quarta-feira,27 novembro, 2024

Cápsulas de alimentos e agricultura vertical podem ajudar a conquistar Marte

Mesmo antes de chegarmos à lua, os humanos faziam planos para enviar pessoas a Marte e, nos últimos anos, o sonho parecia mais próximo de se tornar realidade. A Nasa planeja pisar no planeta vermelho na década de 2030, enquanto a SpaceX de Elon Musk planeja chegar lá ainda mais cedo.

A dificuldade não é apenas levar os astronautas a Marte, mas também sustentá-los quando estiverem lá; você não pode simplesmente cultivar batatas em seu solo – apesar do que Matt Damon gostaria que você acreditasse no filme “Perdido em Marte”.

Com uma atmosfera 100 vezes mais fina que a da Terra, apenas metade da quantidade de luz solar, sem água doce acessível conhecida e temperaturas médias de -81 graus Fahrenheit (cerca de -62 graus Celsius), Marte é o ambiente mais desafiador no qual os humanos já planejaram produzir alimentos.

Uma startup chamada Interstellar Lab acredita que pode ter a solução. A empresa com sede em Paris e Los Angeles projetou um sistema de cápsula de ambiente controlado que poderia um dia permitir o cultivo no espaço.

“Uma espécie multiplanetária”

“Interstellar Lab é a busca do sonho de uma criança no contexto da crise climática na Terra”, diz a CEO Barbara Belvisi. “Na idade mais jovem, eu sonhava em me tornar uma espécie multiplanetária e viver sob cúpulas em outros planetas, cercada por plantas”.

Belvisi passou um ano com engenheiros no Nasa AMES Space Portal antes de lançar o Interstellar Lab em 2018.

Seu Nutritional Closed-Loop Eco-Unit System, ou “NUCLEUS”, é uma estrutura modular composta por nove cápsulas cúbicas projetadas para fornecer uma dieta nutritiva para quatro astronautas durante uma missão de dois anos. Belvisi diz que é capaz de produzir microgreens frescos, vegetais, cogumelos e até insetos comestíveis.

“O foco inicial era construir um sistema regenerativo de produção de alimentos para promover a agricultura sustentável na Terra”, diz Belvisi. “Mas eu perguntei: ‘e se a tecnologia de que precisamos para viver no espaço pudesse nos ajudar a viver de forma mais sustentável na Terra? ‘ Foi assim que nasceu o conceito de módulos avançados de ambiente controlado para a Terra e o espaço”.

Em 2021, o projeto estava entre os vencedores da Fase 1 do Deep Space Food Challenge da Nasa e, em janeiro deste ano, a Nasa anunciou o NUCLEUS entre os 11 finalistas da Fase 2.

O NUCLEUS está se mudando agora para um laboratório em Cabo Canaveral, na Flórida, para participar da fase final do desafio, com os vencedores anunciados em abril.

O Sistema Nutricional de Unidade Ecológica de Circuito Fechado ou “NUCLEUS” / Divulgação/Interstellar Lab

Agricultura em ambientes hostis

Dentro dos cubos da cápsula NUCLEUS, as plantas são cultivadas em sistemas de cultivo vertical, o método que muitos cientistas consideram ser a melhor opção para a agricultura marciana.

A agricultura vertical é um método de cultivo sem solo em um ambiente controlado, fornecendo água rica em nutrientes diretamente às raízes de uma planta. Ele pode usar significativamente menos água e fertilizante do que a agricultura tradicional ao ar livre e, ao recircular continuamente a água, gera muito pouco desperdício.

Um exemplo em grande escala desse método em uso pode ser encontrado nas instalações da Emirates Crop One em Dubai, a maior fazenda vertical do mundo. De acordo com a Crop One, sua fazenda em Dubai cobre quase 28 mil metros quadrados de espaço de cultivo vertical e produz 1 milhão de quilos de colheitas todos os anos, incluindo couve, espinafre e rúcula.

Deane Falcone, diretor científico da Crop One, diz que os princípios podem ser aplicados a praticamente qualquer ambiente hostil.

“Uma das vantagens fundamentais deste cultivo interno é que podemos colocá-lo em Dubai, podemos colocá-lo no frio extremo – basicamente em qualquer lugar”, explica Falcone. E além de água e luz artificial, “é independente de recursos”.

De acordo com Falcone, se uma fazenda vertical fosse usada em Marte, a água poderia ser extraída das camadas de gelo abaixo da superfície do planeta, enquanto a luz poderia ser fornecida por um sistema de espelhos para ampliar a luz natural do sol ou usando lâmpadas alimentadas por energia solar e energia eólica.

Esta instalação da Crop One em Dubai é a maior fazenda vertical do mundo / Divulgação/Emirates-Crop One

Falcone considera a agricultura vertical em um ambiente totalmente vedado e controlado como “a única opção para a agricultura em Marte”, embora alguns cientistas estejam pesquisando o cultivo de plantas diretamente no solo marciano. Com a agricultura vertical, “você controla as horas do dia, tem muita influência sobre o que a planta fará”, diz ele. “Você pode encorajar a floração simplesmente mudando o tempo de iluminação”.

Falcone aponta que, na ausência de gravidade, como durante a esperada viagem de nove meses a Marte, a forma mais comum de agricultura vertical, a hidroponia (crescimento na água), não funcionaria.

“Todas as fazendas de grande escala da Terra dependem da gravidade”, explica ele. “Estamos crescendo em uma bandeja de água que está fluindo, (e) essa água é mantida na bandeja pela gravidade”.

É um problema encontrado a bordo da Estação Espacial Internacional, onde as plantações já são cultivadas com luzes artificiais. As sementes são plantadas em um substrato rico em nutrientes dentro de câmaras seladas que são espalhadas com pellets de fertilizante.

Para combater a falta de gravidade, os astronautas devem administrar meticulosamente água às raízes de plantas individuais – um sistema que não seria viável na escala necessária para alimentar uma tripulação inteira.

Falcone sugere um método alternativo, conhecido como aeroponia, que entregaria água às raízes contidas usando uma névoa.

Uma vez na superfície de Marte, e sob a influência da gravidade marciana, um sistema hidropônico de fazenda vertical poderia ser usado, alojado em um ambiente como o NUCLEUS do Interstellar Lab.

Mas Falcone prevê que será necessário um espaço muito maior. “O sistema tem que ser algo em que você possa confiar dia após dia para fornecer comida”, diz ele.

“Ele também pode ser adaptado para fornecer ar respirável, pois o oxigênio é criado pelas plantas que crescem lá. Você teria que ter um sistema de grande escala para permitir a produção contínua de alimentos e produtos adicionais, como oxigênio”.

A agricultura vertical fornece água rica em nutrientes direto para as raízes das plantas / Divulgação/Emirates-Crop One

“Única opção”

Os alimentos que poderiam ser cultivados nesses sistemas e servidos aos colonos marcianos são imaginados em “Dinner on Mars: The Technologies That Will Feed the Red Planet and Transform Agriculture on Earth” (Jantar em Marte: as Tecnologias que Irão Alimentar o Planeta Vermelho e Transformar a Agricultura na Terra, em tradução livre), um livro de Lenore Newman, diretora do Food and Agriculture Institute da University of the Fraser Valley, e Evan Fraser, diretor do Arrell Food Institute da University of Guelph, ambos no Canadá.

“A chave para sustentar a vida em Marte é um sistema alimentar extremamente intensivo, de circuito fechado e eficiente”, diz Newman.

Fraser diz que, usando luz LED e um reator nuclear para obter energia, “quase tudo é possível em um ambiente marciano”.

“Em Marte, você tem que fechar o ciclo. Você deve prestar muita atenção a tudo o que está perdendo ou colocando no sistema”, diz Fraser. “É um bom exercício de pensamento para nos lembrar o que poderíamos fazer na Terra se realmente apostássemos”.

Fraser acredita que esse tipo de tecnologia pode nos ajudar a usar os recursos da Terra com mais eficiência e reduzir as emissões de carbono.

“A indústria de agricultura vertical fez um trabalho notável ao reduzir mão de obra, água e custos, como custos de terra. Eles estão alcançando uma enorme produtividade por acre quadrado, por hora de trabalhador e por litro de água utilizada”, diz Fraser.

Quando perguntados se eles achavam que a agricultura vertical era uma boa opção para sustentar a vida em Marte, Newman e Fraser responderam em uníssono: “É a única opção”.

Por: Nadia Leigh-Hewitson da CNN

Redação
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