O Brasil conseguiu dar o recado na Conferência do Clima da ONU (Conferência das Partes – COP-27), realizada em novembro na cidade de Sharm El-Sheikh, no Egito. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), as inovações e as boas práticas adotadas pelo setor produtivo nos últimos anos, bem como a legislação inovadora, possibilitaram ao agro demonstrar para o mundo que o País pode assumir o papel de um dos líderes mundiais na agricultura sustentável.
“O agro já foi chamado a produzir mais e melhor e agora foi convocado a produzir mais sustentavelmente. Estávamos bem à vontade na conferência porque há anos vimos implementando ações como a agricultura de baixa emissão de carbono, com o plano ABC e agora o ABC+, o Código Florestal e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que melhoraram e aperfeiçoaram a produção”, disse o coordenador de Sustentabilidade da CNA, Nelson Ananias, que participou da COP-27 representando a entidade.
Para o executivo, as soluções não são um projeto, pois já estão implementadas e foram construídas “do chão para a meta”. “As práticas adotadas pelo setor produtivo possibilitaram maior visibilidade ao País em relação às soluções de alcance das metas climáticas, proporcionando que o Brasil discutisse a produção de alimentos, o mercado de carbono e as energias renováveis no Egito”, afirmou Ananias.
Um dos entraves nas discussões, segundo ele, foram os mecanismos de financiamento dos países em desenvolvimento. Na COP-15, realizada em Paris, em 2015, os países ricos se comprometeram a criar um fundo de US$ 100 bilhões para auxiliar no cumprimento das metas ambientais, que até hoje não foi implementado. E as discussões no Egito não avançaram sobre como ou quando o montante seria empregado.
COBRANÇA
De acordo com o coordenador da CNA, a comitiva brasileira tinha uma expectativa baixa em relação ao desentrave dessa questão, devido ao contexto internacional, sobretudo a guerra entre Rússia e Ucrânia e suas consequências, mas ele diz que o cenário não pode ser usado como desculpa para a falta de investimentos e o compromisso com a implementação do fundo. “A agenda foi cobrada dos países desenvolvidos, mas eles não cumpriram sua parte, alegando que os países em desenvolvimento não apresentaram projetos para utilizar o recurso, enquanto os países em desenvolvimento disseram não poder avançar sem os recursos. Os países desenvolvidos criaram um cenário de impasse e a discussão ficou muito aquém das expectativas.”
Segundo Ananias, hoje a quantia seria insuficiente para o cumprimento da meta global de não aumentar a temperatura do planeta em 1ºC até 2030. Na COP-26, realizada no ano passado em Glasgow, na Escócia, a cifra necessária foi projetada em US$ 1 trilhão.
Na visão do Observatório do Clima, a COP-27 promoveu timidamente a discussão de dois temas que afetam diretamente o agro e o clima no planeta: o mercado de carbono e a redução nas emissões de metano. De acordo com o coordenador técnico do Observatório, Tasso Azevedo, o Brasil já tem o principal resultado das práticas de agricultura de baixo carbono, que é o acúmulo de carbono no solo, mas o País não apresentou um compromisso particular sobre o tema, que decepcionou também nas discussões gerais. “Foi a mesma conversa dos últimos anos, eu não vi nenhuma novidade”, disse.
Em relação ao metano, o Brasil já tinha aderido, na Escócia, ao compromisso global para a diminuição das emissões como parte da meta de redução de 30% das emissões de gases até 2030. Segundo Azevedo, havia uma expectativa de que o Brasil apresentasse uma meta de redução.
O Observatório do Clima lançou um estudo na COP sobre as emissões de metano e as oportunidades para o País. O relatório conclui que o Brasil é capaz de chegar a uma redução de até 35% até 2030. “A maior parte das nossas emissões de metano vem da agropecuária. Daria pra fazer uma redução expressiva nesse setor, mas o Brasil não deu nenhuma sinalização sobre o que poderia ser o seu compromisso”, disse Azevedo. A expectativa é de que o número seja divulgado no próximo ano.
CRÍTICA ÀS GIGANTES
Azevedo foi crítico sobre o compromisso firmado por empresas de alimentos para reduzir as emissões em suas operações, assinado por gigantes como a ADM, Bunge, Cargill, JBS e Louis Dreyfus, entre outras. Segundo o executivo, não foram apresentadas medidas imediatas e sim reforçados compromissos já existentes. “Foi mais uma forma de se posicionar em relação ao que virá de mudanças nas regulamentações europeia e americana para evitar emissões”, afirmou.
Segundo Azevedo, o calcanhar de a-quiles do agro brasileiro continua sendo a inexistência de um compromisso com todo tipo de desmatamento e conversão de áreas. Ele ressalta que a adoção e promoção de boas práticas não são suficientes para o setor produtivo. Segundo o MapBiomas, plataforma de monitoramento do uso do solo, da qual também é coordenador, no ano passado foram identificadas 56 mil propriedades com desmatamento no País em um universo de 6 milhões de propriedades. Entre 2019 e 2021, a porcentagem foi de 1,2%.
“É possível dizer que 99% dos imóveis rurais no Brasil não tiveram desmatamento, mas esse 1% que desmata contamina o Brasil inteiro, pois tem impacto sobre toda a agropecuária. O agronegócio brasileiro deveria ser o primeiro a combater o desmatamento, ainda mais considerando que mais de 95% dos desmatamentos no Brasil têm indícios de ilegalidade. Extirpar o desmatamento ilegal da agricultura brasileira deveria ser uma das principais pautas do agronegócio brasileiro. Se você tirar esse problema, será difícil encontrar outra agricultura em larga escala no mundo que poderia competir com o Brasil.”
JOIO E TRIGO
De acordo com Azevedo, o País precisa adotar um sistema de rastreabilidade internacional da produção que permita separar quem produz de forma adequada de quem não produz e que seja de interesse da maioria, e não só dos produtores.
O discurso do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na COP-27, incisivo em relação ao compromisso com a redução das emissões e contra o desmatamento ilegal, foi positivo nesse sentido. Azevedo espera que, no próximo governo, o País possa utilizar e integrar os dados públicos sobre imóveis rurais já disponíveis e promover uma política de fiscalização e punição efetiva dos infratores. A transparência, além de favorecer investimentos, servirá para o posicionamento do País se ele desejar de fato assumir o protagonismo. O que falta, segundo o executivo, é uma mudança no posicionamento dos produtores.
“Nos últimos anos, a voz que defendeu o agro foi a voz de quem estava fazendo as coisas erradas. Eu compreendo que 99% dos produtores não tenham problemas com desmatamento. O que falta é a voz da maioria ser preponderante. Esse agro responsável precisa assumir o protagonismo na representação e não largar mais. Você não faz isso com propaganda, é preciso assumir os problemas e enfrentá-los de modo exemplar.”
Por: Estadão Canal Agro