A conservação de material genético das diferentes espécies de vegetais, animais e microrganismos vai ajudar o campo a enfrentar os efeitos das mudanças climáticas sobre a produção agropecuária. Resgatar características que possam ajudar a melhorar a adaptação de plantas e animais ao aquecimento global pode ser fundamental para manter, em condições desafiadoras, a produção de alimentos. E um dos principais ativos que o Brasil possui para ajudar nesse processo é o Banco Genético da Embrapa, que está entre os dez maiores do mundo em relação ao armazenamento de sementes de inúmeras espécies vegetais.
Criado em 2014 e localizado na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, ele conserva uma cópia de todo material armazenado nos 165 bancos ativos de germoplasma de vegetais espalhados por 32 unidades de pesquisa da estatal e parceiros. Tem ainda o “backup” dos materiais genéticos conservados nas 10 coleções biológicas de microrganismos, além de sêmen e embriões mantidos em 55 coleções e núcleos de conservação de animais.
Alguns dos desafios que a agricultura tropical poderá enfrentar com a elevação das temperaturas médias no planeta são perda de áreas agricultáveis e queda de produtividade. Esse aumento de temperatura também pode reduzir o apetite dos animais, que precisarão de mais tempo de engorda. “Vamos precisar desenvolver cultivares, no caso de plantas, ou melhorar raças, no caso de animais, para que, em cenários adversos ou diferentes do que temos hoje, produzam a mesma quantidade ou não tenham redução significativa na produtividade”, diz o supervisor do banco genético da Embrapa, Juliano Gomes Pádua. “A variabilidade genética que temos conservada nos bancos será incorporada ao desenvolvimento desses materiais.”
POTENCIAL ARMAZENADO
O material genético também pode ajudar no combate a pragas e doenças, já que microrganismos tenderão a se reproduzir mais rapidamente com o aquecimento global. Isso exigirá o desenvolvimento de variedades e cultivares resistentes ou bioinsumos para limitar os ataques. “Materiais que hoje não aparentam ser úteis podem vir a demonstrar o seu potencial para esse novo cenário”, afirma Pádua.
O banco genético tem a função de manter uma cópia de segurança para recompor os estoques dos bancos ativos de germoplasma, núcleos de conservação e coleções biológicas em caso de necessidade. “Se acontece algum problema e algum material se perde, nós repomos”, diz o supervisor.
A conservação de material genético dentro da Embrapa foi iniciada na década de 1970 para vegetais, nos anos 1980 para animais e na década de 1990 para microrganismos. “Até 2014, não havia o banco genético em si. Cada área, animal, vegetal e microrganismos, existia em prédios separados. Em 2014, inauguramos uma estrutura nova e mais moderna para acomodar essas coleções em um único lugar”, afirma Pádua.
Hoje, na parte vegetal, o banco genético contempla 1.092 espécies em forma de sementes, contabilizando 118.630 acessos, como são chamados representantes de uma população com determinadas características genéticas dentro de uma mesma espécie. As sementes passam por um processo de secagem e congelamento a -20°C. Algumas espécies, contudo, não toleram esse processamento.
Nesse caso, as alternativas são conservação in vitro, na qual as plantas permanecem em tubos de ensaio – dessa forma estão armazenados 459 acessos de 20 espécies. Também está em implantação a criopreservação, na qual partes da planta a partir das quais é possível regenerar uma nova são conservadas em nitrogênio líquido a -196°C. “No momento, temos conservados acessos de café, mandioca, genipapo, pitaia, batata-doce, cactos e Poncirus”, conta Pádua.
Na área animal, que hoje tem 121.073 amostras de sêmen e 884 embriões, a técnica usada é criopreservação. Para microrganismos, as formas de conservação são variadas, com 7.166 acessos de 326 espécies. O banco genético está sendo equipado com uma fábrica de nitrogênio líquido para dar suporte à operação. “Tivemos um projeto aprovado pela Finep e estamos aguardando assinatura de contratos e liberação de recursos para aquisição da fábrica”, diz o pesquisador.
EM ESTOQUE
As sementes armazenadas passam por testes periódicos. A regra geral para cereais e outras grandes culturas é ter no mínimo 1.500 sementes conservadas com 85% de germinação. Se o banco genético identifica germinação abaixo desse limite, encaminha amostra para o banco de germoplasma da cultura específica, que faz o plantio no campo e, após a colheita, retorna sementes. “Essa é uma forma de sempre termos material em quantidade e qualidade adequadas”, ressalta Pádua.
O banco genético da Embrapa recebe, em média, por volta de 4 mil a 5 mil acessos por ano. Nos últimos três anos, contudo, o volume foi menor devido à pandemia de covid-19 e ao contingenciamento e corte de recursos, que dificultaram o envio de material.
O sistema que cuida de toda a conservação de recursos genéticos dentro da Embrapa funciona por projetos. A cada quatro anos, um projeto do que será feito nos próximos quatro é encaminhado à Diretoria Executiva de Pesquisa e Inovação da Embrapa, onde ocorre a avaliação da proposta e liberação de recursos. “Na versão atual, temos R$ 8 milhões para cuidar de todo o sistema, incluindo animal, vegetal e microrganismos, tanto aqui no banco genético como de todos os outros bancos localizados em unidades descentralizadas da Embrapa”, diz Pádua.
A conservação de material genético é fundamental para a segurança alimentar e nutricional da população brasileira, segundo o pesquisador. Parte das plantas utilizadas na alimentação pode desaparecer ao longo do tempo por falta de adaptação às condições do ambiente, intempéries severas ou pouco interesse no plantio. “Mesmo o nosso prato do dia a dia é composto por espécies que não são nativas do Brasil, arroz e feijão. Em algum momento, desde centenas de anos, o País foi introduzindo esses materiais e a partir daí desenvolveu cultivares que se adaptam melhor às nossas condições para produção.”
Por: Estadão Canal Agro