O áudio binaural (ou áudio 3D) é um recurso imersivo que localiza o áudio em volta de quem está ouvindo, simulando como um ser humano consegue captar os sons naturalmente. A tecnologia foi utilizada pela primeira vez em 1881, mas ainda é pouco explorada no mercado.
Pensando em trazer o áudio binaural para ampliar o universo dos podcasts, o Spotify lançou na terça-feira (29) a audiossérie França e o Labirinto. Nela, o detetive Nelson França, deficiente visual, precisa desvendar um crime que ele acredita ter sido cometido por um serial killer que ajudou a prender no passado.
A trama utiliza o áudio binaural como principal ferramenta para inserir o ouvinte na história. Vale destacar que, para ter o melhor aproveitamento da tecnologia, é preciso usar fones de ouvido com, no mínimo, dois canais. O TecMundo conversou com Camila Justo, executiva do Spotify, e Deive Pazos, produtor e diretor do áudiodrama, para entender melhor o uso do recurso.
O áudio binaural é uma tecnologia que faz com que as pessoas escutem sons em 360º. Precursora do sistema estéreo, ela foi inventada em 1881 em um serviço chamado Théâtrophone, que permitia que os ouvintes tivessem acesso a sons de teatro e shows de ópera pelo telefone, por meio de um headset especial. Com o tempo, o recurso foi evoluindo e alguns programas eram transmitidos em uma frequência para o ouvido esquerdo e em outra para o ouvido direito.
Antigamente, para produzir uma gravação com áudio binaural eram necessários dois microfones que estivessem a cerca de 18 centímetros de distância um do outro. No caso de França e o Labirinto, o produtor comentou que não foi bem assim: “Existem alguns microfones específicos para gravar áudio binaural, só que, hoje, com os softwares que existem, eles caíram um pouco em desuso”.
Com o desenvolvimento da tecnologia, apesar do equipamento, o esforço maior fica na pós-produção. Pazos contou que a equipe “usou equipamento, o que se usa convencionalmente em estúdios de gravação de voz, e depois foi trabalhando na pós-produção, em softwares específicos para trabalhar esse efeito espacial. A tecnologia, na verdade, ela só é uma forma de, entre aspas, enganar o nosso cérebro como um 3D faz num filme”.
Do ponto de vista comercial, Camila comenta que o fato de não ser necessário todo um equipamento específico pode fazer com que o binaural seja utilizado na produção de podcasts. Ela disse que, “no fim, toda a aplicação da tecnologia pôde ser na pós, eu acho que isso faz a gente entender como é possível produzir muita coisa dentro do podcast sem ficar em produções milionárias”.
Para França e o Labirinto, a produtora gravou primeiro a parte do ator principal Selton Mello e, em seguida, os áudios do restante do elenco. Depois foi feito todo um trabalho para juntar o conteúdo e produzir o efeito 3D.
Vale destacar que, para produzir um conteúdo em áudio binaural, é necessário separar o som em dois canais, que se dividem nas saídas de som. Ou seja, o ideal é ouvir o conteúdo utilizando fones de ouvido estéreo para ter a experiência completa.
Ao questionar Deive sobre os requisitos mínimos para ouvir França e o Labirinto com áudio binaural, ele declarou que “não precisa ser um fone 5.1, 7.1. Se for um fone mais de entrada, sabe, in-ear, que você bota dentro do ouvido, isso já é o suficiente para você ter uma entrega boa”.
Apesar de toda a imersão, é necessário ter cuidado ao produzir um conteúdo com áudio 3D. Naturalmente, o cérebro acaba “filtrando” o que ouvimos no dia a dia, mas, como é uma experiência induzida, o ideal é que sejam adicionados os estímulos certos no áudio binaural para não haver uma confusão sonora.
Sobre os elementos inseridos para criar a atmosfera ideal da audiossérie, Deive afirma: “Quando você tá ouvindo uma obra dessas, dramática, onde a gente tá injetando isso na sua cabeça diretamente, se você tiver todos os sons do mundo que tão acontecendo na cena ao mesmo tempo, isso pode ficar demais. Isso pode criar uma confusão, gerar só um ruído muito grande. Então uma coisa interessante é que a gente dosa os elementos que estão na cena”.
Áudio binaural x mercado
Fazendo o movimento contrário à dinamização do conteúdo, com vídeos cada vez mais curtos e rápidos que vemos hoje em dia nas redes sociais, o áudio binaural faz com que o ouvinte preste atenção e entre na história para aproveitá-la da melhor maneira. Ou seja, ele pode ser usado para “quebrar” esse paradigma e trazer o público de volta às mídias mais “profundas”.
São diversos estímulos sendo lançados em várias direções ao mesmo tempo, e, em casos como o do podcast França e o Labirinto, cada episódio dura cerca de 30 minutos e até mesmo alguns detalhes podem ser cruciais para solucionar o mistério.
Outro fator interessante é que, dependendo da narrativa, o ouvinte acaba ficando livre para imaginar alguns cenários. No caso do podcast do Spotify, a ideia foi permitir que cada um adicionasse elementos próprios, fazendo com que fosse a mesma experiência, mas com elementos “personalizados”.
Sobre a experiência, Deive comentou que “o público, quando escuta, ele ajuda a criar também, porque ele vai montar os cenários na cabeça dele, sabe? Então não é uma obra onde você tá sentado, só recebendo informações, você tá rebatendo, você tá junto. Quando você termina a série, quando você ouve os 13 episódios, você tem uma versão sua de França e o Labirinto que ninguém mais vai ter”.
Ao ser questionada se o Spotify usaria o recurso em outras produções, Camila comenta que “enquanto a tecnologia vier a favor de contar melhor histórias ou explorar melhor novos formatos e conteúdo, a gente quer usar”.
“França e o Labirinto” é o primeiro podcast original do Spotify 100% brasileiro e foi produzido pela Nonsense Creations. Os 13 episódios já estão disponíveis na plataforma.
Fonte: Tech Mundo