O programa de sustentabilidade da procura de petróleo (ODSP) prevê aumentar a utilização de automóveis, ônibus e aviões movidos a gasolina e diesel na África e outras localidades
Enquanto o mundo discute a urgente necessidade de redução do uso de combustíveis fósseis, a Arábia Saudita está conduzindo um grande plano de investimento global para criar demanda por seu petróleo e gás nos países em desenvolvimento, conforme revelado pelo Center for Climate Reporting e o Channel 4 News.
O programa de sustentabilidade da procura de petróleo (ODSP, na sigla em inglês) prevê aumentar a utilização de automóveis, ônibus e aviões movidos a gasolina e diesel na África e outras localidades, à medida que os países ricos mudam cada vez mais para energias limpas.
“O governo saudita é como um traficante de drogas que tenta fisgar a África para o seu produto nocivo. O resto do mundo está abandonando os combustíveis fósseis sujos e poluentes e a Arábia Saudita está ficando desesperada por mais clientes e voltando a sua atenção para África. É repulsivo”, avaliou Mohamed Adow, diretor do grupo de reflexão Power Shift Africa.
Ele acrescentou que o continente africano não pode alcançar o resto do mundo seguindo os passos das nações poluidoras. “Significaria que perderíamos os benefícios das soluções energéticas modernas de que África pode tirar proveito devido ao seu enorme potencial de energia renovável. Temos a vantagem de sermos retardatários, o que significa que podemos avançar para uma transição energética genuína.”
Metas do ODSP
Segundo a denúncia, dentre as metas do ODSP estão acelerar o desenvolvimento de viagens aéreas supersônicas, que utilizam três vezes mais combustível de aviação do que os aviões convencionais; estabelecer parceria com uma montadora para produzir em massa um carro barato com motor de combustão; favorecer a construção de “mini-redes movidas a petróleo”, que queimariam diesel ou óleo combustível, e promover navios que fornecem “centrais elétricas flutuantes” movidas a óleo combustível pesado ou gás poluente.
O jornal The Guardian informa que o programa é supervisionado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e envolve as maiores organizações da Arábia Saudita, como o Fundo de Investimento Público, a petrolífera Aramco e a empresa petroquímica Sabic.
Apesar de ser apresentado ao público como “remoção de barreiras” à energia e aos transportes nos países mais pobres e “aumento da sustentabilidade”, por exemplo, fornecendo fogões a gás para substituir a queima de lenha, a investigação do Center for Climate Reporting e do Channel 4 News mostra que todos os planos envolvem o aumento da utilização de petróleo e gás.
O objetivo declarado, segundo o site do ODSP em árabe, é “sustentar e desenvolver a procura de hidrocarbonetos como fonte competitiva de energia, aumentando a sua eficiência econômica e ambiental, garantindo ao mesmo tempo que a transição no mix energético [seja] sustentável para o Reino da Arábia Saudita”.
Segundo o Guardian, detalhes do programa foram revelados depois que repórteres disfarçados se passaram por potenciais investidores e se reuniram com funcionários do governo saudita.
A apresentação utilizada pelos responsáveis dizia que a estratégia era “desbloquear a procura nos mercados emergentes, removendo barreiras ao acesso à energia através de investimentos em infraestrutura”.
Ao ser questionado pelos jornalistas se o objetivo era estimular artificialmente a procura em alguns mercados-chave, uma das pessoas respondeu: “Sim, é um dos principais objetivos que estamos tentando alcançar.
“Não acreditamos que seja possível que [os países em desenvolvimento] possam saltar esta fase [dos combustíveis fósseis] porque, para implementar totalmente os veículos elétricos, será necessária uma infraestrutura pronta. Muitos países africanos não têm atualmente rede [eletricidade] suficiente para sustentar a sua vida cotidiana. Acreditamos que eles merecem a oportunidade de obter agora a energia necessária para o seu desenvolvimento. Então, no futuro, eles poderão trabalhar para melhorar ou transitar para fontes de energia mais eficientes”, disse o funcionário.
Contratos assinados
Pelas informações do Center for Climate Reporting e do Channel 4 News, o ODSP conta com 46 projetos, selecionados de acordo com o seu “potencial de procura incremental”.
Eles são divididos em três categorias: transportes, utilidades e materiais, sendo que esta última busca promover a substituição de cimento, aço e madeira utilizados na construção por plásticos derivados do petróleo.
Três contratos já foram assinados: com Ruanda, para “desenvolver a procura de recursos de hidrocarbonetos”; com a Nicarágua, para “promover a colaboração e reforçar a parceria no setor do petróleo e gás”, e, com a Etiópia, para “cooperar no fornecimento de petróleo”.
“O fato de os países africanos estarem tão desesperados a ponto de caírem neste truque baseia-se no fracasso das nações poluidoras históricas em honrar as suas promessas de financiamento climático”, afirmou Adow, do Power Shift Africa. “Precisamos de investimento dos países ricos que afirmam ser líderes climáticos. Caso contrário, poderemos esperar acordos mais duvidosos como este, que põem em perigo não apenas os africanos, mas também o esforço global para garantir um clima seguro e próspero para todos.”
Texto: Um só Planeta