quinta-feira,19 setembro, 2024

Aprovação de terapia de universidade brasileira pela Conitec abre espaço inovação nacional

A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) emitiu uma recomendação para a inclusão da terapia fotodinâmica no SUS, como uma opção de tratamento para pacientes com câncer de pele basocelular – o mais comum entre todos os tipos de câncer malignos diagnosticados – e para lesões pré-cancerígenas no Brasil. Segundo o órgão, essa foi a primeira vez que uma universidade brasileira solicita a incorporação de uma tecnologia no SUS, representando um exemplo bem-sucedido de inovação tecnológica no país.

A terapia foi desenvolvida pelo Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e combina diagnóstico e tratamento do câncer em uma mesma plataforma. Isso possibilita a avaliação e o tratamento da doença no mesmo dia, sem a necessidade de um centro cirúrgico, evitando, também, procedimentos dolorosos e mutilações.

“É preciso ter um incentivo à inovação tecnológica nas universidades”, afirma Vânia Canuto, ex-diretora do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DGITS), divisão responsável pela coordenação e secretaria-executiva da Conitec. “O nicho de inovação e produção de desenvolvimento do produto para saúde no Brasil é algo que precisa ser incentivado pelo governo (…) e se tivermos mais universidades e institutos inovadores ligados à indústria eles chegarão na Conitec”.

Ela acredita que uma ligação mais forte entre as universidades e a indústria possibilitaria que tecnologias, medicamentos ou procedimentos, fossem produzidos em larga escala, para que ultimamente sejam incorporados ao SUS.

Em nota publicada no site da Conitec, a atual diretora do DGITS, Luciene Bonan, avalia que “as universidades brasileiras têm papel central na inovação, reconhecendo as necessidades do SUS, impulsionando a pesquisa, desenvolvimento e inovação, produzindo evidências clínicas, capacitando os serviços de saúde e participando do processo de incorporação e oferta de uma nova tecnologia no SUS”.

Transformações na Conitec

Vania encerrou sua trajetória de mais de uma década no Ministério da Saúde em janeiro deste ano e atualmente é consultora internacional da Organização Pan-Americana de Saúde. Para ela, um dos pontos-chave para essa aprovação foi a divisão do plenário da Conitec em comitês, uma mudança que ocorreu no ano passado:

“A divisão fez com que os comitês fossem mais especializados para analisar tecnologias, principalmente produtos. Ao dividir os comitês, inserindo os núcleos de avaliação de tecnologias, é possível ter um olhar mais especializado para aquele tipo de produto e conseguir uma incorporação e um maior entendimento sobre aquela tecnologia para que possa estar disponível no SUS”.

Canuto ainda analisa que a tendência, não só no Brasil como no restante do mundo, é que os pedidos de incorporação de tecnologias aumentem. Afinal, com o surgimento de mais inovações, a demanda de medicamentos, protocolos clínicos e produtos para a saúde em geral apresentaria um crescimento. Par ela, “agora, cada vez mais, com o Complexo Econômico Industrial da Saúde, o governo tem uma política de incentivar essas inovações e financiá-las”.

Apesar dessas boas iniciativas, Vania acredita que o governo ainda precisa se esforçar mais para traduzir conhecimentos técnicos para a população. “Existe uma lacuna de comunicação com a sociedade” , ela declara.

O processo da terapia fotodinâmica na Conitec

Além da comunicação, o processo como um todo não é tão simples. Ao se recordar do período de submissão, que envolveu diversos documentos, autorizações, metanálises e até estudos de mercado, a professora Hilde Buzza, física biomolecular colaboradora do Instituto de Física de São Carlos, comenta que “foi um processo longo e demorado, mas saber que uma tecnologia desenvolvida por nós no laboratório vai chegar para milhões de pessoas é o melhor prêmio que poderia existir”.

O projeto começou com a ideia de trazer a terapia fotodinâmica para o Brasil. Após alguns estudos, a pesquisa ganhou o apoio do BNDES, em 2012, para iniciar um ensaio clínico. Com a nova parceria, a universidade começou a treinar alguns médicos e oferecer para eles os equipamentos e medicamentos necessários para que os testes do tratamento. Para isso, foram formados 72 centros em todo o Brasil e alguns na América Latina.

Apesar do bom funcionamento da técnica, alguns médicos se queixaram que como a tecnologia não estava incluída no SUS, eles não poderiam incluí-la como um procedimento. A partir desse momento, os pesquisadores viram-se prontos para submeter a terapia à Conitec. Hilde Buzza ficou encarregada de verificar o que seria necessário reunir para realizar a submissão. Porém, em março de 2020, os pesquisadores receberam o comunicado que o pedido havia sido negado.

Para Buzza, ter sido a primeira universidade a realizar essa submissão foi uma grande desafio. Os pesquisadores do IFSC tiveram que descobrir por conta própria sobre os funcionamentos da submissão. Houve também algumas dificuldades por parte dos cientistas em transmitir certas especificidades e explicações sobre a terapia à Conitec.

Apesar da primeira tentativa ter falhado, ela se diz satisfeita com a eficiência da Conitec. A pesquisadora afirma ter havido muita transparência durante todo o processo e, por isso, ela e o restante dos pesquisadores viram-se motivados a tentar de novo.

Incentivados pelos aprendizados anteriores, os cientistas decidiram fazer uma nova submissão em 2022. Dessa vez com uma maior clareza sobre o funcionamento da Conitec. E, no final de junho, os pesquisadores finalmente receberam a boa notícia que o tratamento havia sido recomendado.

Aprendizados

Hilde acredita que a iniciativa bem sucedida do IFSC pode servir de encorajamento para que outras universidades sigam o exemplo de submissão de tecnologias à Conitec: “Quando fazemos alguma inovação na universidade e vemos que outras instituições estão conseguindo fazer isso chegar para toda a população, é uma grande forma de incentivo. E nós estamos abertos como grupo de pesquisa para explicar todo o processo”.

Buzza ainda se mostra otimista para projetos futuros: “Para nós fica o aprendizado de como funciona a submissão, então já podemos construir estudos clínicos que obedecem aos critérios deles, por exemplo”.

O professor Vanderlei Bagnato, físico atômico e coordenador da equipe do IFSC/USP, inclusive faz um apelo para que outras instituições sigam o exemplo. “Toda vez que uma universidade ou instituto de pesquisa achar que têm na mão algo que pode resolver um problema de saúde com a responsabilidade social devida, nós temos o dever – como cidadãos – de levar para a sociedade brasileira”, pondera Bagnato, que atua também como professor convidado no MD Anderson Cancer Center, no Texas.

Próximos passos para terapia fotodinâmica

Bagnato vê grande potencial na terapia fotodinâmica e está desenvolvendo projetos para utilizá-las em outros tipos de tratamentos. Ele pretende criar um programa de atendimento aos diabéticos e imunodeprimidos. Em parceria com o MD Anderson, Bagnato também quer utilizar a terapia no tratamento de melanoma e de bactérias resistentes à antibióticos (MRSA) para o tratamento da pneumonia.

Mas o professor também continua com planos no Brasil: “Nós temos um grande projeto nacional, financiado pelo Fapesp e CNPQ com parcerias internacionais, que é para o tratamento das lesões colo uterinas (…) nós já estamos tratando as lesões de HPV e as colo uterinas de grau 1 e 2, antes de virar o carcinoma in situ”.

Tendo em vista todas as possibilidade de tratamento da terapia fotodinâmica, há agora a busca de financiamento de outros países para essa tecnologia. “As inovações realizadas aqui são de natureza global, é importante que outro países invistam no Brasil”.

A recomendação de incorporação da tecnologia foi baseada no Protocolo de Uso do Ministério da Saúde, e a decisão final cabe ao secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde do Ministério da Saúde (SECTICS/MS). A decisão será publicada posteriormente no Diário Oficial da União (DOU).

Texto: Ligia Moraes

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