sexta-feira,22 novembro, 2024

Armazenagem e movimentação de grãos: um negócio de risco?

No dia 26 de julho de 2023 a maioria dos brasileiros conheceu o termo “Explosão de Pó” ou “Dust Blast”, mas, afinal, o que é isso e qual o risco?

A Explosão de Pó segue um princípio muito simples e pode ser facilmente encontrada na internet em filmes de pesquisas de universidades americanas. Os grãos, para poderem ser conservados, precisam estar secos e normalmente são usados secadores para atingir a umidade adequada de armazenagem.

A fricção dos grãos entre si ou contra partes dos equipamentos gera um pó muito leve, fino e seco, que facilmente é levantado por correntes de ar. Essa mistura, mesmo fraca, em ambientes fechados, ao atingir a proporção correta ar/pó, é extremamente inflamável e explosiva. Basta uma faísca ou um ponto de calor para dar início a uma combustão muito rápida e que libera muita energia.

Como se não bastasse o quanto essa reação é violenta, a primeira explosão levanta mais pó e entrega o calor necessário para criar uma sucessão de explosões mais fortes do que a primeira. A interrupção das explosões ocorrerá quando o espaço não estiver mais confinado e a mistura ar/pó ficar suficientemente pobre.

Conhecendo esse mecanismo, as imagens do acidente em Palotina (PR) confirmam todas as características de uma Explosão de Pó. Basta perceber como a laje e os acessos do túnel de descarga foram abertos violentamente de dentro para fora. A sucessão de explosões avançou por esse túnel até a cabeça dos silos, onde ficam os elevadores e outros equipamentos metálicos que, ao se desintegrarem, deixaram de oferecer as condições propícias à propagação do desastre.

Agora os técnicos se debruçam sobre algumas dúvidas: este tipo de acidente já ocorreu antes?

Qual o tamanho do risco com o qual já convivemos nesse setor e quais as proporções que isto tomará no futuro de um país cuja locomotiva econômica é o agronegócio?

Quanto à primeira pergunta, a resposta é sim. Esse tipo já ocorreu antes no Brasil, mas não se encontra registro de ocorrência com essas proporções.

A segunda resposta não é tão óbvia, pois não são somente os grãos que geram pós explosivos. Leite em pó, amido de milho, farinhas e até o açúcar (1) são potencialmente explosivos, para não falar dos fertilizantes (Fonte: https://www.gexcon.com/blog/dust-explosion-an-introduction/).

O perigo está aí e não é exclusividade nacional. A exposição a risco depende de decisões dos operadores do agronegócio.

Para que se tenha ideia de números, segundo a revista “World Grain” apenas em 2022 ocorreram nove explosões de pó nos Estados Unidos (Dust Blasts).

Uma ligeira elevação na média de 7,8 explosões ao ano na última década. Embora a capacidade de estocagem dos americanos seja de cerca de 300 milhões de toneladas (considerando a densidade do milho), predominantemente em silos verticais, não houve fatalidades em 2022 e os feridos foram 18. Aqui é importante destacar que os silos verticais, preferidos pelos norte-americanos e canadenses, precisam de menos pessoas para operar e são mais facilmente automatizados, além de várias outras vantagens e, por isso, as fatalidades costumam ser em menor número que nos silos horizontais, como os de Palotina.

Como as explosões de pó não são exclusividade de nenhum país, o gráfico a seguir resume as Explosões de Pó produzidas por diferentes produtos, não apenas grãos, reportadas no mundo em 2021.

(Fonte: https://dustsafetyscience.com/2021-report-summary/)

Resumindo: Foram 163 incêndios, 53 explosões, 215 feridos e 69 mortes.

A opção de nada fazer significa conviver com prejuízos camuflados na forma de rejeitos, adicional de periculosidade, prêmios de seguro mais elevados, transporte, demurrage, danos materiais, indenizações, mortes e má higiene, apenas para começar uma lista enorme e cara. Como essa lista não cria uma “montanha” diante dos olhos, corre-se o risco de acreditar que ela não existe.

… A negligência em tomar medidas preventivas não é só um erro, é a certeza de estar contribuindo para uma tragédia material e humana…

Retomando as alternativas de decisão, no sentido oposto da incúria está a decisão de tomar uma atitude firme diante da realidade, garantido generosos retornos dos pontos de vista humano e financeiro.

Como exemplo da viabilidade e acerto da decisão de tomar as rédeas da situação, pode ser citado o caso concreto da divisão de moagem de trigo da BUNGE no Brasil, a qual, há mais de 30 anos, tomou medidas inovadoras, lastreadas no “Sistema de Qualidade Total”, incansavelmente defendido pelo Prof. Vicente Falconi. Enquanto esse programa perdurou, com a participação das equipes de operação, foram revistos detalhes de equipamentos, trajetos, acessos e manuseio de pó, o programa de manutenção foi alterado, resultando num período de grande segurança operacional, tudo isso sem investimentos relevantes, mas executado com minucioso planejamento.

Focando nos grãos e sabendo que o pó gerado é altamente explosivo, trazê-lo para o sistema de estocagem e movimentação deve ser evitado. Para isso existem alternativas como peneiras de grande capacidade, mas de concepção muito simples, capazes de remover o pó e objetos estranhos, principalmente metais e pedras, que podem danificar equipamentos e gerar paradas inesperadas e faíscas. Todo o pó retirado pode voltar ao circuito no carregamento ou ser manuseado e comercializado à parte, valorizando os grãos na venda e aumentando a vida útil dos equipamentos.

O manuseio e a retirada do pó merecem destaque, pois, uma vez aspirado, será separado por ciclones de decantação. Mas só isso não basta. A filtragem do ar é indispensável e apenas filtros projetados para essa finalidade podem ser usados. Filtros específicos limpam seus elementos filtrantes pneumaticamente, para não criar outros pontos de risco.

A aspiração deve incluir todas as transferências de um equipamento para o outro, pois esses são pontos de dispersão de pó.

Um bom projeto eletromecânico precisa utilizar componentes de classificação IP 65 (2) e as manutenções preditivas (3), feitas nas paradas programadas, além de recuperar os elementos sujeitos a desgaste natural, devem prevenir atritos e faíscas. Máquinas devem ser abertas e fotografadas, mesmo que simplesmente para análise posterior.

A manutenção corretiva (4) deverá sempre ser tratada como uma intervenção de alto risco, portanto a ser realizada por equipe muito bem treinada e conscientizada. Sem se precipitar, deve usar o tempo necessário para se preparar e para organizar a área de intervenção, nunca pulando etapas.

A área tem que ser desobstruída, alguns acessos e rotas de escape precisam ser criados. Equipamentos de prevenção devem ser previamente levados ao local, que deve ter sido reconhecido e isolado, inclusive contra as temidas faíscas. Além disso, o pó deve ser previamente varrido e a área umedecida, para tornar o pó mais pesado e menos inflamável. Só então, um número muito limitado de técnicos dotados de EPI (5) pode iniciar os serviços, sempre evitando corte e execução de furos em seco e buscando alternativas de reparos que evitem solda, já que acidentes causados por solda são os mais comuns e violentos.

A negligência em tomar medidas preventivas não é só um erro, é a certeza de estar contribuindo para uma tragédia material e humana.

Com informação e atitude corretas, o agronegócio e a engenharia do Brasil serão capazes de garantir um futuro tranquilo, seguro e rentável para os que operam e trabalham nesse setor.

  • Giovanni P. Bonometti – Engenheiro Civil pela Escola Politécnica da USP. Especializado na Transformação de Grãos pela ENSMIC (École Nationale Supérieure de Meunerie et des Industries Céréalières) – França. Consultor – Figueiredo & Associados Consultoria
  • Flavio F. De Figueiredo – Engenheiro Civil pela Escola Politécnica da USP. Consultor. Conselheiro do IBAPE/SP – Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo. Sócio – Figueiredo & Associados Consultoria.
Redação
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