Os combustíveis fósseis têm sido uma mola propulsora do progresso da humanidade devido à sua enorme densidade energética, mas o lançamento de gás carbônico (CO2) e seu acúmulo na atmosfera desde o início da revolução industrial, com seu efeito secundário, o aquecimento global, deram-lhes o papel de principais vilões da crise climática que ameaça o planeta.
Cientistas do IPCC, o painel de especialistas da ONU sobre mudança climática, calculam que a concentração de CO2 na atmosfera em 2022 já era da ordem de 420 ppmv (partes por milhão em volume), muito acima das cerca de 280 ppmv dos tempos pré-industriais. Em 2100, ela poderá chegar a 1.110 ppmv. O aquecimento global, que já é de 1,2oC acima do período pré-industrial, pode atingir de 2 a 5oC até 2100.
Mesmo com a neutralidade de carbono (net zero) nas atividades humanas, quando toda a quantidade de gases de efeito estufa (GEE) produzida e lançada na atmosfera for compensada por uma retirada equivalente, o mundo não vai atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris em 2015. Será preciso efetivamente remover o excesso de CO2 já acumulado na atmosfera, ampliando dramaticamente o uso de tecnologias como a captura e armazenamento geológico do carbono, conhecida pela sigla CCS (carbon capture and storage, em inglês). A terceira parte do 6º relatório de avaliação do IPCC (AR6 WGIII) defende que a produção de bioenergia associada ao CCS (BECCS) e o plantio de árvores são as opções mais importantes existentes para retirar os gases de efeito estufa (GEE) da atmosfera. É aí que entram a geologia do Brasil e o nosso etanol.
Segundo o Global CCS Institute, será necessária a implantação de mais de 2 mil projetos de CCS de grande porte (> 400 mil tCO2/ano) até 2050, associados a outras soluções, para que seja atingida a neutralidade de carbono no planeta. A produção do etanol em biorrefinarias BECCS, aproveitando a possibilidade de se armazenar o CO2 próximo às usinas em formações aquíferas profundas e naturalmente salinizadas, permitirá a existência de uma fonte energética negativa em carbono, isto é, que remove mais CO2 do que lança na atmosfera em todo o seu ciclo. Uma excelente oportunidade para a indústria do etanol.
Ainda em sua infância, os projetos de CCS se baseiam nas tecnologias consolidadas da indústria do petróleo, da hidrogeologia e da geoquímica. O Brasil tem tudo para sair na frente, pois conta com uma indústria de óleo e gás estabelecida, profissionais capacitados e uma matriz energética limpa que o CCS pode potencializar.
O CCS pode ser dividido em quatro etapas principais: captura, transporte, armazenamento e monitoramento. A captura significa a separação do CO2 de uma mistura gasosa, elevando o seu teor a mais de 95% (v/v). No Brasil, as plantas de etanol produzem uma corrente de CO2 com teor próximo a 98% de pureza, evitando os altos custos de separação do CO2.
O transporte é feito por dutos, caminhões ou navios até o ponto de injeção para armazenamento em formações geológicas profundas. A proximidade da fonte com a injeção reduz o custo, uma vantagem adicional para o etanol, já que boa parte das usinas está perto de áreas geologicamente propícias para injeção.
No armazenamento é necessário injetar o CO2 a profundidades superiores a 800 m, alcançando condições naturais de temperatura e pressão para manter o ambiente seguro por um período de 1.000 anos ou mais. As formações geológicas mais preparadas para essa injeção são campos exauridos de petróleo e aquíferos salinos profundos, que já têm uso economicamente inviável devido à água com alta concentração natural de sais e à grande profundidade em que se encontram.
O monitoramento do CO2 armazenado nas formações geológicas profundas é fundamental para se reafirmar a segurança do CCS. O risco mais óbvio é o vazamento ou a percolação do CO2 para fora dos limites da rocha selante pela presença de falhas, fraturas ou mesmo poços pré-existentes que não tenham sido bem selados, alcançando águas subterrâneas rasas e de boa qualidade para uso humano e ecológico. O aumento da pressão na formação geológica pela injeção de CO2 também deve ser considerado e monitorado, já que pode induzir o vazamento de água salinizada por fraturas ou falhas. Pode haver também a indução de pequenos sismos, principalmente onde existam zonas de falhas geológicas ativas.
No Brasil, vários sítios geológicos são bons candidatos ao armazenamento de CO2 de forma segura e estável no longuíssimo prazo, como a bacia sedimentar do Paraná. Ela é uma extensa área de grande estabilidade tectônica na porção sul do Brasil e engloba boa parte das usinas de etanol de cana do país, que já usam fontes de energia renovável e podem potencialmente se tornar biorrefinaria BECCS negativas em carbono. Abaixo do excelente aquífero Guarani, separada por uma formação selante impermeável (folhelhos da formação Palermo), encontram-se arenitos da formação Rio Bonito, com ótimas condições de armazenamento de CO2, que só precisam de caracterização de subsuperfície (poços e geofísica) para definir o seu potencial de armazenamento.
Assim, o surgimento de um mercado mundial de créditos de carbono, com a formação de preços atrativos para a tonelada de CO2 capturada e armazenada, põe os produtores de etanol brasileiros diante de uma grande oportunidade de liderar a transição da indústria de energia para a economia de baixo carbono.
- Everton de Oliveira, geólogo e doutor em hidrogeologia, é sócio da Hidroplan, diretor do Instituto Água Sustentável e do Groundwater Project.
- Mario Luis Assine, geólogo e doutor em Geociências, é professor livre-docente do Departamento de Geologia da Unesp/Rio Claro.
Fonte: Ketchum
Por: Portal do Agronegócio