Polos de desenvolvimento econômico e lar da maior parte da população global, as cidades têm um impacto considerável no bem-estar das pessoas: concentram grande parte das ofertas de trabalho, educação, cultura, lazer e serviços públicos e privados disponíveis para os cidadãos. Com a urbanização acelerada das últimas décadas, benefícios e oportunidades surgem, em especial, nos municípios – que, portanto, precisam promover melhores condições de vida a todas as pessoas que vivem no meio urbano. Nesse cenário, cidades e governos locais têm um papel decisivo na mobilização global pelo desenvolvimento sustentável: conceito, atualmente, indissociável de temas como futuro e tecnologia.
O conceito de smart cities (cidades inteligentes) começou a ser debatido, em um primeiro momento, no envolvimento de questões tecnológicas como semáforos integrados ou paradas de ônibus com Wi-Fi – mas logo passou a incluir também, como segue acontecendo na atualidade, pautas voltadas à sustentabilidade e qualidade de vida dos habitantes. A concepção, em sua vertente contemporânea, envolve cidades que usam infraestrutura de comunicação, inovação e tecnologia – incluindo a Internet das Coisas (IdC) –, promovendo o bem-estar da comunidade por meio de quatro vertentes: social, ambiental, cultural e econômica.
Relatório recente da Research and Markets, citado pela Nasdaq, indica que, globalmente, o mercado de cidades inteligentes crescerá mais de 20%, atingindo US$ 2,51 trilhões (aproximadamente R$ 12 trilhões) até 2025. Esse crescimento deve ser impulsionado pelo aumento da urbanização em todo o mundo e pelo maior gasto com tecnologia em programas de cidades inteligentes, bem como o desenvolvimento de mais infraestrutura.
Alguns exemplos, agora comuns, de iniciativas desenvolvidas pelas cidades inteligentes são a instalação de câmeras de segurança, a identificação facial, o monitoramento de lavouras e a utilização de sistemas de aproveitamento de água de chuva. Se, por um lado, essas tecnologias já se tornaram padrão em sociedades informatizadas, por outro, ainda há um longo caminho a percorrer na promoção de políticas voltadas para inovações tecnológicas mais verdes nos centros urbanos e na economia da energia utilizada.
“Estima-se que cidades são responsáveis por 75% das emissões de carbono em todo o mundo, e esse número deve aumentar ainda mais nos próximos anos. Ainda que a associação do conceito de ‘cidades inteligentes’ com tecnologia seja imediata, precisamos pensar para além disso, trazendo o desenvolvimento verde para o debate. Precisamos aumentar a urbanização inclusiva e sustentável. Proteger o patrimônio natural e cultural. Proporcionar acesso universal a espaços verdes. Reduzir os impactos ambientais negativos per capita e o número de emissões”, define a pesquisadora Cláudia Maria de Almeida, coordenadora do Laboratório Cities, voltado a pesquisas teóricas e de aplicação no planejamento e gestão de ambientes urbanos.
Essa “transição verde” tem um enorme potencial para aquecer a economia. Estudo da Technavio, empresa especializada em pesquisas de mercado, vai na mesma direção do relatório Research and Markets e indica que as smart cities vão movimentar US$ 2,1 trilhões (aproximadamente R$ 10,1 trilhões) até 2024, apontando para uma ambiente mais sustentável, utilizando os recursos naturais de forma consciente e impulsionando a economia local. A expansão de tecnologias verdes nos grandes centros urbanos também deve acelerar a criação de espaços integrados e que cooperem para uma melhor qualidade de vida da população.
“A revolução está aqui: podemos ter todas as coisas que amamos, tudo o que faz nossa sociedade se mover, tudo o que já conquistamos, e ainda assim vivermos em um mundo sustentável. A tecnologia está aqui para fazer isso acontecer, basta investirmos de maneira consciente e nos mobilizarmos, como cidadãos, pelo bem do Planeta”, definiu Troy Helming, fundador da startup de energia solar Pristine Sun, em painel sobre o futuro sustentável realizado no Collision, evento dedicado à tecnologia e aos negócios que aconteceu em Toronto, no Canadá, em junho.
A população mundial atingiu oito bilhões de pessoas no ano passado, sendo que 56% vivem em áreas urbanas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Até 2050, a população deverá aumentar para 9,7 bilhões de pessoas, das quais 6,6 bilhões estarão em cidades (cerca de 68% do total). Ou seja: existe urgência em transferir projetos sustentáveis para as cidades, de modo a torná-las mais “inteligentes” e sustentáveis em um futuro próximo.
Foco no planejamento
O planejamento das cidades, contudo, não caminha na mesma velocidade da urbanização da população global. Com o crescimento desenfreado de municípios há, por exemplo, mudanças no uso e cobertura do solo e alterações da distribuição, circulação e comportamento da água: esse cenário, aliado a uma maior frequência de eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas, expõe os municípios a vulnerabilidades como alagamentos, enchentes e deslizamentos em épocas de chuvas.
“Cidades inteligentes precisam simular eventos que já ocorreram e prever eventos futuros de inundações, queda de energia, deslizamentos, entre outros, promovendo a capacidade de adaptação a cada diferente cenário. Estamos procurando favorecer essa capacidade nos municípios brasileiros, mas ainda há um longo caminho pela frente”, destaca Renato Ferreira Branco, coordenador de Gestão de Projetos e Inovação Tecnológica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Natureza na cidade: edifício com fachada verde inaugurado em Paris — Foto: Divulgação/Michel Denancé
Para especialistas, é preciso investir também na mobilidade urbana: favorecer, por exemplo, infraestrutura para o transporte público, para que ele seja priorizado por mais pessoas, assim como na construção de ciclofaixas para incentivar o uso de bicicletas e caminhadas. A mudança na matriz energética, eles garantem, também é essencial. Também seria fundamental, no planejamento das cidades, reduzir o uso de combustíveis fósseis, efetuando a troca por fontes de energia limpa e sustentável, com incentivos para que a troca seja acessível a parcelas maiores da população.
“A produção de energia eficiente acelera a transição verde, diminuindo a emissão de gases do efeito estufa. O Brasil sabe como fazer: já foi líder nas pesquisas de biocombustíveis, por exemplo. Poderíamos incentivar o desenvolvimento de novos combustíveis, que substituam recursos ainda não renováveis, resultando na captura de carbono. Com planejamento e investimentos adequados, é possível desenvolver processos e tecnologias que apresentam alta eficiência de forma que haja mais captura de emissões”, diz Ana Calçado, fundadora da Wylinka, organização sem fins lucrativos que apoia a transformação do conhecimento científico em soluções que melhoram o dia a dia das pessoas.
“Super smart cities”
A cidade suíça de Zurique ficou classificada em primeiro lugar no IMD Smart City Index deste ano, com a capital norueguesa de Oslo em segundo lugar e a capital australiana de Canberra em terceiro. O Índice é produzido pelo Smart City Observatory, parte do Centro de Competitividade Mundial do Institute of Management (IMD), que indica ser diferente dos demais rankings por ser centrado no cidadão.
Zurique, na Suíça, assumiu a liderança no mais recente Índice de Cidades Inteligentes da IMD, seguida por Oslo e Camberra — Foto: David Taljat / Pexels
O índice combina dados e respostas de pesquisas para mostrar até que ponto a tecnologia está permitindo que as cidades enfrentem os desafios necessários para alcançar uma melhor qualidade de vida para os habitantes. Apesar da presença europeia e australiana nas primeiras posições, as cidades asiáticas também aparecem com força entre as 20 principais, de 141 estudadas. Seis cidades, chamadas de “super-campeãs” pelo índice, apresentam melhora contínua ou estabilidade ano após ano: Zurique, Oslo, Cingapura, Pequim (China), Seul (Coreia do Sul) e Hong Kong. As descobertas de 2023 também demonstram a crescente “inteligência” de cidades como Montreal (Canadá), Denver (EUA), Lausanne (Suíça) e Bilbao (Espanha).
Cerca de 20 mil cidadãos foram entrevistados sobre 15 aspectos da vida em suas cidades. Eles foram questionados sobre quais eram os mais urgentes, desde habitação acessível e congestionamento rodoviário até empregos satisfatórios e espaços verdes. Eles também responderam sobre várias estruturas e tecnologias em uma tentativa de determinar se as soluções baseadas em tecnologia estão atendendo às suas principais preocupações.
O IMD relata que o índice pode servir como uma referência valiosa para o progresso em transparência, inovação, inclusão e sustentabilidade para cidades de todo o mundo.
Cidades “mais inteligentes” do Brasil
Conforme o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, “cidades inteligentes” são locais comprometidos com o desenvolvimento urbano e a transformação digital sustentáveis, em seus aspectos econômico, ambiental e sociocultural. Além disso, atuam de forma planejada, inovadora, inclusiva e em rede, promovem o letramento digital, a governança e a gestão colaborativas e utilizam tecnologias para solucionar problemas concretos, criar oportunidades, oferecer serviços com eficiência, reduzir desigualdades, aumentar a resiliência e melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas.
No país, segundo o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC), aquelas que utilizam de tecnologia sustentável são classificadas por uma pontuação que varia de 0 a 100. Esse sistema de pontos é baseado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que reúnem 17 metas globais para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade.
No ranking brasileiro, São Caetano do Sul ocupa o primeiro lugar com 65,62 pontos, seguido por Jundiaí (65,44), Valinhos (65,16), Saltinho (64,51) e Taguaí (64,35), todas cidades da Grande São Paulo. Entre as cidades com a menor pontuação, estão: Santana do Araguaia-PA (30,10); Lábrea-AM (30,15); Boca do Acre-AM (30,71); Acará-PA (30,88) e Cachoeira do Piriá-PA (30,95).
Para Branco, a integração de políticas verdes com planejamento voltado à inovação gera benefícios para a população: “Não podemos pensar em cidades inteligentes sem considerar o uso essencial de tecnologias sustentáveis, indispensáveis para a melhora da qualidade de vida urbana. Com desenvolvimento social saudável e sustentável, podemos ter locais urbanos em grande escala que favorecem o equilíbrio ambiental e o bem-estar das pessoas, contribuindo assim para o futuro do Planeta”.
Fonte: Um só Planeta/ Globo