilização do projeto – o primeiro capaz de quantificar emissões por meio da observação direta e independente – só aconteceu em 2021, quando o Google.org, braço de filantropia da gigante de buscas, fez uma doação no valor de US$ 8 milhões.
A Climate Trace foi projetada pelo empreendedor californiano Gavin McCormick. No início, o trabalho era feito por mais de 200 voluntários, muitos deles programadores, com o apoio e a participação de pesquisadores da University of California e da Carnegie Mellon.
Após a doação do Google.org, uma equipe de bolsistas ajudou a construir algoritmos para monitorar as usinas de energia. Em um texto publicado no mesmo ano, Jacqueline Fuller, então vice-presidente da organização, afirmou que “o investimento filantrópico pode desempenhar um papel crítico na criação de bens públicos importantes, como conjuntos de dados transparentes e ferramentas digitais acessíveis. O mundo precisa, com urgência, de uma base sólida de dados e ferramentas para monitorar e verificar nosso progresso”, disse.
Para fazer o sensoriamento remoto de emissões, o Climate Trace usa mais de 300 satélites, cerca de 11 mil sensores e um sistema de inteligência artificial capaz de construir modelos que estimam as emissões diretamente das fontes. Dessa maneira, é possível apontar os maiores emissores – por regiões, setores ou empresas – e ainda detectar emissores ilegais, fora da contabilidade formal de gases.
Segundo uma pesquisa recente realizada pelo Climate Group, parceiro da Climate Trace, as regiões com um inventário atual de dados de emissões têm maior probabilidade de estabelecer metas de redução. Além disso, ao terem acesso a uma análise regional das emissões, as autoridades são capazes de identificar os setores com as emissões mais altas para, assim, implementar estratégias de mitigação específicas.
Uma das descobertas mais marcantes do Climate Trace foi que as emissões em instalações de petróleo e gás são aproximadamente três vezes maiores do que o divulgado pelas empresas, já que muitos dados são subnotificados e não há meios de responsabilização. Segundo o estudo, metade das 50 maiores fontes de emissão do planeta são campos de petróleo e de gás, e instalações de produção de combustíveis fósseis.
Por meio do The States and Regions Remote Sensing Project (STARRS), que reúne o Climate Trace e o Climate Group, com o fornecimento de informações de seis regiões, foram geradas estimativas importantes que facilitam a criação de políticas próprias, separadas das estratégias nacionais. As regiões são Abruzos, na Itália; País Basco, na Espanha; Jalisco e Querétaro, no México; Cabo Ocidental, na África do Sul; e Pernambuco, no Brasil.
Em Pernambuco, o refino de petróleo e gás produziu emissões de 50 milhões de toneladas de carbono equivalente entre 2015 e 2021 – mais que o dobro da medição nacional, que era de 20,4 milhões de toneladas de carbono equivalente (medida que equaliza os gases de efeito estufa considerando seu potencial de aquecimento).
O grupo Climate conta com uma rede de mais de 500 companhias em 175 mercados, e atua bem próximo de instituições públicas, como a The Under2 Coalition. Ela é composta por 167 governos estaduais e regionais e foi nomeada uma das iniciativas de cooperação internacional com maior potencial de redução de emissões.
Outro exemplo relevante de sensoriamento remoto é o trabalho da Boomitra. A startup sediada no Vale do Silício conta com uma tecnologia capaz de medir, reportar e verificar o carbono estocado no solo. A partir do uso de satélites e inteligência artificial, consegue monitorar as melhorias que os agricultores fazem na terra e rastrear sua capacidade de armazenar carbono ao longo do tempo. A empresa presta serviço para mais de 150 mil agricultores e já tem sob sua gestão 5 milhões de hectares de terra em locais como Quênia, Uganda e Tanzânia (África Oriental), e Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (América do Sul). O processo é escalonável, econômico e inclusivo para agricultores e pecuaristas de todos os portes. A expectativa da companhia é expandir a sua solução por todo o mundo.
Por Caroline Marino