domingo,22 setembro, 2024

Cineclube Coxiponés comemora 45 anos de história com resistência e acolhimento

Criado em 1977, o Cineclube Coxiponés da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) completa 45 anos de existência. Para celebrar a data foi realizada, no próprio cineclube, uma exposição com diversos artefatos como câmeras e pôsteres que foram utilizados ao longo desses anos de história.

Mas afinal, o que é o Cineclube Coxiponés?

O principal objetivo do cineclube é possibilitar uma experiência fílmica de forma educativa, estimulando o desenvolvimento do pensamento crítico. A atual supervisora do cineclube, Letícia Capanema, relata que ele é o mais antigo em funcionamento em Mato Grosso. Letícia conta que o espaço surgiu em 1977 e desde então vem promovendo exibições e debates de filmes, além de inúmeras oficinas e experimentos abertos para a comunidade interna e externa.

No ano de 2002 foi criada a Mostra de Audiovisual Universitário e Independente da América Latina (MAUAL). Com o objetivo de fomentar o audiovisual em Mato Grosso, a mostra se tornou a principal vitrine de exibição de curtas independentes e universitários no estado. O MAUAL já está em sua 21° edição.

Exposição Cineclube.

O historiador e antigo supervisor do cineclube, Clóvis Matos, relata que, até metade dos anos 80, esse era o único cinema disponível na capital. Com o apoio da professora Maria Beatriz de Figueiredo Leite, Clóvis em parceria com o colega Epaminondas de Carvalho, começou a trabalhar no cineclube, enquanto ambos ainda eram universitários e futuramente se tornaram supervisores.

Segundo o historiador, os encontros aconteciam aos finais de semana e o local servia como um ponto de encontro para os jovens que gostavam de cinema e queriam debater sobre o assunto. Por estarem fora do circuito comercial, os títulos exibidos eram nada convencionais.

Clóvis relembra sobre as dificuldades enfrentadas naquele período devido às censuras provocadas pelo regime militar:

“Foi uma época difícil. Era preciso que o filme possuísse um certificado de censura e se não tivesse corríamos riscos de ele ser recolhido. Para liberarem esse material era uma coisa muito complicada. Eu e o Epaminondas participávamos de movimentos políticos estudantis, isso fazia com que levantassem suspeitas. Nós fomos atrás de cinema e arte no mundo e descobrimos que os países da cortina de ferro também produziam filmes fantásticos e que não encontraríamos na linha comercial. Quem viveu e trabalhou na ditadura sabe como era, não foi fácil, mas nós vencemos”, diz ele.

Ao entrarem em contato com as embaixadas para conseguirem o catálogo de filmes, muitas suspeitas foram levantadas, conta o antigo supervisor. Um dos títulos exibidos no cineclube e que na época era fortemente perseguido pela censura foi o chamado “O Encouraçado Potemkin”. O filme veio do México para Mato Grosso e os supervisores chegaram a ser convocados pela polícia para fornecerem explicações pela falta do certificado obrigatório.

“Mesmo com a forte conotação política, para mim, se trata muito mais sobre a arte de fazer cinema. Nós nos esforçamos para não deixar acabar. Aprendemos muito, principalmente a lidar com pessoas. Se fosse preciso eu faria tudo novamente”, afirma. 

De acordo com Clóvis, o cineclube é uma grande fonte de transporte de cultura e conhecimento que auxilia no desenvolvimento educacional, não somente dos estudantes da universidade federal, mas de toda a população local.

O cineasta Luiz Borges também atuou na supervisão do cineclube durante os anos 90, ele assumiu a supervisão quando retornou de um mestrado na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Além do trabalho como servidor na Universidade Federal de Mato Grosso, Luiz também atuou como diretor e roteirista no curta-metragem “A Cilada com 5 Morenos”, que acabou rendendo o prêmio de Melhor Filme no 4º Brazilian Filme Festival of Miami.

“Os 5 morenos foram um grupo percursor do rasqueado no estado. Tive a ideia para o curta quando conheci o mestre Raul, violinista do grupo. Eu estava retornando de uma viagem no aeroporto de Cuiabá e o vi empurrando bagagem, foi quando me contaram que ele era um grande músico. Fiquei muito curioso pela história, principalmente por saber que um artista em Mato Grosso, desse vigor, era obrigado a trabalhar empurrando bagagens para sobreviver a época ao invés de propagar sua arte”, conta o cineasta.

Exposição Cineclube. Foto: Leticia Capanema.

Uma das lembranças recordadas foi a criação de uma mostra durante o período de almoço da UFMT, para que os estudantes e servidores presentes na universidade pudessem assistir a alguns títulos naquele horário. 

Luiz relata que foi um grande desafio assumir o cineclube naquele momento devido à extinção da Empresa Brasileira de Filmes S.A (Embrafilme), ocasionando o fim da distribuição dos filmes em 16mm, formato que era utilizado nas exibições da época.

“Os filmes 16mm se tornaram escassos, apenas uma produtora no Brasil os comercializava. Passamos muito tempo exibindo apenas filmes alemães, pois eram os únicos ainda nesse formato. Essa dificuldade foi umas coisas que motivou a criação do MAUAL, para ampliar a oferta de programação e incentivar a produção regional”, comenta o servidor.

Com 45 anos de existência, o Cineclube Coxiponés se consagra como uma importante ferramenta no fomento da cultura e desenvolvimento político-pedagógico da população mato-grossense. Um espaço de resistência e acolhimento para os amantes da 7º arte.

Por: Victória Oliveira.

Victória Oliveira
Victória Oliveirahttp://www.360news.com.br
Victória Oliveira é jornalista e estudante de cinema integrante do time 360 News. Especialista em escrever sobre atualidades, tecnologia, cultura e entretenimento.

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