quinta-feira,19 setembro, 2024

Como a comida amazônica pode ajudar a preservar e a desenvolver a região

Culinária a base de produtos da floresta é rica e tem potencial para virar marca, melhorar a imagem do Brasil no exterior e atrair mais turistas e recursos

Um dos lugares mais biodiversos do planeta, a Amazônia produz mais de 2 mil variedades de cacau, 140 espécies de mandioca, 114 tipos de mel de abelhas nativas, dentre centenas de outros itens de uma lista extensa, que inclui produtos valiosos como castanha-do-brasil, açaí, frutas exóticas e pimenta do reino. Como não poderia deixar de ser, a culinária da região é diversa, cheia de personalidade e deliciosa. Apesar disso, com alguma exceção para a culinária do Pará, quem vive nas outras regiões e fora do país praticamente desconhece a potência da comida da região.

Nas grandes cidades do Brasil e do mundo é possível encontrar restaurantes com culinária típica de vários países e regiões, mas praticamente nenhum especializado na Amazônia. Se falarmos da venda de produtos, o cenário não é muito diferente: apesar de abrigar 30% das florestas tropicais, a região contribui com menos de 0,02% das exportações globais desses produtos, mostra um estudo do Amazônia 2030, uma iniciativa de pesquisadores brasileiros que estão traçando um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia brasileira. Esse mesmo estudo aponta problemas estruturais que afetam toda a região como as causas para que a participação da região no mercado não acompanhe o seu potencial. Entre elas, investimento insuficiente em ciência e tecnologia e condições precárias da rede de estradas.

A comida das amazônidas e dos amazônidas pode ser uma ferramenta importante de desenvolvimento sustentável da região e há diversas possibilidades para colocar isso em prática. Uma delas é fazer com que a Amazônia se torne uma marca associada a ingredientes novos, capaz de pautar tendências gastronômicas no Brasil e no mundo. Pesquisadores do Amazônia 2030 chamam esse fenômeno de “territórios da comida”, que seriam regiões capazes de inovar e de gerar riqueza e qualidade de vida para seus habitantes, mantendo a floresta em pé.

Outra alternativa interessante é o investimento em gastrodiplomacia, uma forma de atingir resultados comerciais, diplomáticos e de imagem geral de um país por meio da qualidade de sua comida. Isso já foi feito com sucesso por outros países em desenvolvimento, como Tailândia, Peru, Coreia do Sul e Malásia, e os ajudou não só a tornar a sua culinária mais conhecida mundo afora como também a fortalecer o turismo e sua imagem no exterior. Para impulsionar a gastronomia da Amazônia, mais um estudo do Amazônia 2030, fruto do trabalho dos pesquisadores e chefs de cozinha Roberto Smeraldi e Saulo Jennings, propõe um plano brasileiro de soft power, centrado na gastrodiplomacia.

O soft power é um conceito das relações internacionais que diz respeito à habilidade de influenciar o comportamento ou interesses de outros por meio de cultura, valores e modas. A comida é um elemento crítico dentro dessa lógica, que tem como bases a atração e a sedução. Aliando soft power e gastrodiplomacia, os pesquisadores apontam dois caminhos para a cadeia da gastronomia na Amazônia: o desenvolvimento e suprimento de ingredientes para os mercados e a valorização e afirmação das cozinhas da região, ou seja, de um conjunto de saberes tradicionais e não tradicionais que vinculam a base de ingredientes a modos de uso e geram identidade de territórios.

“A região representa mais da metade do território brasileiro, porém um terço dela pertence a oito outros países. Esse elemento é especialmente importante, pois traz um potencial de marca no imaginário global, de sedução biocultural antes do que nacional, de potencial liderança brasileira e ainda de parceria regional, que oferecem um contexto extremamente atrativo e estimulante. Dessa forma, o peso da biodiversidade, que inclui a diversidade de variedades silvestres ou domesticadas e também da sócio-etnodiversidade cultural, é mais marcante no caso amazônico em relação aos demais casos estudados. Esse fato representa ao mesmo tempo uma oportunidade de impacto e percepção de grandiosidade e um desafio expressivo de conhecimento, explicação e documentação”, afirma um trecho do estudo.

Entre as diretrizes destacadas neste plano de ação estão: a geração e veiculação de informação qualificada sobre as diferentes dimensões cruciais da gastronomia da Amazônia, um programa de fomento de intercâmbio técnico, cultural e de empreendedorismo, a promoção de “casas amazônicas” em centros estratégicos mundo afora e a realização de eventos e festivais amazônicos em diversas cidades dentro e fora da Amazônia. A ideia dos pesquisadores é que a gastronomia da região vire uma poderosa marca global com características positivas para o Brasil, impulsionando um desenvolvimento que prioriza a floresta em pé e criando novas oportunidades para empreendedores locais. Quem já viajou para algum dos estados da Amazônia e provou o que eles comem por lá sabe que a ideia tem tudo para dar certo.

Texto: Angélica Queiroz – jornalista no O Mundo Que Queremos

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